EX-NIHILO - PARTE 2

BRECK John, Sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)


No prólogo do seu Evangelho, o evangelista João retoma o relato da criação apresentado no primeiro capítulo do Gênesis, a fim de ilustrar a história da redenção realizada por Jesus Cristo, o Filho eterno e Verbo de Deus. “No princípio”, de Sua infinita alteridade, com Deus e como Deus, o Verbo surge para criar o mundo e salvá-lo da morte e da corrupção. Da insondável distância da eternidade, o Pai profere Sua Palavra para “fazer todas as coisas”, uma atividade que culmina na criação dos seres humanos, portadores da Imagem divina. Essa Palavra, na pessoa de Jesus de Nazaré, entra na skotia, a escuridão deste mundo decaído, assim como entrou “no princípio” na escuridão do não-ser. No entanto, o mundo O rejeita, bem como a revelação que Ele traz em Si mesmo, uma revelação que Ele só pode falar àqueles que têm ouvidos para ouvir. Àqueles que O recebem, que acolhem a Palavra como fonte de vida nova e santificada, Ele concede o poder e a autoridade de se tornarem “filhos de Deus” (Jo 1,12-13).

No princípio, Deus criou. Ele fez os céus e a terra, não como fins em si mesmos, mas como imagens proféticas da Nova Criação em Jesus Cristo. O cosmos foi trazido à existência como um sinal e um antegozo do Reino vindouro. Contudo, através da habitação do Espírito, essa realidade futura e transcendente já está acessível, "presente em toda parte e preenchendo todas as coisas". O relato de Gênesis, nos capítulos um a três, portanto, deve ser entendido como uma promessa. Ele fala em imagens materiais não apenas da origem e do destino do cosmos, mas da peregrinação espiritual que os filhos de Deus são convidados a fazer, desde a sua criação, passando pela sua "queda" nas trevas, e adiante em direção à nova criação, o novo céu e a nova terra da visão do profeta (Apocalipse 21).

Celebramos esta peregrinação com a maior intensidade desde o Sábado Santo até a Páscoa, a festa da Ressurreição que marca a aurora da nossa salvação. Esta peregrinação, no entanto, é primeiramente empreendida pelo próprio Jesus, o Filho eterno e Verbo de Deus. Com a Sua morte na Cruz, Ele cumpre tanto a obra da criação como a obra da redenção. "Está consumado!", declara Ele, ao entregar ao Pai o Seu Espírito, o Espírito da Verdade que n´Ele habitava secretamente desde toda a eternidade e visivelmente desde o Seu batismo. Então, da escuridão do sepulcro, Jesus desce às trevas primitivas do Sheol, o reino dos mortos. Ali, como tão pungentemente retratado no nosso ícone pascal, Ele abre o Seu abraço para acolher Adão e Eva, protótipos de toda a humanidade, e com eles David, Salomão, João Batista e todos os Justos que partiram entre o povo de Deus, que viveram e morreram aguardando o cumprimento da promessa da Aliança que Deus fez com o Seu povo Israel. Finalmente, por Sua ressurreição dentre os mortos e Sua consequente vitória sobre o poder da morte, Jesus ascende, carregando consigo e em Si todos aqueles que anseiam por compartilhar de Sua vida e de Sua glória. E por essa Ressurreição, a própria criação é renovada.

Tua Ressurreição vivificante, ó Senhor
Iluminou todo o universo, relembrando Tua criação.
Livres da maldição de Adão, cantamos:
Onipotente Senhor , glória a Ti!
(Vésperas Apostika, Tom 3)

Essa ressurreição não apenas recordou a criação. Ela a cumpriu e a completou. Iniciamos nossas leituras do Antigo Testamento no Sábado Santo com o relato da criação do mundo, portanto, não para obter conhecimento de processos cosmológicos, biológicos ou históricos. Lemos esta passagem pelo que ela nos promete sobre nossa vida e nosso destino. Lemos para termos a certeza de que o Verbo eterno, que trouxe todas as coisas da inexistência à existência, nos tirou de nosso próprio estado de não-ser – nossa condição niilista de vazio, escuridão e pecado autointencionais – e, por Sua ressurreição, nos tirou de um vazio eterno de falta de sentido e morte, para o esplendor e a alegria da Nova Criação.


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