SOBRE O SIGNIFICADO E OS BENEFÍCIOS DA LEITURA DAS SAGRADAS ESCRITURAS

RUSAKEVICH Anthony, sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)


Não é segredo que um dos deveres de todo cristão ortodoxo é ler periodicamente o Evangelho, em particular, e as Sagradas Escrituras, em geral. A Bíblia é chamada de "Sagradas Escrituras", "Palavra de Deus" ou "Revelação Divina" por um motivo. É o Livro dos Livros porque supera todos os outros em importância. Historicamente, a Bíblia foi o primeiro livro real a ser traduzido para muitas línguas, o primeiro a ser impresso e, eventualmente, o primeiro a ganhar importância mundial.

O que a torna tão diferente de todos os outros livros?
Em primeiro lugar, as Sagradas Escrituras são a grande fonte do Cristianismo. É delas que, ao longo dos séculos, os teólogos se inspiraram para nos trazer os fundamentos da fé. Eles acreditavam que todos os elementos necessários da verdade só poderiam ser encontrados na Bíblia. No entanto, a Igreja Ortodoxa vê a fonte do cCistianismo não apenas na Palavra de Deus escrita, mas também na Tradição oral. Essa ideia não é nova, visto que, na antiguidade, esses dois conceitos sempre foram inseparáveis. Tradição e Escritura não existem separadamente.

A Bíblia é parte da Tradição, seu núcleo. Sem a tradição viva da Igreja, que preserva e transmite essa experiência, a Bíblia seria incompreensível. Todos os aspectos da vida da Igreja — os sacramentos, os serviços religiosos, os princípios morais, a teologia, as visões do passado e do futuro — estão inextricavelmente ligados ao espírito da Tradição e das Sagradas Escrituras.

Na compreensão ortodoxa, a Bíblia e a Tradição não são dois elementos separados que precisam ser unidos. A questão é que a Bíblia deve permanecer em seu ambiente natural — o contexto que a originou. Esse ambiente é a Tradição.

A Bíblia não é apenas um texto, mas também um Espírito que sempre vivifica por meio de sua leitura. É por isso que a Palavra, que uma vez foi dada aos homens que viviam na carne, permanece viva e ativa na Igreja — o Corpo vivo da Palavra de Deus. E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a Sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade… E todos nós recebemos da Sua plenitude, e graça sobre graça (Jo 1,14.16).

As Sagradas Escrituras são mais do que apenas um livro. Não são um texto que Deus literalmente "ditou". A Bíblia reflete o caráter e os talentos de seus autores, bem como as especificidades de sua época. No entanto, todos eles tiveram uma profunda experiência da presença de Deus e se esforçaram para transmitir esse mistério em palavras que lhes eram acessíveis.

O lado terreno e humano da Bíblia não contradiz sua natureza divinamente inspirada. Pelo contrário, torna-a especialmente preciosa para nós, porque a Escritura se torna um ponto de intersecção entre o Divino e o humano. Isso também nos protege contra a "adoração da letra", típica de alguns grupos protestantes.

Como disse São João Crisóstomo, a natureza divina e humana das Sagradas Escrituras nos mostra claramente o poder do Espírito, que convence as pessoas a se aterem ao essencial e a não se confundirem com divergências insignificantes. Portanto, a base do Cristianismo não é a doutrina abstrata, mas a fé no Deus Vivo encarnado na Pessoa do Deus-Homem. É exatamente isso que a Palavra de Deus testemunha. As palavras do Senhor: Examinai as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna; e são elas que testificam de Mim (João 5:39), não são apenas um chamado para as pessoas que viveram há 2.000 anos, mas também para todos os que leem a Bíblia, e para os cristãos em particular.

São Cirilo de Alexandria ensinou que o estudo diligente do mistério de Cristo nos concede a vida eterna e nos conduz à virtude. Ao estudar as Escrituras, devemos ter em mente o objetivo principal: não apenas adquirir novos conhecimentos, mas colocá-los em prática. O significado da Revelação Divina está nas palavras: Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em Seu Nome (João 20:31).

Você só pode conhecer a vida através da própria vida. Em outras palavras, a aplicação prática das Escrituras edifica nosso relacionamento com Deus. Aprendemos com a Bíblia sobre a vida cristã e encontramos a base para uma fé profunda, porque: "De sorte que a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus" (Rm 10:17).

O seguinte exemplo da vida monástica é uma excelente ilustração desse princípio. Um jovem monge aproximou-se de um ancião e pediu-lhe: "Dá-me uma palavra para que eu possa viver". O ancião responde muito brevemente, mas, graças à sua experiência pessoal e graça, essas poucas palavras são suficientes para que o monge as vivesse e superasse as dificuldades.

É assim que a Bíblia deve ser entendida e pregada. Como Cristo disse: "Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes" (Jo 13:17). Portanto, falando sobre a influência das Sagradas Escrituras, devemos lembrar que o que importa não é o conhecimento abstrato, mas a ação.

Que conselhos práticos podem ser dados 
aos fiéis no estudo das Escrituras?
Consideraremos como as Sagradas Escrituras influenciam a vida espiritual dos cristãos, com base nos sermões do sempre memorável Metropolita Anthony (Bloom) de Sourozh. Toda a vida deste arcebispo foi dedicada à Palavra de Deus: ele não apenas a lia e refletia sobre ela, mas também ajudava os fiéis a compreendê-la. Portanto, seus pensamentos são especialmente relevantes neste assunto.

