EX NIHILO - PARTE 1
BRECK John, sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Não havia tempo nem espaço, nem matéria nem energia, nem vida nem morte. Não havia galáxias, nem estrelas nem planetas; nem moléculas, átomos ou qualquer uma das vastas partículas subatômicas que constituem a realidade física como a conhecemos. Não havia nada.
O conceito de "nada" é impossível de compreendermos. "Nada" sugere um vazio, um vazio, delimitado por algo. No entanto, nada existia para circunscrever esse vazio ou contrastar com esse vazio. O nada não é apenas a ausência do ser; é a sua negação, a sua rejeição. É uma negação absoluta, imensurável e incompreensível. É a não existência, o não ser, um poder negativo que, por sua própria natureza, é desprovido de qualquer significado, propósito ou esperança. Como tal, o nada encontra sua analogia humana mais próxima no desespero.
Então, de repente, "no princípio" havia algo. Naquele momento atemporal, de um lugar que transcende toda noção de espaço ou dimensão, Deus criou ex nihilo. Ele moldou o ser a partir do não-ser, o espaço-tempo a partir da não-existência. A partir desse princípio, Deus – que é Ele mesmo o arche ou princípio último, princípio e fonte de tudo o que é – gerou os céus e a terra.
Deus, o Pai ou gerador de todas as coisas visíveis e invisíveis, criou por meio do que Santo Irineu de Lyon chama de Suas "duas mãos", o Filho eterno ou Verbo, e o Espírito Santo. A criação é um ato trinitário, um ato de comunhão, um ato de amor. O Pai falou e, por meio de Sua Palavra criadora, Ele evocou a luz. Essa luz, que precedeu o aparecimento do sol (criado no quarto dia), só pode ser entendida como um reflexo da Luz divina, a Luz que define o próprio ser de Deus (1 João 1:5). Essa luz, desde o primeiro momento da criação até o último, bane as trevas. Ela relega o skotos primordial ao seu próprio reino, removido da esfera da luz. Àquela luz, Deus chamou de "Dia", e à escuridão, Ele chamou de "Noite". Durante o primeiro dia da criação, Deus separou um do outro, o Dia da Noite, a iluminação espiritual da escuridão, o desespero e a morte.
Para fazer essa luz brilhar das trevas, o Pai também precisou de Sua “outra mão”, o Espírito divino. No momento da criação, “a terra era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”. Naquele momento primordial, o Espírito moveu-Se como uma grande tempestade sobre o abismo, o vazio informe, para dar vida ao cosmos, marcado pela ordem, harmonia e beleza.
Daquele ponto em diante, a obra da criação continuou, efetivada pelo esforço cooperativo das três Pessoas da Santíssima Trindade. Desde o início, surgiram distinção e separação: o dia da noite, as águas do firmamento (céu) e o firmamento da terra seca (a terra física). Então, a vegetação foi produzida, plantas com sementes e árvores frutíferas, “cada uma segundo a sua espécie”. Deus viu a obra de Suas Mãos e a achou boa. E foi a tarde e a manhã, o terceiro dia.
Estes versículos iniciais não pretendem descrever o processo histórico ou fornecer uma explicação científica para o surgimento e o desenvolvimento do mundo e da vida humana. A passagem não diz nada que possa ser explorado de uma forma ou de outra no tedioso debate entre "criacionistas" e "evolucionistas". Sua preocupação não é com historiografia ou paleontologia, e sua curiosa cronologia (a água existia antes do céu ou da terra, os seres vivos surgiram na terra antes da criação do sol e da lua) não deve perturbar a mente de ninguém, exceto aqueles que insistem em ler a narrativa como uma descrição do desenvolvimento cosmológico ou biológico. A história da criação em Gênesis não se preocupa com eventos cientificamente determináveis. Como enfatizaremos na próxima coluna, ela se preocupa com a história da salvação, a obra criadora e redentora de Deus, desde a primeira criação até a última.
À medida que a polarização se intensifica em nossas escolas e legislaturas entre "crentes" e "darwinistas", é importante que nos lembremos deste ponto. Cada vez mais, cientistas cristãos estão começando a perceber que esta é uma escolha falsa, que na questão da origem e desenvolvimento das espécies não há conflito necessário entre o testemunho bíblico, por um lado, e as descobertas de geólogos, paleontólogos e biólogos moleculares, por outro. [Ver, a este respeito, a obra de Francis Collins, The Language of God (Free Press, 2006).] Teóricos da "Terra jovem" e fundamentalistas de várias vertentes rejeitarão este ponto, assim como aqueles que insistem na total "aleatoriedade" das mutações no processo de seleção natural. O processo evolutivo (se não a teoria darwiniana em todos os seus detalhes) foi confirmado por estudos recentes do DNA, o código genético dos organismos vivos. No entanto, isso não precisa questionar a convicção básica de que o Criador de todas as coisas é Deus, que Deus criou ex nihilo, que Ele infunde todas as coisas com significado e propósito supremos e que a aleatoriedade aparente está totalmente em conformidade, ainda que imperceptivelmente para nós, com Sua vontade divina.
Além de fornecer uma tipologia para a obra redentora de Deus em Cristo, o relato da criação em Gênesis nos convoca à adoração. Essa é a percepção transmitida pelas palavras atribuídas a São Basílio o Grande, que combinam uma oração de admiração e gratidão com um convite a oferecer louvores incessantes a Deus pela obra de Suas mãos:
“Ornaste o céu, embelezaste a terra e povoaste o mar com suas próprias criaturas. Encheste o ar de pássaros, que o percorrem em todas as direções!” Fiel piedoso, contempla estas obras da criação, que Deus extraiu do nada. Contemple a sabedoria de Deus em todos os lugares e em todas as coisas. Nunca cesse de se maravilhar. E por meio de cada criatura, glorifique o Criador!
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