OS TRANSPLANTES E MORTE CEREBRAL
MANTZARIDIS Georges
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Os transplantes tornaram-se parte do cotidiano da sociedade moderna. As posições positivas e negativas expressas sobre eles nos círculos eclesiásticos e teológicos têm sido geralmente de natureza fragmentária. A Igreja Ortodoxa ainda não tomou uma decisão final sobre elas. E tal posição não pode ser adotada por indivíduos ou comitês isolados que tentam basear suas opiniões em sua tradição, mas terá que ser a mando de sua consciência universal.
Os primórdios dos transplantes remontam à antiguidade. Os antigos egípcios já sabiam como fazer enxertos de pele. Os primeiros transplantes de órgãos vitais e tecidos do corpo humano, no entanto, ocorreram em nossos dias. O primeiro transplante de rim bem-sucedido foi concluído em 1954 e o primeiro transplante de coração ocorreu em 1967. Desde então, os transplantes, como métodos de tratamento não restritos apenas à sobrevivência, mas à erradicação de problemas de saúde, tornaram-se muito mais comuns e foram recebidos com entusiasmo em todas as partes do mundo.
Transplantes: a busca pela imortalidade terrena?
Esse entusiasmo pode, sem dúvida, ser atribuído à magnitude da conquista, mas também talvez ao desejo das pessoas hoje em dia de alcançar algum tipo de imortalidade terrena. É por isso que não seria exagero dizer que corre o risco de nos desviar do objetivo final da nossa existência e de seus problemas mais profundos. De fato, se levarmos em conta o fato de que as vidas humanas que podem ser salvas com transplantes não chegam a um milésimo daquelas que são destruídas por abortos, a relatividade do entusiasmo pela proteção humana se torna mais clara.
A confiança excessiva em transplantes concentra nossa atenção apenas na saúde física e, ao mesmo tempo, cria a falsa impressão de uma imortalidade terrena relacionada. Mas a busca por essa imortalidade não pode ser conciliada com a expectativa da eternidade e a fé na vitória sobre a morte por meio de Cristo. Isso significa que a Igreja não pode ter como objetivo a disseminação de um slogan como "Dar e Poupar", que é facilmente arrastado para perspectivas consumistas ou comerciais. Qualquer posição desse tipo revelaria secularização e uma entrada no espírito dos tempos.
Na perspectiva da Igreja, a vida biológica e a morte biológica perdem sua rivalidade dramática e se tornam relativas. De qualquer forma, devido à sua própria natureza, vida e morte estão interligadas e entrelaçadas. A vida se desenrola como um processo de morte. E há morte em todas as fases da vida[1]. Em particular, ela está lá como a fase da mudança final da vida: como uma transição desta vida fugaz para a existência real. Essa perspectiva não apenas elimina a natureza trágica da morte, mas também cria a possibilidade de uma maneira positiva e até agressiva de lidar com ela. A morte biológica é comum a humanos e animais. Nós, cristãos, não precisamos esperar passivamente que a morte nos encontre. Podemos aceitá-la de bom grado e, assim, encontrar a vida real.
Mas, da mesma forma que a morte corporal pode servir à vida espiritual, a doença corporal pode ser positiva para a saúde espiritual. Não devemos, é claro, ignorar a importância da vida e da saúde do corpo. De qualquer forma, é natural que a antropologia composta da Igreja, que insiste em nossa unidade psicossomática, tenha uma visão positiva tanto da saúde espiritual quanto da corporal. Isso é demonstrado pelas inúmeras orações da Igreja pela saúde de nossa alma e corpo[2]. Ao mesmo tempo, porém, a Igreja também deu sua bênção aos tratamentos e procedimentos médicos.
Apesar de suas conquistas surpreendentes, a medicina moderna expressa e estende a antropologia humanística que foi rejeitada na esfera ortodoxa por nos aprisionar no reino da criação e da mortalidade. Seu interesse pelas pessoas se esgota em nossas funções biológicas e a vida é equiparada à sobrevivência biológica. É por isso que frequentemente se diz que, onde a medicina reina sozinha, Deus é destronado.
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[1] ‘Vida e morte, como são chamadas, aparentemente tão diferentes, são, em certo sentido, resolvidas e sucessivas uma à outra’. Discurso de Gregório, o Teólogo, 18, 42, PG 35, 1041A.
[2] Veja particularmente a terceira oração do Ofício da Unção Divina: ‘Levanta-os do leito de dor e sofrimento. Restaura-os sãos e íntegros à Tua Igreja, agradando-Te e cumprindo a Tua vontade’.
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