COMO NÃO AFUNDAR NO MAR AGITADO DESSA VIDA
LEMASTERS Philip, Sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Se você é como eu, há momentos em que se preocupa ou se aborrece com questões de ínfima importância. Muitas vezes, não é preciso muito esforço para nos irritarmos, pois baseamos nossa autoestima e bem-estar, bem como nossas esperanças para o futuro, em ilusões que não conseguem realizá-las. Devido à nossa visão espiritual obscurecida, não enxergamos a nós mesmos, nossos relacionamentos com outras pessoas ou nossa posição diante do Senhor com muita clareza. Quando os desafios inevitáveis da vida nos fazem vislumbrar, mesmo que brevemente, essas verdades incômodas, geralmente não gostamos e podemos facilmente começar a afundar no mar revolto de nossas paixões.
A lição do Evangelho de hoje (Mt. 14:22-34) fornece um exemplo vívido do que acontece quando tentamos nos firmar no frágil fundamento de tais ilusões. São Pedro começou a afundar como uma pedra em um mar revolto quando desviou seu foco da confiança no Senhor para ser dominado pelo medo de sua posição em relação ao vento e às ondas. Por sua própria natureza e habilidade, simplesmente não havia como Pedro evitar o afogamento, mas ele clamou: "Senhor, salva-me!" Foi exatamente isso que o Salvador fez ao estender a mão a Pedro e resgatá-lo, dizendo: "Homem de pouca fé, por que duvidaste?" O stress da tempestade revelou a fraqueza da fé de Pedro, o que não é surpreendente, pois ele se colocou nessa situação perigosa ao tolamente colocar Cristo à prova, dizendo: "Senhor, se és Tu, manda-me ir ao Teu encontro por cima das águas". Por sua falta de confiança humilde, Pedro literalmente se meteu em uma situação muito difícil. Ele teve que aprender da maneira mais difícil que não tinha outro fundamento, nenhuma outra base ou esperança para sua vida além de Jesus Cristo. Se deixado por conta própria, ele teria afundado como uma pedra enquanto descia na escuridão de uma sepultura aquática.
Esse é um destino completamente diferente daquele para o qual nosso Senhor nos chama. O Deus-Homem veio para nos transfigurar em santidade com Suas graciosas energias divinas como as pessoas distintas que Ele nos criou para nos tornarmos. O Salvador chamou Seus discípulos para “serem perfeitos como o vosso Pai Celestial é perfeito” (Mateus 5:48). Ele citou os Salmos: “Vós sois deuses, e todos vós sois filhos do Altíssimo” (Salmo 82:6; João 10:34). Embora permaneçamos seres humanos por natureza, Cristo nos capacita a nos tornarmos semelhantes a Ele por nossa participação pessoal em Sua graça. É por isso que a theosis é um processo eterno, pois a santidade de Deus é verdadeiramente infinita. Jamais podemos afirmar que preenchemos esse requisito e nos tornamos prontos para uma vocação maior. Nosso chamado não confirma nossa orgulhosa insistência de que somos indivíduos isolados em busca de realização em nossos próprios termos, seja na religião ou em qualquer outra coisa, mas, em vez disso, nos desafia a nos tornarmos pessoas unidas em amor ao Senhor e uns aos outros como membros de Seu Corpo, a Igreja. Nós nos tornamos mais plenamente quem somos, não no isolamento egocêntrico, mas no relacionamento com Ele e com todos que carregam Sua imagem e semelhança.
O contraste entre a humanidade abandonada à própria sorte neste mundo de corrupção e a restauração e a realização da nossa humanidade pelo Salvador é mais gritante do que a diferença entre a noite e o dia. É verdadeiramente a diferença entre a morte e a vida, entre afundar no fundo de um mar escuro de pecado e tornar-se resplandecente com a glória radiante de Deus. Nosso Senhor venceu a morte, o Hades e o túmulo em Sua gloriosa ressurreição no terceiro dia. Sua glória divina inundou até o abismo mais escuro, até mesmo os poços de desespero mais trágicos e dolorosos em que podemos cair. Ele nos libertou da escravidão do medo da morte como o Deus-Homem que compartilha Sua restauração da pessoa humana à imagem e semelhança divinas com pessoas fracas, medrosas, ansiosas e confusas como nós. Quando O alcançamos com fé, do fundo de nossos corações, como Pedro fez quando começou a afundar, Ele nos resgatará ao abrirmos nossas almas obscurecidas para receber Sua luz curadora.
