ENTREVISTA COM O SACERDOTE PAULO (LEMOS) - PARTE 2
LEMOS Paulo, Abouna
Sacerdote ortodoxo da Paróquia Ortodoxa de São Jorge em BH
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Festa de Santo Elias em Guaxupé, 2025 |
4) Descreva sua paróquia em Belo Horizonte: um resumo de como hoje a comunidade se reúne, organiza, vive e ora: acolhe fiéis de outras jurisdições num panorama pan-ortodoxo, em que idioma são celebrados os Serviços Divinos, com que frequência, quem os frequenta, existem futuras vocações de salmistas, seminaristas, religiosos, existe alguma atividade missionária (internet) ou de caridade, existe alguma formação catequética...?
Nossa comunidade em Belo Horizonte passou por vários problemas. O Padre Dimitrios Azar, que me antecedeu, descansou no Senhor em 5 de março de 2000. Desde então ela não teve outro Pároco. Além de não ter um sacerdote, foi invadida e totalmente vandalizada. Com muito esforço foi retomada em 2011 e restaurada, porém em 2016 seu telhado cedeu, deixando-a impossível de acolher as celebrações. Com a benção de nosso Arcebispo Damaskinos (Mansour), e o trabalho do Padre Rafael Magul de Goiânia, fui enviado em missão para a reativação da Paróquia São Jorge em Belo Horizonte e cheguei aqui no dia 8 de maio de 2022. Um paroquiano cedeu a sua própria casa para que eu pudesse dar início à reforma do teto da Igreja. Eu passava três semanas em Belo Horizonte e retornava uma semana para Goiânia. Só poderíamos voltar a celebrar em 18 de dezembro de 2022, e conseguimos nos mudar em maio de 2023. Ai sim poderíamos dar continuidade de fato as atividades da Igreja.
Recomeçar um trabalho após longos anos não é fácil, mas Deus sempre esteve conosco e nada nos faltou. Hoje temos a graça de termos, duas Divinas Liturgias semanais, na última sexta feira de cada mês realizamos Vigílias de noite inteira terminando com a celebração da Divina Liturgia as 5:00 da manhã. Percebi com o tempo que temos uma capacidade enorme de nos distrairmos na Igreja, por isso fazemos antes da Liturgia as Metalipisis (orações preparatórias para a Santa Comunhão) e claro as orações de agradecimento ao término da Liturgia.
É perceptível a mudança da paróquia, quando se chega a igreja não se tem conversas paralela e quando termina se consegue manter o espirito de oração. Enquanto as orações são feitas antes da Liturgia posso atender as confissões dos fiéis que a cada dia crescem mais, há meu ver as confissões são o termômetro de uma paróquia.
Temos as aulas aos sábados de canto bizantino e aos Domingos a noite eu ministro as Catequeses aos Catecúmenos. O tempo vem me ensinando que este período de Catecumenato não deve ser corrido, mas bem vivido e acompanhado de perto, talvez no inicio do meu trabalho tenha pecado neste ponto tão importante, pois a rapidez pode fazer mais mal do que bem.
Recebemos várias pessoas de varias jurisdições e nacionalidades. A Divina Liturgia é celebrada em português, pois a grande maioria é brasileira, é claro que temos árabes, gregos e também russos que estão todos os domingos, por esse motivo fazemos uma pequena litania em árabe e outra em grego, e o Pai Nosso rezamos em quatro idiomas. Vejo que a ligação com sua terra natal se dá por vários elos e um deles é o idioma, e por isso com este cuidado com os brasileiros e os outros ortodoxos de outras nacionalidades fica evidente que tentamos cuidar de todos sem separações.
As vocações jamais deixarão de serem enviadas à Igreja, é claro que elas merecem uma atenção especial pois se queremos ter uma Igreja realmente Ortodoxa esse filtro dever ser bem utilizado. Nestes anos de Ortodoxia venho notado que muitos buscam a Igreja como uma satisfação de suas paixões, ou seja, querem usar a batina exterior, mas não querem colocá-la em seus corações. Muitos advém de outras denominações, e chegam cheios de pretensões e acham que tudo é a mesma coisa, não querem ser ortodoxos primeiro e ortodoxos de verdade, mas querem sincretizar tudo, e isso é desastroso para a própria pessoa e principalmente para o rebanho. Por isso aqueles que me procuram com esta intenção, tem um acompanhamento especial e claro serão formados da melhor forma.
Sobre a missão em nossa paróquia com a benção de nosso Arcebispo Damaskinos, iniciamos nesta Páscoa de 2025 as celebrações da Igreja de Santo Elias em Guaxupé, no sul de Minas Gerais. É uma distância considerável, pois são 420 quilômetros de Belo Horizonte. Tal igreja foi construída em 1914 sendo a segunda mais antiga de nossa Arquidiocese. Espero usar a pequena experiência aqui para que ela volte a funcionar novamente como nos tempos antigos, por hora posso celebrar uma vez por mês, mas com a graça de Deus vamos conseguir.
5) Hoje nos E.U.A, vemos grande número de interessados encontrarem na Igreja Ortodoxa um lar espiritual e oásis para suas buscas internas. O senhor acredita que o Brasil vem passando por um momento semelhante?
