O ÍCONE BIZANTINO E A ARTE MODERNA
SKLIRIS Stamatis, Sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Cézanne disse que El Greco era seu pai na pintura. Picasso disse que Cézanne era seu pai e El Greco seu avô. Se Cézanne foi o fundador e Picasso o principal representante do modernismo, podemos supor que El Greco introduziu algo novo na arte renascentista que, por fim, levou à arte moderna. Presumimos que isso tenha algo a ver com as raízes bizantinas de El Greco, visto que ele pintou ícones bizantinos em sua juventude, em Creta, sua ilha natal. Esse elemento, considerado novo e subversivo para o Renascimento, existia muito antes na pintura bizantina.
Podemos compreender a singularidade da pintura bizantina se considerarmos a mudança que ela trouxe à arte clássica grega e greco-romana. Essa mudança é comparável à mudança que o modernismo ocidental trouxe à arte renascentista. O que queremos dizer com modernismo aqui? É, acima de tudo, uma rejeição deliberada dos princípios estéticos fundamentais da arte renascentista. Uma reversão voluntária que advém de uma série de pesquisas plásticas realizadas por pintores que queriam se libertar do espírito determinista da pintura e criar uma arte que superasse as regras naturalistas do Renascimento. Assim, El Greco incorporou a liberdade da luz pictórica bizantina à arte espanhola de seu tempo. Com algumas pinceladas vigorosas, criou corpos leves, vestes brilhantes e cintilantes, figuras que se estendiam e se elevavam a partir de sua forma, carregadas por suas vibrações internas. Ao ilustrar heróis, alcançou sua maneira única de representar o espaço. Composto por véus, nuvens e éter iluminado, esse espaço tornava a presença do herói tangível e conectava os objetos desenhados ao fundo.
Assim, "A Oração de Cristo no Getsêmani" retrata a veste multifacetada de Cristo arrastando-se no chão, dando a impressão de que a terra acompanha a veste, já que a rocha atrás de Cristo se assemelha a um pano dobrado. Esse pano continua até o céu, até as nuvens, que, como véus, circundam a lua. Assim, o espaço é representado como algo que envolve e sustenta os seres, dotando-os de existência eterna.
Cézanne adotou a maneira quase codificada de Greco de representar esse éter de velas. A técnica consistia em aplicar pinceladas paralelas de cores quentes e frias, justapostas, uma fria e a outra quente. Ao dar a impressão de que uma era mais proeminente que a outra, criavam um espaço angular. Isso lhe permitiu representar degraus que serviam de suporte, semelhantes às velas de Greco. A estrutura angular do espaço agora sustentava os seres em uma existência estável.
Depois de Cézanne, o caminho estava aberto para as liberdades encantadoras de Picasso. A figura podia então ter quantos dedos quisesse, olhos dispostos assimetricamente, o que também dava ao observador a possibilidade de ter dois ou até três ângulos de visão simultaneamente. Portanto, o artista é finalmente chamado a criar uma nova criatura, um novo ser. Estamos acostumados a acreditar que essa evolução do Renascimento até Picasso, passando por Greco e Cézanne, ocorreu pela primeira vez na história da arte no Ocidente. No entanto, não nos damos conta de que o mesmo ocorreu durante a transição da arte grega antiga para a arte proto-cristã, passando pela arte greco-romana. Os antigos gregos buscavam decifrar os segredos do espaço e do tempo e criar uma escultura capaz de representar o mundo como belo, um ornamento que seria belo graças à harmonia estabelecida entre sua altura, largura e profundidade.
Os cristãos se distanciaram deliberadamente dessa representação harmoniosa da criação, dificultada por um sistema de regras que hoje chamamos de clássico. Desde a época das catacumbas, o rosto adquiriu olhos grandes e desproporcionais, expressando a visão do santo que vislumbrara algo que ninguém mais havia visto antes. Essas representações do momento em que o mártir encontra Cristo sugerem o encontro da verdade diante das mentiras deste mundo temporário. Não há mais necessidade de recorrer às leis naturais da harmonia que constituem e contêm o universo, uma vez que elas são superadas pelo sopro criativo do amor que conduz à Ressurreição. O amor de Deus Pai ressuscita Jesus crucificado. Essa crença cristã fundamental subverte os determinismos da natureza, o que resulta no enfraquecimento das regras da arte clássica. A ressurreição de Jesus (quadro 6) supera o espírito trágico da Antiguidade e oferece à sua expressão pictórica luz onde antes havia apenas claro-escuro, o que leva à derrocada final da morte. Ela trouxe leveza onde reinavam o peso e, em última análise, a catástrofe. Em contraste com a perspectiva que representava distância, isolamento e solidão, ela introduziu a reaproximação. Como resultado, podemos falar do nascimento de uma arte que poderia ser descrita como o primeiro modernismo na história universal da arte. Ou seja, temos pela primeira vez algo que encontraremos vários séculos depois na arte ocidental. De uma arte oficial, sistemática e clássica, com um sistema de regras muito rígidas, emergiu uma arte nova, revolucionária e deliberadamente subversiva, liberta de todo determinismo. A partir de diferentes tendências do modernismo ocidental, podemos hoje entender melhor o modernismo bizantino e suas relações mútuas.