Em vez de permanecermos cativos de nossos desejos egocêntricos e ilusões orgulhosas, devemos entrar na vida abençoada do Reino do Senhor, que reina de Sua cruz e túmulo vazio, mesmo enquanto vivemos neste mundo de corrupção. Isso certamente não significa que todos os nossos problemas desaparecerão ou que obteremos tudo o que desejamos nesta vida em nossos próprios termos. Não significa isso de forma alguma, como as difíceis lutas dos mártires, confessores e outros santos demonstram tão claramente. Significa, no entanto, que mesmo nossas circunstâncias mais difíceis e dolorosas apresentam oportunidades para crescermos na aceitação de Cristo como o próprio fundamento de nossa vida, à medida que aprendemos a não confiar nossas almas a nada nem a ninguém. É assim que encontraremos a libertação da escravidão ao medo da morte, que alimenta nossas ansiedades e outras paixões que advêm de nos ancorarmos naquilo que nunca poderá nos satisfazer ou salvar.
Como ensinou São Paulo, “ninguém pode lançar outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo”. Nenhum plano de reforma política, progresso cultural ou crescimento pessoal pode ter esse lugar em nossas vidas, pois tais agendas inevitavelmente adoram nos altares do orgulho, poder e prazer terrenos, de uma forma ou de outra. Não importa quão religiosas ou virtuosas pareçam, elas não podem nos impedir de afundar sob o peso de nossos próprios pecados. A Cruz de Cristo continua sendo um sinal de contradição para os poderes caídos deste mundo, que estão muito felizes em gritar “Crucifica-o! Crucifica-o!” sempre que acreditam que isso serve aos seus interesses. A escuridão está tão profundamente enraizada em todos nós, tanto pessoal quanto coletivamente, e nada além da brilhante glória do Senhor pode superá-la. Quer saibamos ou não, inevitavelmente afundamos como pedras no abismo sempre que fazemos de qualquer coisa ou qualquer outra pessoa, incluindo nossas próprias imaginações vãs de qualquer tipo, o fundamento de nossas vidas. Todas as coisas boas têm seu lugar na criação de Deus e não devemos desprezar nenhuma delas. Mas não abraçaremos plenamente a cura do Novo Adão até que baseemos cada dimensão da nossa vida n´Ele, o único fundamento verdadeiro.
Como ensina São Paulo, não somos de forma alguma autossuficientes ou auto-capazes. Nossa verdadeira identidade não é função de nenhuma realização, habilidade ou afiliação meramente humana. Em vez disso, "somos cooperadores de Deus... lavoura de Deus, edifício de Deus... templo de Deus... o Espírito de Deus habita em vós". Cristo nos tornou membros de Seu próprio Corpo, a Igreja. O próprio fundamento de nossa vida, de nossa identidade e de nossa esperança está nEle, não em nossas realizações, posses, traços de personalidade ou qualquer outra característica. Para evitar afundar como pedras em meio aos mares revoltos de nossas vidas, devemos conscientemente nos afastar de nossas ilusões obsessivas sobre a importância de nossa individualidade ou da singularidade de qualquer grupo ao qual pertencemos. Caso contrário, nos entregaremos àquilo que não pode nos sustentar e que, definitivamente, não pode nos erguer do desespero final da sepultura. Então nos tornaremos como Pedro, ao nos afastarmos da humilde confiança no Salvador e sucumbirmos ao vento e às ondas da preocupação, do medo e de outras paixões inflamadas.
Permaneçamos, portanto, constantemente em guarda contra a tentação de confiar o significado e o propósito de nossas vidas a qualquer coisa ou pessoa que não seja o Senhor. Não há como fazer isso sem cultivar os hábitos de oração diária, abnegação pelo bem dos outros e proteção consciente de nossos corações contra pensamentos e desejos que alimentam nossas paixões. Da próxima vez que você se irritar por alguma questão insignificante, redirecione essa energia para alimentar a oração humilde e focada ao Senhor, como fez Pedro, dizendo: "Senhor, salva-me!". Somente Ele pode nos salvar do afogamento no mar de nossas paixões.
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