O TEMPO – NOSSA GRANDE OPORTUNIDADE
PETER, Arquimandrita de Essex
tradução de monja Rebeca (Pereira)
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A roda do tempo |
O tempo é algo trágico na vida do homem, pois cada ano novo mede o quão próxima sua vida está do fim. O tempo é, finalmente, um amigo ou um inimigo, uma bênção ou uma maldição? A maneira como medimos o tempo é necessária, mas também é relativa, artificial. No entanto, cada início de ano é uma oportunidade para prestarmos contas de nossa vida espiritual e fazermos um novo começo. Desde o início da criação, a Escritura fala sobre o tempo: “E Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite. E a tarde e a manhã foram o primeiro dia”[1]. Certamente, o homem não foi criado para ficar preso no tempo, ele foi criado para a eternidade. Os anjos foram criados na eternidade, e por isso a queda de Lúcifer é irrevogável. Para o homem, o tempo manifesta a bondade de Deus porque, em Sua boa Providência, Ele o moldou dentro do tempo e do espaço, para que ele possa fazer uso da "mutabilidade do tempo", sobre a qual falam os filósofos, e ter a possibilidade de se arrepender. É impossível apoderar-se do momento presente: até que o chamemos de "presente", ele já se tornou passado. Essa mutabilidade do tempo, porém, é uma bênção para o homem, pois lhe dá a oportunidade de mudar para o bem e construir um estado espiritual dentro de si. São Paulo nos exorta a redimir o tempo da nossa vida, porque os dias são maus[2].
O tempo da nossa vida ganha valor e significado não de acordo com o número de nossos anos, mas de acordo com a medida em que fazemos bom uso dele em profundidade. Se notaste, nas leituras para a festa dos santos Padres, é dito que a velhice verdadeiramente honrosa depende de o homem viver com integridade e ter uma vida pura. "Sendo aperfeiçoados em pouco tempo, os justos cumpriram longos anos"[3]; isso significa que sua vida atingiu sua plenitude. Muitas vezes ouvimos as pessoas dizerem: "Quanto tempo perdi na minha vida!" Infelizmente, crescemos com os padrões deste mundo e não sabemos como fazer bom uso do grande presente chamado tempo em nossa vida. Na escuridão da ignorância, as pessoas lidam com o tempo voltando-se com nostalgia para o passado, que não lhes pertence mais. Outras vezes, o inimigo as leva ao desespero, lembrando-lhes todos os fracassos do passado. Outras pessoas, por sua vez, transferem sua mente para o futuro através da imaginação. É trágico que o homem tenha a tendência de notar mais facilmente as marcas do tempo nos outros do que em si mesmo. Ele deseja escapar continuamente da corrupção do tempo, para ser imortal na terra. No entanto, o tempo e a morte vieram como um ato do amor absoluto de Deus pelo homem, para que ele não se tornasse imortal juntamente com o mal.
O maior evento sob o céu é o momento em que o próprio Deus Se tornou homem. Então, a eternidade de Deus entrou no tempo, cruzando o curso horizontal do tempo histórico. O Senhor é chamado de "o Cristo", isto é, "o Ungido" de Deus, e Ele mesmo unge o tempo e todo o ser criado com Sua energia divina. No Antigo Testamento, o tempo atingiu sua plenitude quando todas as coisas que Deus queria que acontecessem se realizaram. Os Padres identificam "a plenitude do tempo"[4] com a Virgem Santa. Da mesma forma, para nós, juntamente com a redenção do tempo, também precisamos da plenitude da vida. O meio que devemos usar para que nossa vida alcance a plenitude e redima a eternidade é o próprio tempo. São Basílio diz que o tempo é um intervalo que se desenvolve juntamente com a criação do mundo. É um intervalo de tempo que tem um começo e um fim; começou com a criação do mundo e continua paralelamente ao progresso do mundo. São Sofrônio diz que o tempo é o lugar do nosso encontro com Deus; é o tempo em que Deus cria os deuses. Liturgicamente, o termo "kairos" é usado quando dizemos que os sacerdotes "tomam kairos", ou seja, preparam-se com um pequeno serviço antes de entrarem no altar para celebrar a Liturgia. Da mesma forma, o tempo da nossa vida é um "kairos" durante o qual nos preparamos para a vida futura.
São Nicolau Cabasilas diz que a vida em Cristo é semeada neste mundo, mas frutificará em toda a sua plenitude naquele que há de vir.