Quando a arte bizantina começou a se desenvolver em Ravena de forma mais autônoma, ela havia estabelecido a distinção entre cores quentes e frias, abandonando a representação fisiocrática das cores por meio do uso de sombras e preto. Em Ravena, nos encontramos diante de uma cesta de flores. As folhas ao fundo que vemos são mais escuras do que as da frente e são representadas dessa forma pelo uso de outra cor. As folhas da frente são verdes, enquanto as de trás são azuis. A sombra também desempenha um papel ao se unir à luz e, por essa razão, é colorida e não mais simplesmente escura. Essa observação nos remete às pinturas de Monet, Van Gogh e Cézanne. Podemos deduzir que o que aconteceu na arte bizantina só aconteceu no Ocidente vários séculos depois. Nas catacumbas, quando o artista cristão precisava representar aquele momento único em que o mártir encontra Deus e abre os olhos para algo além dele, ele recorre à alteração da fisionomia de seu rosto. Isso leva à eliminação da harmonia clássica da relação ideal estabelecida entre a altura e a largura do rosto. Elimina a fala, ao mesmo tempo que introduz uma surpreendente força de expressão, análoga ao caráter expressivo e revolucionário do Expressionismo.
Quando os pintores ocidentais se cansaram de regras complicadas, recorreram a um estilo de pintura purificado, simplificando sua forma e tornando-a mais clara, o que resultou na abstração (pintura 11). Da mesma forma, o artista cristão primitivo, desejando transmitir a mensagem de alegria, do movimento que leva ao encontro com o outro, através do amor, apagou detalhes tediosos em favor da pessoa amada. Foi através do ícone que a pintura helenística foi reconduzida à primeira abstração.
As cores vivas, dispostas sobre uma primeira camada escura, chamada protoplasma pelos bizantinos, o uso de cores claras e contrastes complementares levaram a um fenômeno comparável ao dadaísmo. Cores brilhantes, dispostas lado a lado de forma complementar, levaram a uma explosão fotocromática onde a sombra iluminada e colorida adquire uma existência independente (Tabela 14). Era, portanto, natural que todos os outros elementos da construção assumissem um papel decorativo. O resultado é uma arte chamada pós-bizantina, com elementos comparáveis aos da pintura de Nabis.
E é bem possível que um intelectual seja reduzido aqui a uma pessoa ingênua, como fomos durante a ocupação otomana a um novo secularismo. Assim como os modestos pintores das catacumbas tinham uma simplicidade infantil, agora, após um longo período de erudição evolutiva, o ícone pós-bizantino assume um caráter secular. Um elemento muito importante da pintura bizantina, que também é sua marca característica, é a luz. Mas quando falamos de luz bizantina, não devemos perder de vista o fato de que não se trata de uma luz natural, que obedece a leis naturais. Isso se deve ao amor que essa luz expressa: o amor dos cristãos por Cristo, que nasceu de Seu amor por eles e que O levou à Crucificação sem que Ele renunciasse ao Seu amor após a traição. Os rostos dos ícones são banhados pela luz, pelo amor de Deus que, por meio dessa luz, os chama a entrar em contato com Ele. Os demônios rejeitam a relação de amor e, por isso, são relegados à escuridão, da qual a luz do amor está ausente. A luz torna-se, assim, portadora da especificidade da pintura bizantina em comparação com outras tradições pictóricas: a ausência de perspectiva, o brilho das cores, o apagamento da gravidade, etc.
El Greco estudou iconografia na escola cretense e, com todo o seu conhecimento artístico, rumou para o Ocidente. Lá, enxertou o conhecimento adquirido na arte renascentista, da qual podemos agora falar de um segundo modernismo. Poderíamos, portanto, dizer que, por meio da obra de El Greco, o ícone bizantino, por um lado, inspirou e guiou o segundo modernismo. E, por outro, por meio de um conhecimento artístico da tradição que lhe pertencia, conseguiu transmitir sua influência e, assim, inspirar a arte contemporânea, tanto oriental quanto ocidental, com uma problemática puramente pós-moderna.
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