ENTREVISTA COM O ARCIPRESTE ALEXIS PENA-ALFARO - PARTE 2

 PENA-ALFARO Alexis, Arcipreste 
    Pároco ortodoxo da Igreja Ortodoxa da Dormição da Mãe de Deus em Recife e Vigário-Geral para o Brasil da Diocese Sérvia das Américas do Sul & Central

Arcipreste Alexis Pena-Alfaro com o Metropolita Amfilohije (Radovich) abençoando os fundamentos do futuro templo ortodoxo em Guayquil, no Equador em 2012

5) Na sua opinião, a Igreja Ortodoxa (falo em geral - todas as jurisdições canônicas) consegue responder à esta procura? O material acessível na internet oferece alguma referência ou confunde os interessados? O quê poderia ser feito para que houvesse uma ação missionária mais intensa?

A Igreja Ortodoxa consegue responder a essa procura? Olha, eu não sei responder a essa pergunta, pelo fato de não conhecer como as outras igrejas estão lidando com esse fenômeno da internet. Sinceramente, não sei como, isso depende da estrutura de cada igreja, de cada paróquia. Nós não temos uma estrutura. Agora estamos planejando organizar um site para poder divulgar nossa paroquia, temos dois fiéis na igreja técnicos em informática, eles estão fazendo uma coisa interessante, nós gravamos as liturgias que transmitimos pela internet. Colocamos essas Liturgias e postamos. E está sendo muito interessante, porque as pessoas estão assistindo a essas homilias e aí então, algumas pessoas já nos procuram e por isso pretendemos  organizar um site, um blog para poder ter esse material disponível ao público na internet, e com isto as pessoas buscam a igreja. 

Não sei como é que é a estrutura das outras igrejas, como está funcionando, não sei dizer. 

Sobre o dilema de se confundir ou ajudar à igreja, eu acredito que sim, apesar de todas as dificuldades, a internet favorece, porque é uma forma mais rápida, mais eficiente, na minha opinião, de aceder à Igreja. Por exemplo, você tem muito material, tem alguns sites aí muito interessantes, o Father Alexander, que um site feito por um bispo russo por exemplo, tem uma quantidade enorme de arquivos em quatro idiomas (português, espanhol, inglês, e russo). 

Sempre que alguém interessado me pergunta eu indico este site porque a pessoa vai ter um panorama muito grande sobre orações, sobre história, vida de santos... Muito interessante. Então, eu creio e estou convencido, sim, de que a internet presta um grande serviço à Igreja, se bem utilizada, bem-organizada e com uma equipe que possa trabalhar, eu acredito que poderíamos ter mais condições de ampliar o trabalho da Igreja.  

No entanto, a internet oferece alguns riscos, como tudo na vida, sim! Tudo tem riscos. Então, há algumas dificuldades, sim. Algumas questões, discussões políticas e política de igreja e discussões dogmáticas, até discussões heréticas, mas isso faz parte do processo. Ok? 

Sobre a ação missionária mais intensa, veja, isso é um problema de base. Porque um trabalho missionário, ele só pode ser realizado quando você tem apoio e tem suporte institucional da Igreja. Se você tem uma pessoa disponível para fazer missão, ela tem que viajar, ela tem que, se alimentar, tem transporte, tem material e o trabalho dela. Nós não temos uma estrutura missionária ainda. 

O que os padres fazem, quando há pessoas interessadas eles visitam esse lugar, formaram um grupo, es se organizam Liturgias. Eu, por exemplo, tenho uma Missão que nem a mencionei, em Natal. Celebrei uma Liturgia em Natal, que tinha lá três sérvios e tal, me chamaram para batizar uma filha, fui, e aí veio a pandemia e hoje estou sem tempo e sem estrutura de viajar 400 km para poder assistir, visitar e criar uma missão. Não temos gente. 

Sim, tem outro aspecto também, faltam clérigos. Se nós tivéssemos mais sacerdotes, eles poderiam viajar e as paróquias não ficariam sem padres. O Padre Jairo, por exemplo, quando ele vai para Maceió, Caruaru fica sem celebrante. Então, temos que ter estrutura, digamos assim. Faltam recursos financeiros. Precisamos de mais sacerdotes. A seara é grande e os ceiferios são poucos, como diz o Evangelho.


6) O senhor acredita na necessidade de uma identidade nativa para que a Ortodoxia nas Américas do Sul e Central possa realmente florescer, como no caso da O.C.A, nos Estados Unidos? Qual e a sua opinião sobre a realidade de uma Igreja Local no Brasil?

Veja, aqui nós temos um problema. A realidade da Igreja Ortodoxa na América somente foi possível que existisse porque teve uma base. E qual é a base? Vamos entender isto aqui. Primeiro foi um trabalho missionário. São Herman do Alaska, e seu grupo, que vieram da Rússia chegaram e pronto, fizeram um trabalho interessante. E, não só isso, a questão que na minha opinião é mais decisiva é que tanto nos Estados Unidos, quanto no Canadá, eles receberam grupos de imigrantes ortodoxos que eram comunidades-base das paroquias atuais.

Então veja, um grupo ortodoxo chega num lugar, se instala, e já se tem uma paróquia, digamos assim, pelo menos, o potencial de uma paróquia está pronto. Eles constroem ou disponibilizam um lugar, basta chegar um padre e já tem uma igreja ali. É diferente de você fazer um trabalho para criar os fiéis. Então, se você olha a história da, da Igreja Ortodoxa nos Estados Unidos e Canadá, é a mesma coisa. Comunidades ortodoxas chegaram e já instalam uma igreja. Então se organizaram. Tem paróquias nos Estados Unidos, pelo menos da igreja sérvia, com mais de 100 anos que estão ali. 