Uma razão pela qual até nós, cristãos, desperdiçamos nosso tempo é que não temos uma atitude de obediência aos nossos pais espirituais, nem à tradição da Igreja. Quem não conhece o mistério da obediência desperdiça o tempo de sua vida, embora humanamente falando possa alcançar grandes e brilhantes realizações. Fora da obediência, não conseguirá colher senão algumas migalhas da rica mesa da tradição de nossos Pais. Em "A Escada", conta-se que três jovens foram ver um Ancião e pediram uma palavra. Ao terceiro, o santo disse: "Lembre-se de que 'em nossa paciência possuímos nossas almas'"[5]; Encontre um Ancião rigoroso e seja obediente a ele em todas as coisas.' Então o jovem perguntou-lhe: 'E se esse Ancião não viver uma vida espiritual, devo continuar?' O santo então respondeu-lhe: 'Mesmo que vejas que ele é pior do que todos, não o julgue, mas diga a si mesmo as palavras que Cristo disse a Judas: "Amigo, por que vieste?[6] Para julgar ou ser julgado?" Sejas paciente e então verá que a graça de Deus extinguirá dentro de ti todo orgulho e todo outro desejo carnal.' Vemos que aqueles que se entregam à obediência com simplicidade nem sequer se dão conta das tentações que podem esmagar os outros. Isso é relevante para todos os fiéis, não apenas para os monges. Se tivéssemos verdadeira obediência às instituições da Igreja, Deus nos concederia também ser portadores de sua Tradição.
Depois de Cristo, vivemos no ano do Senhor[7]. Dizemos com tanta frequência nos cultos: ‘Bendito seja o Reino de Deus AGORA e para sempre e pelos séculos dos séculos’. Isso significa que o propósito do tempo de nossa vida é que reunamos dentro de nós, a cada instante, os selos da presença de Cristo, para que possamos entrar em Sua eternidade. Cristo permaneceu o que era e assumiu o que não era: a natureza humana. A Igreja celebra todas essas coisas nos cultos do dia. Qual hora é mais abençoada do que a 6ª, quando Cristo prega Seu Corpo na Cruz e crucifica o pecado? Ou do que a 9ª, quando exclama ‘Está consumado’, a fim de revelar que o plano de Deus para o homem estava cumprido? Qual hora é mais abençoada do que a noite em que Cristo nasce ou a noite em que Ele ressuscita dos mortos? Como disse o rei Salomão: ‘Enquanto o suave silêncio envolvia todas as coisas, e a noite em seu curso rápido já estava quase no fim, Tua palavra todo-poderosa saltou do céu para o meio da terra que estava condenada, um guerreiro severo carregando a espada afiada de teu comando autêntico’[8], de Sua vontade autêntica de salvar o homem.
Perguntas e Respostas
Pergunta: Como a memória está conectada ao tempo?
Pergunta: Por que a alguns Deus concede poucos anos de vida, enquanto outros morrem em idade avançada?
Arq. Pedro: A única coisa que podemos dizer é: "Recomendemo-nos, uns aos outros e toda a nossa vida a Cristo, nosso Deus". Cristo tem em Suas mãos tempos e estações; devemos apenas nos entregar a Ele e nos esforçar diariamente, da melhor forma possível, para reunir a eternidade dentro de nós por meio da oração, da Palavra de Deus, dos sacramentos da Igreja e do cumprimento dos mandamentos. Seus julgamentos são insondáveis, e a única coisa certa e absoluta que sabemos é que tudo o que Ele faz é por Sua bondade e que Ele tem toda a eternidade para compensar toda injustiça no plano histórico.
Pergunta: São João Clímaco diz que o tempo de nossa vida não é suficiente para termos amizades e lágrimas; devemos escolher entre uma e outra. Como podemos fazer isso?
Arq. Peter: Para ser mais preciso, ele diz uma palavra ainda mais dura: o dia em que não derramamos lágrimas está perdido para a eternidade. Certamente, teremos outras oportunidades de chorar, mas nunca mais encontraremos aquele dia, que, por ter sido privado do selo de Deus trazido pelas lágrimas, permanece sem redenção. Embora tenhamos a falsa impressão de que viveremos eternamente na Terra, nosso tempo é muito curto e insuficiente tanto para amizades quanto para lágrimas. Isso não significa que não devamos ser amigáveis com aqueles que nos cercam, mas que nosso coração não deve se apegar às pessoas e coisas deste mundo. Nosso Deus é um Deus zeloso e Ele quer todo o nosso coração. No entanto, aqui está um mistério: se entregarmos todo o nosso coração a Deus, então a Sua vontade se torna a nossa, e nosso coração se dilata para abraçar todos os outros sem paixão, por meio de Cristo e não por nós mesmos. Quando fazemos amizades com nós mesmos no centro, tais amizades são uma plataforma para satisfazer nossas paixões e vanglória. Os santos redimiram não apenas o tempo de suas próprias vidas, mas também o tempo da vida de seus semelhantes.
Pergunta: Aos domingos e nas grandes festas, a Igreja nos exorta a permanecer em silêncio. É como se o tempo parasse para nós por um instante?
