"Está Cristo dividido?" Um apelo à unidade na Igreja
THEODORE El-Ghandour, Bispo
Vigário Patriarcal Antioquino para o Rio de Janeiro
Paulo escreve aos coríntios depois de ouvir notícias vindas da casa de Cloé. Eles estavam divididos em grupos, cada qual reivindicando a autoridade de um nome: Paulo, Apolo, Cefas (Pedro) ou até mesmo Cristo. À primeira vista, parecer ser uma escolha de preferência pastoral ou doutrinal, mas, na raiz, trata-se de algo muito mais grave: uma ruptura do Corpo de Cristo.
A comunidade de Corinto, marcada por uma cultura grega orgulhosa de sua retórica e sabedoria humana, começava a importar para dentro da Igreja os mesmos critérios do mundo: seguir aquele que fala melhor, que tem mais prestígio, que me agrada mais. Mas o Evangelho não é palco para vaidades humanas, e a Igreja não é arena de debates para saber quem é o maior. A verdadeira pergunta é: quem foi crucificado por nós? Quem nos salvou?
Paulo, com humildade e zelo, queria afastar a ideia de que a salvação vem por um líder humano. Paulo nos lembra que a centralidade do Evangelho está na cruz de Cristo, e que ela não deve ser esvaziada com palavras vãs ou com divisões tolas.
A cruz não precisa de adornos nem de artifícios de retórica. Ela é, por si só, escândalo e loucura para os homens, mas força e sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,18-25). Quando a Igreja se fragmenta por vaidades, por ideologias, por preferências pessoais ou por disputas de poder, é a cruz de Cristo que perde sua eficácia na vida dos fiéis.
“Rogo-vos... que todos estejais de acordo, e que não haja divisões entre vós”, escreve São Paulo. O verbo “rogar” mostra a intensidade e a urgência do pedido. Não se trata de uma simples sugestão fraterna, mas de um clamor pastoral. A unidade não é um luxo da Igreja; é sua natureza. Ela nasce da fé em um só Senhor, um só batismo, um só Deus e Pai (cf. Ef 4,5-6).
Para que essa unidade se mantenha viva e inabalável, a Igreja precisa estar ancorada na Santa Tradição e na fidelidade aos dogmas preservados e proclamados ao longo dos séculos. Na Igreja Ortodoxa, essa Tradição viva é a continuidade do ensinamento dos Apóstolos, dos Santos Padres e dos Concílios Ecumênicos, transmitida não apenas por palavras, mas pela vida litúrgica, espiritual e sacramental. Os dogmas não são barreiras, mas muros protetores da fé, definidos para que a Igreja caminhe em verdade e comunhão. A verdadeira unidade só é possível quando está enraizada na fé apostólica inalterada, que a Igreja Ortodoxa guarda singularmente com zelo e humildade.
Este texto é particularmente atual. Vivemos tempos de polarizações, inclusive dentro da Igreja. Há quem diga: “eu sou do padre tal”, “eu sou daquele bispo”, “eu sigo tal teólogo”, como se estivéssemos em clubes, e não no Corpo de Cristo. Quando os cristãos permitem que as disputas políticas, sociais ou eclesiásticas tomem o lugar do amor, da oração e da caridade, estamos traindo a unidade pela qual Cristo orou no Getsêmani: “que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti” (Jo 17,21).
Que esta exortação de São Paulo nos leve à conversão do coração. Que abandonemos toda forma de divisão, e que olhemos para Aquele que foi crucificado por todos: Jesus Cristo, o único Senhor e Salvador. Unamo-nos não em torno de nomes humanos, mas da verdade revelada, da Eucaristia e da Palavra viva de Deus. Que não nos vangloriemos de sermos de “Paulo” ou “Pedro”, mas que sejamos, de fato, de Cristo.
Porque Cristo não está dividido. A cruz não foi uma ideia. Foi um sacrifício real por todos.
E a Igreja, seu Corpo, deve também ser una, santa, católica e apostólica, sempre alicerçada na Tradição e iluminada pela cruz.
30.07.2025
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