Ninguém Bagunça a Sua Casa Se Você Não Der a Chave

THEODORE El-Ghandour, Bispo
Vigário Patriarcal Antioquino para o Rio de Janeiro


Na vida espiritual, emocional e até relacional, existe um princípio de responsabilidade pessoal: ninguém entra no seu coração, na sua mente ou na sua vida para causar desordem, sem que antes você tenha, de alguma forma, entregue as chaves. Essa imagem da "chave" representa acesso, permissão, abertura. E, espiritualmente, aprendemos com a Bíblia e os Santos Padres da Igreja Ortodoxa que somos chamados a guardar o coração com toda vigilância, pois dele procedem as fontes da vida (Provérbios 4,23).

São Macário do Egito fala da alma como um santuário, um templo, e adverte: "Assim como a casa de um rei tem muitos tesouros e guardas em volta, assim deve ser tua alma: bem guardada, vigiada, selada com oração e jejum, para que nenhum ladrão entre." A “casa” que somos é templo do Espírito Santo (1 Coríntios 6,19), e por isso deve ser tratada com reverência e discernimento. Entregar a chave a qualquer um — isto é, permitir que pessoas, pensamentos ou influências nocivas invadam tua paz — é abdicar da responsabilidade como guardião do templo de Deus.

Os Santos Padres nos ensinam a importância do discernimento. São João Cassiano dizia que "sem discernimento, até as boas intenções podem levar à ruína." Muitos problemas espirituais começam quando abrimos portas indiscriminadamente: deixamos entrar conselhos errados, amizades destrutivas, emoções não purificadas e até doutrinas falsas. Por isso, a vigilância ("nípsis" ou "népsis", na tradição oriental) é uma virtude monástica essencial, mas também indispensável para todo cristão. Jesus mesmo alertou: "O que vos digo a todos: vigiai!" (Marcos 13,37).

O Apocalipse nos dá uma poderosa imagem: "Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir Minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele" (Apocalipse 3,20). Cristo é o único digno de ter a chave do nosso coração. Ele não força a entrada, mas espera que Lhe demos livremente o acesso. Ao contrário do ladrão que vem para matar, roubar e destruir (João 10,10), Cristo entra para restaurar, ordenar e santificar.

São Teófano, o Recluso, alerta que o inimigo de nossa alma não invade à força, mas espera brechas, descuidos, momentos em que deixamos a porta entreaberta. Uma palavra não perdoada, uma ira mal resolvida, um desejo não confessado — tudo isso pode ser uma chave nas mãos erradas.

Por isso, é necessário cultivar a oração incessante, a confissão frequente, a comunhão com os santos e a leitura das Escrituras como formas de manter a casa espiritual limpa e bem trancada.

Se a sua vida estiver em desordem, pergunte-se: a quem entreguei as chaves? A quem estou permitindo acesso ao meu templo interior?

A maturidade espiritual exige vigilância e firmeza. Com o auxílio de Deus, da oração e do ensinamento dos Santos Padres, podemos aprender a dizer "não" às vozes do mundo e "sim" à voz de Cristo, guardando nossas portas com sabedoria.

Afinal, ninguém bagunça a sua casa se você não der a chave.

Que possamos dar, então, a chave ao nosso verdadeiro Senhor, para que Ele reine em paz sobre a casa que somos.

"Guarda, pois, tua alma com toda diligência." (cf. Provérbios 4,23)

"Cristo deve habitar em nossos corações como em um trono, e não como em uma casa abandonada", como diz São João Crisóstomo.

 29/07


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