DEVOÇÃO MARIANA, ORTODOXA E CATÓLICA ROMANA
FARLEY Lawrence, Sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Os críticos protestantes da Ortodoxia nos criticam por muitas coisas, mas uma de suas principais objeções é a nossa devoção a Maria, a Mãe de Jesus. A hostilidade ao Catolicismo Romano está intrínseca ao DNA protestante, portanto, qualquer coisa na Ortodoxia que se assemelhe a algo do Catolicismo Romano estará sujeita a críticas, incluindo coisas mais ou menos inócuas como clérigos usando batinas e se autodenominando "Padre". Nossa devoção ortodoxa à Maria (a Quem chamamos de "Theotokos") frequentemente dà início à lista de objeções protestantes, visto que ocupa um lugar tão proeminente no Catolicismo Romano.
É verdade que compartilhamos muitas coisas com nossos amigos católicos romanos em nossa devoção à Mãe de nosso Senhor. Dado que Cristo é Deus, chamamos Sua Mãe de "Mãe de Deus", assim como nossos amigos católicos romanos, e oramos a Ela, pedindo Suas orações e ajuda. Ambos confessamos que Ela foi perpetuamente virginal e temos uma forte tradição litúrgica que A louva e roga por Suas intercessões. Mas também existem diferenças entre nós e nossos amigos católicos romanos, e estas não são insignificantes. Gostaria de discorrer sobre elas aqui.
Em primeiro lugar, está o dogma da Igreja Católica Romana da "Imaculada Conceição" (que nada tem a ver com a concepção/nascimento virginal de nosso Senhor). A ideia por trás do dogma é que, quando Maria foi concebida no ventre de Sant´Ana, houve uma infusão de graça santificante juntamente com os componentes físicos de sua concepção, de modo que Ela foi concebida e santificada ao mesmo tempo.
O dogma foi proclamado em 1854 como uma espécie de "saída de emergência" para um dilema legado à Igreja Ocidental pelos ensinamentos de Santo Agostinho, que, sem saber, a encurralou. Esse grande Padre ocidental ensinava que todos no mundo eram concebidos e nascidos com a mancha do pecado original — isto é, a culpa condenatória de Adão, de modo que bebês e crianças que morriam sem serem batizados iam para o inferno. (A parte oriental da Igreja nunca o seguiu nesse sentido.) Isso significava que todos nasciam no mundo como objeto da ira de Deus e continuavam a sê-lo até serem batizados.
Muitos consideravam insuportável imaginar que a Mãe de nosso Senhor fosse objeto da ira divina, e assim o debate sobre isso continuou na Igreja Ocidental medieval. Anselmo ensinava que Ela tinha sido concebida e nasceu em pecado (em seu Cur Deus Homo); Bernardo (e mais tarde Aquino) ensinava que tinha sido concebida em pecado, mas santificada antes do nascimento. Os franciscanos defendiam uma concepção sem pecado. Para os católicos romanos, a questão foi decidida de forma decisiva pela bula papal Ineffabilis Deus, do Papa Pio IX, em 1854. A bula afirmava que "Maria foi, no primeiro instante de Sua concepção, preservada intocada de qualquer mancha de culpa original, por uma singular graça e privilégio de Deus Todo-Poderoso, em consideração aos méritos de Cristo Jesus, o Salvador da humanidade".
Os ortodoxos rejeitam esse ensinamento, visto que nunca acreditamos que alguém no mundo tenha nascido com "a mácula da culpa original" e, portanto, nunca precisamos da válvula de escape doutrinária oferecida em Ineffabilis Deus.
Um problema maior do que a definição doutrinária de 1854 é a lacuna psicológica que ela parece introduzir, separando a Theotokos do resto de nós. Nas palavras do Padre Thomas Hopko, no pensamento católico romano, Maria Se torna não tanto o Grande Exemplo para nós, mas a Grande Exceção. Ou seja, independentemente do que os dogmas da Igreja Católica Romana realmente ensinem sobre Maria, na piedade popular Ela era uma tendência desconcertante para que Ela Se desviasse do limite e tomasse Seu lugar não entre nós, mas entre a Santíssima Trindade.
Lembro-me de ver essa parte da piedade popular ilustrada em uma casa de retiro católica romana onde me hospedei. Havia crucifixos e placas devocionais por todo o lugar, e uma placa invocava uma santa relativamente menor (possivelmente chamada "Maria Teresa", embora a memória falhe) dizendo: "Maria Teresa, rogai a Jesus e Maria por nós!"