Arq. Peter: Sabe, as pessoas costumam nos dizer que: "Hoje em dia, o ritmo da vida é muito rápido e não há tempo para a oração". Alguém pode passar três horas na internet sem nem perceber o tempo passar. Mas se essa pessoa vai à igreja, sente que "os serviços religiosos na Igreja Ortodoxa são muito longos". Quem passa quatro horas na internet acumulará, na melhor das hipóteses, algum conhecimento que nem sequer é preciso. Na pior das hipóteses, porém, permanece vazio e seu coração se torna seco. Já quem dedica quatro horas à oração todos os dias, experimentará um estado completamente diferente. A Escritura não diz: "Apressai-vos e sabei que Eu sou Deus", mas sim: "Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus"[11]. Não nos enganemos achando que, se assistirmos à televisão rezando com o cordão de oração ao mesmo tempo, isso significa que cumprimos nossa regra de oração. "Aquietai-vos" significa que devemos deixar tudo e pensar: "Agora, por cinco minutos ou meia hora, o máximo que pudermos, só existe o Senhor e eu nesta terra". É assim que a verdadeira quietude deve ser para que a graça da oração crie raízes em nós. Caso contrário, ganharemos apenas alguns grãos de areia de toda a praia.
Pergunta: O que significa que o tempo se torna ‘kairos’ na Igreja?
Arq. Peter: ‘Kairos’ significa o tempo que dedicamos à nossa presença na presença de Deus, e a bênção desse ‘kairos’ é que ele nos prepara, transforma o nosso estado. Quando pecamos, se vivermos o tempo com arrependimento, ele se torna para nós ‘o tempo para o Senhor agir’, tempo que se refere a Deus. O apóstolo diz que ‘toda criatura de Deus é santificada pela palavra de Deus e pela oração’[12]. Assim, o tempo da nossa vida também se torna ‘kairos’ quando o transformamos em uma oportunidade para sermos visitados e cobertos pela graça de Deus. Hoje em dia, especialmente os jovens se concentram muito no tempo, mesmo através das drogas, e quanto mais querem vivê-lo, mais ele escapa por entre os seus dedos. O homem corre e caça uma sombra, mas essa sombra que se chama tempo não pode ser capturada. No entanto, quando se torna ‘kairos’, o profeta David exclama: ‘Minha oração a Ti, Senhor, é um tempo de prazer’[13].
Pergunta: Diante de cada ano novo, sentimos que estamos presos a um ponto no tempo entre o ano que passou e o ano que vem. Isso não ocorre a cada instante?
Arq. Peter: O benefício vem do agora, do que fazemos neste momento, e sabendo disso, o inimigo tira nossa mente do agora e tenta direcioná-la para o passado, enchendo-nos de culpa e desespero, ou para o futuro, enchendo-nos de ansiedade. Chegamos a chamar essa ansiedade de "escatologia". No entanto, a verdadeira escatologia é esforçar-se diariamente para encontrar contato com o último Adão, à imagem de quem o primeiro Adão foi criado. Aquele que retornará no fim é o protótipo do primeiro Adão. Viver na presença do último Adão, com Sua palavra, em Sua graça, não significa viver em angústia e medo pelo futuro.
Pergunta: Como podemos entender que o tempo é uma dádiva da bondade de Deus?
Arq. Pedro: Quando o tempo é ofuscado pela graça de Deus, o homem pode dizer palavras paradoxais como: "para quem são chegados os fins dos séculos"[14], ou que se torna contemporâneo de eventos eternos. No entanto, também dizemos ao mesmo tempo: "Senhor, tem misericórdia". Ambas são verdadeiras, porque enquanto houver tempo, mesmo quando estivermos repletos do deleite de Sua presença, ainda haverá perigo. Lembra-se daquele santo Ancião, que disse nos últimos dias antes de morrer, quando alguém o elogiava: "Cuidado, ainda tenho tempo para estragar tudo".
Pergunta: O tempo da Liturgia é o mesmo que o tempo da eternidade?
Arq. Peter: O tempo litúrgico é o “eterno hoje”, o tempo histórico humano que é ofuscado pela energia divina incriada que nos conduz à Sua eternidade. São Sofrônio diz que o tempo é relativo, mas não no sentido de Einstein, que afirma que, quando a massa ultrapassa certa velocidade, pode ser transformada em energia. Espiritualmente, isso acontece nas almas dos santos, que, em sua ascensão em direção a Deus, esquecem o mundo e, como se escapassem da gravidade deste mundo, tornam-se luz, energia. Quando retornam ao mundo, tornam-se uma porta para o céu, e sua vida reflete as virtudes de Deus para que possamos imitá-los, como diz São Pedro: “Deveis anunciar as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”[15]. Não existe ano novo, como disse São Porfírio, existe apenas o tempo que passou. Mas o tempo que Deus nos dá é o ‘kairos’ que devemos transformar em uma oportunidade para Deus entrar em nossa vida.
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[1] Gn 1:5.
[2] Ef 5:16-17.
[3] Sb 4:13.
[4] Gl 4:4.
[5] Lc 21:19.
[6] Mt 26:50.
[7] Lc 4:17.
[8] Sb 18:14-16.
[9] Gl 3:13.
[10] Mc 10:45.
[11] Sl 46:9.
[12] 1 Tm 4:4-5.
[13] Sl 68,14 LXX.
[14] 1 Co 10:11.
[15] 1 Pe 2:9 – ver o texto grego.
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