ABORDAMOS ATÉ MESMO AS PESSOAS MAIS PECADORAS COM CONFIANÇA E ESPERANÇA

STANILOAE Protopresbítero Dumitru
tradução de monja Rebeca (Pereira)

A questão do mal não tem sido muito examinada na Igreja Ortodoxa. Em comparação com outros dogmas cristãos, sua solução permanece expressa  numa forma que revela a verdade, é claro, mas uma verdade obscura em sua construção. O mal tem sua origem e seu suporte no livre-arbítrio dos espíritos criados, sejam eles anjos ou seres humanos. Esta é a posição cristã. Mas há um longo caminho a percorrer para compreendê-la.

A Igreja, na época dos gnósticos, esteve sob considerável pressão para desenvolver uma teoria sobre a origem do mal. Todas as escolas de pensamento gnóstico foram atormentadas pelo problema da origem do mal. E todas elas chegaram a soluções dualistas baseadas na noção do mal como um princípio particular, cujo campo de atividade estava, no máximo, entrelaçado em certa medida com o do bem, mas que jamais poderia atingir o cerne deste último, jamais poderia alterá-lo ou transformá-lo em mal. Todos os movimentos gnósticos tenderam à direção do maniqueísmo, que deriva o mal da matéria, do corpo como princípio existencial independente.

O perigo expresso por esses movimentos, bem como pelo maniqueísmo, parece não ter sido tão grande a ponto de a Igreja precisar se envolver mais energicamente com a questão dogmática do mal. Um fator que contribuiu para isso foi certamente a visão otimista da nossa Igreja sobre a natureza humana. A Igreja Ortodoxa ensina que a imagem divina não foi radicalmente alterada nas pessoas, mas foi manchada até certo ponto, de modo que ainda podemos nos aproximar das pessoas mais pecadoras com confiança e esperança, vendo os raios de luz bons em vez das sombras do mal. Para nós, que crescemos no espírito da Igreja Oriental, nenhum pecado, nenhuma apostasia por parte de outras pessoas pode nos privar da esperança de que as veremos renovadas, renascidas. Não pode destruir nossa convicção de que elas ainda têm facetas ocultas, as quais, se pudéssemos trazê-las à luz, nos surpreenderiam com a delicadeza da bondade dessas pessoas.

Hoje, porém, é essencial que a resposta ao problema do mal seja pensada em detalhes e apresentada com clareza. A perspectiva dos cristãos ortodoxos demonstra uma tendência a ser influenciada por um maniqueísmo de origem ocidental.

Como esse maniqueísmo ganhou tanto espaço no Ocidente? Não, creio eu, sob a influência do Catolicismo (embora seu ensinamento de que o pecado consiste em uma concupiscentia carnis e, portanto, é algo inteiramente corpóreo, tenha contribuído em certa medida) ou do Protestantismo, mas mais sob a influência do racionalismo. Se você tem confiança em seus próprios poderes, acredita que quanto mais civilizado for, menos pecados terá, enquanto sábios e pessoas cultas são considerados criaturas angelicais, visto que superaram os excessos da carne que afligem outras pessoas simples. Há uma ideia generalizada de que as pessoas podem se tornar perfeitas por meio de seus próprios esforços, sem qualquer ajuda do alto, visto que conseguem transcender os excessos carnais dos incultos. Em termos gerais, pessoas educadas não bebem, não fumam, não infringem a lei, não julgam os outros, não são excessivamente expansivas e todos as consideram santas. Dessa forma, a ideia de que o pecado é algo exclusivamente carnal se enraíza e de que quanto mais nossas expressões corporais forem suprimidas, mais poderemos viver no espírito. Dessa forma, seremos menos pecadores, ou até mesmo não seremos.

Essa visão racionalista e humanista (confiança excessiva em nossos poderes, excluindo todo o resto) também se aplica às seitas (devemos observar que, no mundo ortodoxo, ela chegou de duas maneiras: pela circulação de livros relevantes e por meio de seitas).

Por mais atraente que esse espírito maniqueísta pudesse ser para os simples, ele não penetrou em nosso próprio povo ortodoxo. Os jejuns, a frequência à igreja, a abstinência de bebida e fumo, os votos monásticos, eram todos essencialmente práticos, mas não eram considerados por aqueles que os aplicavam como um meio absoluto de purificação. Ainda estamos conscientes de nossa pecaminosidade predominante.



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