Teólogo maduro, o Metropolita Anthony compartilhou conselhos sobre como compreender as Sagradas Escrituras corretamente. Vladika aconselhou não ler o Evangelho em busca de conhecimento abstrato, mas para encontrar os lugares que tocam a alma e fortalecem.

O Metropolita Anthony acreditava que tais versos nos ajudam a ver a beleza de Cristo e a entender o que um verdadeiro cristão deve se tornar. “Meu conselho é o seguinte: ao ler o Evangelho, marque os lugares que aquecem seu coração e clareiam sua mente, onde sua vontade é repentinamente vivificada e um certo poder flui em você; os lugares sobre os quais você poderia dizer: ‘Como é belo, como é verdadeiro!’ E saiba que essas passagens lhe dizem que, por algo, por menor que seja, você já se assemelha à pessoa que deveria se tornar, porque já vê a beleza do verdadeiro homem em Cristo” (De: Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo: Sermões).

Metropolita Anthony nos aconselha a escolher os trechos que “nos comovem”, que “nos tocam o coração” e “inflamam nossos corações”, como o coração dele no caminho de Emaús.

O mais importante ao trabalhar com as Escrituras é compreender seu verdadeiro significado. Isso não é fácil, pois, além dos textos fáceis de entender, há também aqueles cujas formulações se referem tanto à simples experiência humana quanto à profunda experiência religiosa. E algumas coisas não podem ser compreendidas corretamente sem confiar nos ensinamentos da Igreja.

Metropolita Anthony enfatiza que, apesar de todas as mudanças sociais e culturais, a Igreja permanece inalterada em sua experiência interior desde o início. É por isso que ela sempre pode dar a interpretação correta. “Portanto, após uma percepção preliminar em nossa própria linguagem moderna, devemos nos voltar para o que a Igreja entende por esta palavra; só então podemos ter certeza do significado deste texto e ter o direito de começar a pensar e tirar conclusões” (Oração e Vida).

Na Ortodoxia, a Escritura não é considerada separada da Tradição da Igreja. Pelo contrário, ela surgiu da Tradição e é parte integrante dela. Tradição refere-se a toda a experiência da Igreja, desde o Antigo Testamento até os dias atuais. Portanto, o princípio fundamental da interpretação é que a Escritura não deve ser interpretada arbitrariamente, mas no contexto da Tradição.

Para os Padres da Igreja primitiva, as Sagradas Escrituras não eram um mero objeto de pesquisa acadêmica, mas um tema de meditação orante. Trechos das Escrituras eram lidos nas igrejas e explicados ali mesmo pelos pastores. Foi assim que surgiram as famosas homilias de São Basílio o Grande, João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria e outros.

O Significado das Sagradas Escrituras
As Sagradas Escrituras, ou a Bíblia, são o Livro dos Livros e a principal fonte do Cristianismo. Na Ortodoxia, elas estão inextricavelmente ligadas à Tradição da Igreja, que abrange toda a experiência espiritual da Igreja. A Escritura não é apenas um texto, mas a Palavra viva de Deus, que permanece ativa graças ao Espírito Santo que habita na Igreja. Ela possui a natureza divina e humana ao mesmo tempo: reflete tanto as características humanas dos autores quanto a inspiração divina. O principal propósito do estudo das Escrituras não é apenas adquirir conhecimento, mas colocá-lo em prática para construir um relacionamento pessoal com Deus e adquirir fé.

Dicas Práticas para Ler a Bíblia
Para tornar a leitura das Sagradas Escrituras verdadeiramente benéfica, você pode seguir dicas simples:

Procure uma resposta em seu coração. Não leia as Escrituras como um trabalho acadêmico, mas como uma mensagem pessoal. Marque os lugares que incendeiam seu coração, tornam sua mente mais clara e o enchem de força. Essas passagens mostram que você está caminhando na direção certa.

Estude as Escrituras no contexto da Tradição da Igreja. A Bíblia é inseparável da Tradição. Para entendê-la corretamente, recorra aos comentários dos Santos Padres, suas homilias e aos ensinamentos da Igreja. Isso o ajudará a evitar conclusões arbitrárias e a compreender o verdadeiro significado dos textos sagrados.

Pratique o que você lê. O principal propósito da leitura das Sagradas Escrituras não é apenas conhecer, mas agir. Tente implementar o que você lê em sua vida. Como disse Cristo: Felizes sois vós se as fizerdes [estas coisas] (João 13:17).

Leia com oração. Para os Padres da Igreja, a Bíblia era objeto de meditação orante. Ler as Escrituras é um diálogo com Deus. Comece com uma oração pedindo o dom do entendimento para ouvir a Palavra de Deus e aceitá-la de coração.

Escolha o que "te move". Você pode começar com um Evangelho que seja central em toda a Bíblia (é melhor começar com o Evangelho de Marcos e continuar com o Evangelho de Lucas; os Evangelhos de Mateus e João são lidos por pessoas teologicamente mais preparadas). Não tente ler tudo de uma vez, mas, em vez disso, leia com atenção e devagar as passagens que lhe são especialmente queridas.

Que Deus o ajude na tarefa agradável de estudar as Sagradas Escrituras!


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