"FALA, SENHOR, QUE O TEU SERVO ESCUTA!" SOBRE A GRANDEZA DO PROFETA SAMUEL

ROKAS Theodore
tradução de monja Rebeca (Pereira)


O profeta Samuel, o último Juiz de Israel, surge no cenário da história bíblica no final do período dos Juízes, que, devido à ausência de um rei ("não havia rei em Israel", Juízes 21, 25), foi um período caótico de intensa instabilidade política e da introdução de elementos estrangeiros de culto na religião israelita. Samuel veio da pequena cidade de Ramá e foi consagrado por sua mãe, Ana, que o deu à luz após um longo período de infertilidade, ao santuário de Siló, o mais sagrado da terra de Israel. Foi lá que a Arca da Aliança foi guardada, sob os cuidados dos sacerdotes de Eli, e o menino foi criado na tradição mosaica.

Certa noite, enquanto dormia no santuário de Siló, ele ouviu a voz de Deus chamando-o para assumir o ofício de profeta. Esta cena poderia ser interpretada como uma teofania com o propósito de chamá-lo para ser profeta e a entrega de uma mensagem de Deus durante um sonho noturno, um fenômeno comum no Oriente Antigo. Na narrativa do capítulo 3 de Reis III [Reis I nas Bíblias Ocidentais], é mencionada uma revelação divina num momento em que Samuel estava acordado.

Embora o livro de Juízes trate principalmente da personalidade de Samuel e de seu predecessor, Eli, I Reis (I Samuel) se concentra mais no estabelecimento da instituição da realeza no antigo Israel. Esta foi aceita por Deus, o rei absoluto de Israel, e implementada por Samuel sob as ordens de Deus. Samuel ungiu Saul, filho de Quis (I Reis 10, 1-9) e, enquanto este ainda vivia, ungiu David, filho de Jessé, para ser seu sucessor e segundo rei (I Reis 16, 1-13), pois Saul havia caído em desgosto diante de Deus (I Reis 15, 1-9).

Quando a instituição da realeza foi estabelecida e o papel de liderança se separou do papel de profeta (enquanto não havia rei, Samuel exercia os papéis de profeta e líder - Juíz), Samuel retirou-se da vida pública, despedindo-se do povo e ordenando-lhes que observassem os mandamentos de Deus. É claro que ele não se isolou completamente deles (Reis 12, 1-25), mas criticou as ações do rei, lembrando-lhe que o verdadeiro rei de Israel era Deus e que ele, Samuel, era o instrumento que Deus usara para ungi-lo. Os profetas do Antigo Testamento se consideravam um contrapeso à política do rei, independentemente de muitos deles terem relações diretas com a casa real.

Além de ser o líder do povo israelita, e até o surgimento da instituição da realeza, Samuel também era um profeta do Deus Altíssimo. De fato, seu aparecimento numa época em que se praticava a necromancia, característica típica da falsa profecia (I Reis 24, 4-25), e quando não havia profecia organizada, segundo a qual o certo pudesse ser distinguido do errado (“não houve visão distinta”, I Reis 3, 1), leva ao reconhecimento da intervenção direta de Deus no surgimento de um profeta escolhido que transmitiria Sua palavra e interpretaria Seus mandamentos.

De acordo com I Reis (3, 1), essa profecia organizada era conhecida como “visão”, ou seja, uma revelação da palavra de Deus por meio de visão. Embora o profeta estivesse acordado, não sonhando, ele não via imagens ou cenas, mas a própria palavra de Deus. A visão era um meio de transmitir a palavra profética e foi inaugurada por Samuel, o Juiz e Profeta, que é caracterizado como o “vidente” (Reis 9, 9). Este termo indica que a capacidade que Samuel desfrutava de ser capaz de “ver” e dar respostas que vinham de Deus o caracterizava, como comenta Teodorito de Kyros, como um “vidente”, não um “visionário” comum que previa o futuro, mas alguém que via com os olhos do espírito.

Além de ser um “vidente”, Samuel também é chamado de “porta-voz”, termo que sugere que ele falava em Nome de Deus e como alguém cuja missão era transmitir a palavra de Deus. Ele também era conhecido como "um homem de Deus" (1 Reis 9:10), indicando o relacionamento especial que Samuel tinha com seu Criador. Assim, os termos proféticos "visionário", "vidente", "porta-voz" e "homem de Deus" se uniram em sua pessoa, indicando a intervenção de Deus para promover Samuel como Seu profeta e mantê-lo em Seu serviço.

O período profético inaugurado por Samuel é marcado pela característica do êxtase. Uma profecia que sai dos lábios de um profeta em estado de êxtase é conhecida como "profecia extática". O fenômeno do êxtase não era desconhecido na profecia do antigo Israel, mas era mais comum entre os profetas dos povos cananeus, que adoravam Baal.

Os profetas de Baal se feriam com objetos cortantes durante a música e a dança, fazendo ruídos sem sentido e aumentando sua excitação. Os profetas do antigo Israel, no entanto, entravam em êxtase quando eram tomados pelo Espírito de Deus (que, segundo a abordagem dos Padres da Igreja, é o mesmo que o Espírito Santo) e proferiam discursos proféticos devidamente construídos.

A profecia na época de Samuel parece ter sido um movimento de massa, conhecido como o "coro dos profetas" (I Reis, 10, 5). Os coros dos profetas eram grupos religiosos cujo propósito era preservar a tradição mosaica, tendo como características básicas a liderança por uma personalidade excepcional e o êxtase. O principal dentre esse grupo de profetas era o próprio Samuel, e seu grupo/escola é considerado seu legado ao povo de Deus.

Quando Samuel completou a missão para a qual Deus o designara, isto é, o estabelecimento da instituição da realeza, a unção de David como rei enquanto Saul ainda vivia e a introdução e organização da profecia, chegou o momento de se despedir desta vida terrena. Ele morreu e foi sepultado em seu pátio em Ramá (Armataim), tendo reunido todo o povo de Israel ao seu redor (I Reis, 25, 1).

Como menciona a nota em sua memória no Sinaxário, ele profetizou por quarenta anos e concluiu sua tarefa 1.035 anos antes do advento de Cristo. Ele é comemorado em 20 de agosto/02 de setembro.

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