SOBRE A MORTE DE CHARLIE KIRK

 PEREIRA Rebeca, monja
DIÁRIO DE UMA PEREGRINA BRASILEIRA (22.09.2025)


Muito se tem escrito, falado, comentado e discutido em função da personalidade do recém-assassinado jovem ativista americano Charlie Kirk. Não me interesso por política, gosto de história. No entanto, por ter conhecido tantas mentalidades e países ortodoxos cujo ethos se faz presente sobretudo por uma vivência territorial da Ortodoxia (tais como Herzegovina, Montenegro e Bielorússia), senti-me "tocada", talvez, para expressar algumas linhas sobre este tema, nos dias de hoje.

Já há algum tempo tento tomar coragem para iniciar uma coluna onde possa pôr em escrito alguns insights que acumulo em minha vivência fora do Brasil, país onde nasci e ao qual me sinto ligada etnicamente. Talvez agora este projeto esteja amadurecendo. Com isso, peço de antemão perdão, pelas insuficiências que o texto, com certeza, apresenta.

Pouco sei sobre a pessoa e ação de Charlie Kirk. No entanto, o que me leva a escrever um post não é a necessidade de se posicionar, mas antes um alerta principalmente aos jovens ortodoxos ou buscadores (brasileiros, em geral) que se veêm divididos em suas opiniões. E esta divisão de opiniões não é muito saudável para aquele que está buscando conhecer o quê a Igreja Ortodoxa e sua espiritualidade realmente são. É claro que vamos encontrar em vários sites e blogs muitos clérigos comentando sobre o tema e coisa e tal. Mas, sejamos lá sinceros, o quê isto nos acrescenta a nível espiritual? NADA!

Cheguei até a ver um "ícone", denominando-o de Novo Mártir do Jugo Esquerdista. Fiquei apreensiva, meu coração realmente me levou a sentar e escrever este texto.  Acredito que ele tenha ótimas iniciativas, pregando em universidades, professando posições pro-vida e defendendo valores inabaláveis da instituição familiar, mas a repercussão de sua morte não traz paz agora. Enfim, sua personalidade hoje está ligada à política e divisão, não à santidade. 

Sinceramente, não acredito que a política possa fornecer algo de espiritual e construtor em nossa relação com Deus, se ela não ajudar nossa relação com nossos próximos. A política tende a dividir, e principalmente hoje vivemos um tempo de muita polarização. O mundo está muito extremista. Esta influência, infelizmente, também se faz presente dentro de nossa Igreja. Vale, no entanto, ressaltar que as "portas do inferno não prevalecerão" - quer dizer, na Igreja sempre (em todos os tempos) houveram e haverão divisões, tentações, mentiras, paixões humanas... mas a integridade do Corpo Místico de Cristo permanece intacta. Deus testa nossa liberdade e espera...

Vivi cerca de uma década em países da ex-Iugoslávia e mais uma década em território da ex-URSS. Posso afirmar que existe enorme desinformação no que concerne a questão da geopolítica e isso afeta muito a nascente Ortodoxia em terras brasileiras. Muitos jovens, a maioria rapazes, se apegam a valores e posições políticos e fantasiam uma realidade de ethos-mentalidade ortodoxa relacionada a países que passaram por jugo comunista e soviético. No entanto, sem nenhuma referência real e o próprio entendimento de questões que estão reservadas a história destes povos - história que vem da época em que estes povos se batizaram! Sem falar nas pequenas e profundas crises que cada território soube controlar ou não, mantendo ou não uma vertente fielmente ortodoxa.

Eu ousaria fazer um apelo a construirmos a realidade eterna sob o prisma da Ortodoxia em nossas terras, em vez de nos preocuparmos com questões passageiras e tomadas de paixões humanas, manipuladas por pólos políticos. O chamado à salvação justamente se faz ao caminhar pela via de ouro, quer dizer, pelo caminho real do equilíbrio - nem direita, nem esquerda. Purificar o coração é uma tarefa árdua, requer muito suor, lágrimas e sangue (quer dizer, sangrar por dentro, se não fizermos menção ao martírio).

Eu quero continuar acreditar que a Igreja é o local que reúne pessoas de diferentes visões políticas, que sabem controlar suas paixões quando se debatem com opiniões contrárias as suas e buscam viver o convite da comunidade de Cristo. Igreja não é agrupamento de semelhantes a nível político. A Igreja está aberta para acolher quem quer estabelecer uma relação com Deus através de seus próximos, mesmo se eles pensem diferente de nós em aspectos políticos. Caso contrário, seria reduzir a Fonte de Verdade à uma seita ou grupo/clã de extremistas. A Verdade nos liberta e não nos afugenta num gueto sem saída. Oramos na Sagrada Liturgia por um só coração e não por uma só opinião e tendência políticas. Deus faz cair a chuva sobre justos e injustos, como testemunhamos nas Escrituras.

Entender valores cristãos e defendê-los com certeza é desejado e recomendável. Se for da vontade de Deus que os defendamos e soframos o martírio por isso, Deus nos mostrará este caminho. No entanto, aprofundar especulação em torno da morte de uma pessoa, analisando seus posicionamentos políticos para definir sua santidade parece-me algo não muito sadio. O tempo mostrará aquilo que deve ser mostrado. Hoje, o horizonte da figura de Charlie Kirk se vê "nebuloso", muita especulação ainda... sempre é difícil julgar com precisão quando se está distante. Nós, brasileiros, estamos transportando as consequências da tragédia para nosso cenário político polarizado brasileiro. Aqui não á América, guys! Talvez isto também esteja relacionado a má compreensão do que a santidade é e quem os Santos realmente são. Ou até mesmo o que a Igreja é em Sua essência.

Que nosso Senhor conceda o repouso no seio de Abraão à alma do servo Charlie e conforto espiritual àqueles que sentem sua partida, especialmente sua esposa, filhos e parentes. Agradecemos pelos bons resultados que sua seara tenha dado e continuemos nossa batalha pessoal de adquirir o Espírito Santo, e segundo dizia o Venerável Serafim de Sarov, busquemos ter paz interior para que mil ao nosso redor possam encontrar a salvação em Cristo.

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