Quando o Inimigo Não É Quem Parece: A Compaixão Que Vence o Mal

 THEODORE El-Ghandour, Bispo
Vigário Patriarcal Antioquino para o Rio de Janeiro



Na vida cristã ortodoxa, somos frequentemente desafiados a escolher entre a reação natural e a resposta espiritual. Diante do mal que nos fazem, nosso primeiro impulso pode ser o de retribuir, julgar ou guardar rancor. Mas São Sofrônio, em suas palavras iluminadas, nos aponta um caminho radicalmente diferente: o caminho da compaixão.

“Alguém lhe fez mal!? Não brigue com ele, mas brigue com o diabo que o incita ao mal. Tenha compaixão da pessoa que peca e considere que, se ela não se arrepender, ficará no inferno para sempre. Assim, você não apenas não ficará com raiva, mas seus olhos também derramarão lágrimas de compaixão. Assim como você se compadece de um doente com febre, tenha compaixão do seu irmão que lhe faz mal, pois ele também está doente.”

— São Sofrônio de Essex
A Sagrada Escritura nos revela que nossa luta não é contra carne e sangue, mas “contra os principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal” (Efésios 6,12). Isso quer dizer que, por trás das atitudes más de quem nos ofende, existe uma realidade invisível: a ação do inimigo das nossas almas, Satanás, que “anda ao redor como leão que ruge, procurando a quem devorar” (1 Pedro 5,8).

Portanto, o cristão ortodoxo não se precipita em julgar o outro. Ele vê além das aparências e entende que o irmão que pratica o mal é, muitas vezes, um ferido, um enganado, alguém enfermo espiritualmente. Assim como não odiamos o doente por causa da febre, mas lutamos contra a enfermidade, também devemos distinguir o pecado do pecador, odiando o mal, mas amando quem o comete.

Cristo, nosso modelo, ao ser crucificado injustamente, não rogou vingança. Ao contrário, intercedeu por seus algozes: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23,34).

Os Santos Padres da Igreja seguem esse mesmo espírito. São Silouan do Monte Athos ensinava: “Mantém a mente no inferno e não se desespere.”

Essa máxima resume a consciência da profunda gravidade do pecado, unida à esperança e misericórdia. Quando vemos alguém pecar contra nós, devemos pensar: se essa pessoa não se arrepender, estará se afastando eternamente de Deus. E então, em vez de ira, brotarão lágrimas de dor e oração por ela.

A Igreja é um hospital espiritual. Todos somos doentes buscando cura. Alguns sabem de suas feridas e as tratam com os remédios da oração, do arrependimento, dos Sacramentos. Outros ainda caminham cegamente, machucando a si mesmos e aos outros. Quando alguém nos fere, a resposta ortodoxa não é revidar, mas interceder com amor e jejum, como os Santos fizeram por seus perseguidores.

Santo Isaque, o Sírio, dizia: "Tenha compaixão de todos, mesmo dos que pecam, porque todos somos feitos da mesma argila.”

Brigar com o diabo significa estar atento ao combate espiritual: resistir às tentações do orgulho, da vingança, do julgamento. É lutar por dentro, não por fora. É buscar a humildade de Cristo que, mesmo sendo Deus, se humilhou até a morte e morte de cruz (Filipenses 2,8). É esse o verdadeiro martírio do cristão de hoje: não morrer com o corpo, mas matar o ego e viver a misericórdia, mesmo diante da injustiça.

Seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo, todo cristão ortodoxo é chamado a viver essa verdade libertadora. Em vez de alimentar ressentimentos, que nossos olhos se encham de lágrimas pela salvação do outro. Que o nosso coração não endureça, mas se transforme em altar de intercessão por aqueles que ainda caminham nas trevas.

A verdadeira força está não em reagir com violência, mas em vencer o mal com o bem (cf. Romanos 12,21). Esse é o caminho de Cristo. Esse é o caminho dos Santos. Esse é o único caminho que conduz ao Céu.

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