Observação: não (como na Ortodoxia) "rogai a Deus por nós" ou "rogai a Cristo Deus por nós", mas "rogai a Jesus e Maria por nós". Santa Maria Teresa pode ser uma de nós, mas Maria, a Mãe de Jesus, não. Ela foi a Grande Exceção, compartilhando a imaculada impecabilidade do próprio Deus. Sem dúvida, o autor do sentimento devocional não era tão idiota a ponto de imaginar que Maria fazia parte da Santíssima Trindade como Jesus, mas esse é justamente o ponto: o sentimento testemunhava uma tendência devocional inconsciente, uma deriva emocional irrefletida.
Tal desvio é impossível na Ortodoxia, onde a linha divisória entre a Theotokos e Seu Filho é constantemente enfatizada. Por exemplo, na Ortodoxia, todo serviço religioso termina com uma despedida que diz assim: "Que Cristo, nosso verdadeiro Deus, pelas orações de Sua Mãe Toda-Pura, dos santos, gloriosos e louváveis apóstolos, dos santos e justos ancestrais de Deus Joaquim e Ana, e de todos os santos, tenha misericórdia/piedade de nós e nos salve".
Nota: Maria, a Theotokos, aqui está com o restante da Igreja e seus santos, intercedendo por nós junto a Cristo. Ela está com os santos, gloriosos e louváveis apóstolos, com os santos e justos ancestrais de Deus Joaquim e Ana, e com todos os santos — e, portanto, conosco, do nosso lado da linha divisória que separa Cristo de Sua Igreja. (Vemos isso visualmente no ícone da Deesis, no qual Cristo está entronizado e Sua Mãe e Seu Precursor estão de pé, um de cada lado d´Ele, com as mãos erguidas em oração intercessória; veja a imagem inserida no topo.) Dada essa constante litúrgica na dieta ortodoxa, é improvável que vejamos uma placa com os dizeres "Santa Olga do Alasca, rogai a Jesus e Maria por nós" tão cedo. Apesar de todo o nosso amor compartilhado por Maria, a compreensão ortodoxa de Seu lugar é um pouco diferente daquela de nossos amigos católicos romanos.
Suspeito que seja essa diferença emocional de devoção, essa separação inconsciente e não reconhecida de Maria do restante da Igreja, que explica o impulso atual para honrá-La como "Corredentora" — isto é, como redentora do mundo juntamente com seu Filho.
Aqueles que explicam a doutrina são cuidadosos em suas definições para salvaguardar o papel único desempenhado por Cristo como o Cordeiro de Deus, cujo Sangue expia os pecados do mundo, e para deixar claro que Maria tem um papel claramente subordinado. Tais explicações parecem, com uma mão, anular o que foi dado pela outra no título. Ou seja, seu papel como corredentora não é tanto explicado, mas sim esclarecido. Mas então, pergunto, por que insistir no título (e sua futura proclamação como dogma)? Seria apenas mais um exemplo do que antes era descrito como a "máquina do dogma papal funcionando a todo vapor" para que os dogmas se multiplicassem? Talvez. Mas para mim parece mais provável que seja o fruto inconsciente de considerar Maria como a Grande Exceção, uma sui generis ontológica, alguém totalmente diferente em constituição dos santos e de nós.
Certamente, qualquer menção a Ela como "corredentora" provavelmente prejudicará o progresso ecumênico e exacerbará as diferenças já existentes entre a Igreja papal e todas as outras. Isso foi até reconhecido por alguns teólogos católicos romanos, um dos quais afirmou que a petição popular para que a opinião fosse proclamada como dogma era "teologicamente inadequada, historicamente um erro, pastoralmente imprudente e ecumenicamente inaceitável". Verdade: mas então por que Ela ainda é promovida por alguns? Eu respondo: porque é fruto de uma tendência inconsciente, não de teologização.
Há, sugiro, diferenças significativas entre a devoção católica romana à Mãe de Deus e a devoção ortodoxa.
Aqueles que rejeitam apaixonadamente qualquer devoção mariana, é claro, também rejeitarão essas diferenças como completamente insignificantes. Como C. S. Lewis certa vez observou: "Para aqueles que não suportam a presença de um gato, o enorme gato malhado de cabeça quadrada Tom e o pequeno duende de cara de fumaça do Sião são todos a mesma coisa". Mas aqueles que amam gatos acharão os dois felinos distintamente (e deliciosamente) diferentes. Essas são as diferenças significativas entre os ortodoxos e seus amigos católicos romanos.
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