Bom, estamos a léguas de distância dos Estados Unidos, por misericórdia de Deus, eles tiveram algo que ao meu ver é o divisor de águas de uma Igreja: Santos. A Ortodoxia proclama ser aquela que conseguiu em meio as muitas lutas e sangue guardar o que Cristo ensinou, os Apóstolos proclamaram e os Santos viveram. Temos uma ligação estrita com o que nossos Pais viveram e se não tivermos exemplos vivos, homens que purificaram suas vidas e que nos mostrem isso de fato, torna-se muito difícil apenas ler sobre isso. É claro que temos o necessário, mas este impulso na América se deu por um São Rafael do Brooklyn, um São João de Shangai, um São Serafim Rose. Quando olhamos por exemplo para o Ancião Efraim do Arizona e filho espiritual de São José, o Hesicasta, um homem pequenino que construiu 18 monastérios nos Estados Unidos, e nós aqui o que fizemos olhando para estes santos homens?
É claro que de forma bem tímida as coisas vem mudando aos poucos. Eu, por exemplo, desde de minha conversão em 2008 consigo ver um panorama bem melhor. Já temos traduções em português de obras importantes, temos editoras ortodoxas, missões já começam a surgir, poderia dizer que estamos no caminho certo. Mas é preciso mais, vejo que o brasileiro quer tudo pronto, sem trabalho no presente não se tem fruto no futuro.
Os frutos que os americanos colhem hoje são frutos dos trabalhos destes santos homens. Se quisermos que tenhamos frutos devemos começar agora, trabalharmos em conjunto e mesmo que não vislumbremos o que existe lá em vida, podemos deixar um alicerce preparado para as gerações futuras.
6) Como o senhor vislumbra a Ortodoxia nos próximos 10 anos no Brasil?
Uma boa pergunta. Eu poderia respondê-la não olhando para frente mas olhando para trás, traçando uma linha de 2015 até 2025 demos alguns passos no Brasil. Eu perguntei ao Abade do Monastério de Santo Elias, o Bispo Konstantinos, o que ele poderia nos dizer para que pudéssemos desenvolver a Ortodoxia aqui no Brasil? Ele me disse que era necessário padres que conheçam com muita profundidade a realidade do país, pois para um pastor de ovelhas não basta apenas conhecer sobre ovelhas, mas ele deve conhecer sobre o pasto que elas pisam e saber identificar onde está a melhor água e grama, ou seja somos um país continental, com uma cultura variada. Entender e amar essas pessoas com sua cultura é um ponto crucial na Evangelização. Padres e fiéis que estejam dispostos a derramar seu sangue pela Igreja, pode ser levado de forma literal ou não, pois se este povo não se sacrificar jamais cresceremos.
Olhando de forma regional vejo muitas lacunas no Brasil, a região Sudeste e Sul estão mais avanças de certa maneira, no Centro Oeste somente Goiás está um pouco melhor, no Nordeste também temos muito empenho em alguns estados, já a região Norte está totalmente largada. Para que uma missão seja bem sucedida ela deve ter dois pontos centrais, o amor a Cristo e a Sua Igreja Ortodoxa, e o amor aos irmãos, eu digo isto com dor, pois na falta de um o outro não vinga. Muitos pensam que amam a Cristo, mas amam a ideia criada em suas mentes, e o ponto mais doloroso é que em missão não se deve colocar fardos que as pessoas não podem carregar antes do tempo. Começar uma missão é fácil, seguir com ela é outra historia. Então quando olhamos o Brasil, temos um longo caminho, mas espero em Cristo, que possamos nos desenvolver de forma sadia e assim possamos levar esta pérola preciosa que é a Santa Ortodoxia.
7) Na sua opinião, como a Igreja (como um todo) - quer dizer, os Bispos, sacerdotes, religiosos e o povo de Deus - poderia investir para que a missão florescesse e lançasse fundamentos sólidos para o desenvolvimento e crescimento da realidade de uma vida ortodoxa mais plena em terras brasileiras?
Uma vida solida só se conquista com oração! Uma vida de oração solida só se conquista com um Pai Espiritual! É somente sobre este fundamento que iremos solidificar a Ortodoxia em nosso Brasil. Talvez este seja o maior desafio para nós hoje como clérigos e, consequentemente, o povo de Deus.
Não existe Ortodoxia sendo guiada por diplomas apenas e leitura de livros e mais livros, somos facilmente enganados trilhando este caminho, um caminho real deve ser percorrido por alguém que já o percorreu. Se nós, clérigos, não estivermos sendo guiados por um Pai experiente e de preferência um monge ou hieromonge, pagaremos um alto preço no final, pois a responsabilidade do povo de Deus recairá sobre nossos ombros. “O caminho para o inferno está pavimentado com ossos de padres e monges, e os crânios dos bispos são postes que iluminam o caminho.” São João Crisóstomo. Nós, padres, não podemos dar aquilo que não temos, se não estivermos sobre a obediência de um Pai, como poderíamos pedir a obediência de algum filho espiritual?
Buscando solucionar este ponto partimos para o seguinte que é a formação do povo de Deus, sem sincretismos, sem diluição da Ortodoxia. Nós brasileiros temos pontos maravilhosos, mas também temos uma capacidade gritante de fazer as coisas mais ou menos - isso deve ser mudado. Sempre seremos colocados sobre questionamentos como: Para que estudar música bizantina? A Divina Liturgia deve ser abreviada? Precisamos mesmo de todos os Serviços traduzidos como Vésperas e Matinas? A Ortodoxia é um tesouro inestimável de riqueza e não podemos nos acostumarmos apenas com migalhas, temos um banquete e é necessário compartilhá-lo com nossa amada terra.
A vida espiritual se solidifica sobre dois pontos centrais, vida espiritual privada e com acompanhamento e vida litúrgica, um é sustentado pelo outro, tendo como centro dos dois a Divina Liturgia. Sem mais delongas rezo para que possamos trabalhar pelo Reino em arrependimento e lágrimas, somente assim poderemos, com a graça de Deus, solidificar a Santa Ortodoxia no Brasil.
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