Estas comunidades ortodoxas formadas por imigrantes ortodoxos são gregos, russos, ucranianos, antioquinos, e outros são bem estruturados nos Estados Unidos. E depois, este é um país rico, onde as comunidades têm recursos financeiros, têm essa dinâmica que nós vemos nos Estados Unidos, que são empreendedores, quer dizer, eles colocaram sua inteligência, sua disponibilidade, sua vontade para construir a Igreja, e construíram. 

Você encontra nos Estados Unidos  todas as jurisdições das Igrejas Ortodoxas,  porque têm grupos, igrejas bem constituídas, e estão espalhados por todo o país. Então, quando surge a possibilidade da autonomia da Igreja Americana surge a OCA, nos anos 70, se não me falha a memória, o Patriarcado de Moscou deu autonomia para a Igreja Americana. Mas já tinha uma base, foram décadas, décadas, décadas, décadas de Ortodoxia. E o ortodoxo americano passa a ter essa, essa identidade local já depurada ou apurada no melhor sentido. Anos do que se chama ethos, quer dizer, estrutura, forma ou base de ser ortodoxo já é mais fácil porque já tem uma comunidade, já tem seminários, já tem paróquias organizadas. A Ortodoxia funciona por assim dizer 24 horas. Não é? Então, a Igreja pode se organizar. E aí a cultura passa a exercer influência no sentido de que essa cultura americana ajudou a moldar a Igreja americana, a Ortodoxa americana.

Tudo isso para dizer: no caso do Brasil o cenário é completamente diferente. Completamente diferente. Isto aqui é um deserto que floriu em pequenos oásis, não é? Nós não podemos falar num ethos brasileiro, uma identidade brasileira. As pessoas pensam que isso aí é um decreto que se faz, "agora nós vamos fazer uma Ortodoxia brasileira". Isso é uma fantasia, uma ilusão. Inclusive, alguns ortodoxos brasileiros, eles se queixam, e com razão, de que as igrejas são étnicas. Isso é um fato, certo? Os sérvios, os russos, os ucranianos, os gregos. Por quê? Porque a matriz dessas comunidades não é brasileira, é dos países de origem dessas igrejas. Só para dar um exemplo, a Igreja Antioquina, ela só ordenava padres árabes. certo? 

De uns anos para cá é que houve já a inclusão de brasileiros. Já temos já algumas, algumas décadas de que há brasileiros nessa Igreja, mas nós estamos ainda mergulhados, aprendendo a ser ortodoxo. Eu mesmo digo isso com maior serenidade, na maior humildade e tranquilidade, um dia eu vou ser ortodoxo. Por quê? Eu já vou completar 40 anos tentando ser ortodoxo, aprendendo todos os dias. Estudando, lendo, observando, praticando. Então, como que nós vamos falar de uma identidade ortodoxa brasileira? Isso não existe, isso é uma fantasia. O que existe são pessoas que estão sobrevivendo na fé ortodoxa. 

Olha, a Ortodoxia no Brasil é um milagre. Com todo o respeito. É um milagre, por quê? Porque aqui tudo no Brasil, a inclinação pela mistura, é muito grande. É muito difícil ser ortodoxo no Brasil. Por quê? Porque essa tendência antropológica brasileira mistura, das crenças, das culturas, das raças, é difícil para a Ortodoxia. É difícil. Então, eu creio sinceramente que isso leva mais algumas gerações de pessoas para sedimentar o ser ortodoxo. E, e vou dar um parâmetro que é muito, muito claro. Nós não temos mosteiros. Quer dizer, temos mosteiros? Temos, alguns aqui, acolá. Mas, uma dinâmica monástica no sentido pleno, nós não temos. E o que que seria uma dinâmica plena? Dizer, um mosteiro com muitos monges. Como a tradição monástica, como a prática monástica, o que temos são, alguns mosteiros com alguns monges, tem o mosteiro daqui com um monge e mosteiro do Conde, também com poucas pessoas.

Nosso mosteiro de Buenos Aires, só tem uma monja. O mosteiro do Chile, só tem um monge. O mosteiro de Guayaquil, por enquanto, só tem uma monja. Então, quer dizer, essa experiência monástica, que nos Estados Unidos, no Canadá, foi possível, porque tinha gente. Então, se você tem gente, você tem de onde ordenar padres, coro, iconógrafos, monges, fiéis. E aí a igreja pode crescer. No Brasil, ainda estamos plantando, plantando para colher. Isso aqui é a realidade. Então, para mim, falar de uma identidade brasileira, não tem sentido não é ela que vai fazer florescer a igreja. É o contrário.

A Igreja nos Estados Unidos, é um fato histórico. Veja, a Igreja gerou uma Igreja Local, digamos assim. Mas tem que ter Igreja primeiro. Nós, ainda aqui, não temos igreja. Temos um esforço heroíco, sem nenhuma pretensão. É sacrificial ser ortodoxo num deserto existencial. Então, não tem Igreja ainda. Temos Igreja, mas não temos no sentido mais amplo que eu estou falando. E aí sim, poderão surgir vocações espirituais, monásticas, sacerdotais etc., etc, fiéis. Tem que ter pessoas. E não falo de quantidade, não.  tem que ter material humano para poder realizar a Igreja. E aí sim, vamos poder construir uma Igreja Local, digamo-lo assim, certo? Porque no momento, nós estamos presos às Igrejas-Mães, como deve ser. Mas não existe uma igreja local. 

É assim que consigo enxergar. A Igreja Local ainda não existe, não. Não temos Igreja Local. Temos ortodoxos que são vinculados à Igreja Russa, à Igreja Grega, à Igreja Antioquina, à Igreja Sérvia, à Igreja da Polônia, mas nós não temos Igreja Local. Ainda está sendo construído. Isso leva tempo...

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