ENTREVISTA COM O ARCIPRESTE ALEXIS PENA-ALFARO - PARTE 3
PENA-ALFARO Alexis, Arcipreste
Pároco ortodoxo da Igreja Ortodoxa da Dormição da Mãe de Deus em Recife e Vigário-Geral para o Brasil da Diocese Sérvia das Américas do Sul & Central
7) Vemos atualmente a forte conexão entre Psicologia e Ortodoxia. Pelo fato do senhor ser sacerdote ortodoxo, psicólogo e professor de psicologia, fale-nos dos benefícios da possível sinergia no aprofundamento da vida espiritual.
Bom, a sétima pergunta parece que foi de encomenda? “Vemos atualmente uma forte conexão entre psicologia e ortodoxia”. E aí, pelo fato de eu ser um sacerdote ortodoxo, quase 40 anos de sacerdócio. Sou psicólogo clínico, 45 anos de psicologia e fui professor de psicologia, 33 anos. Então somado tudo isso é muita, é muita experiência de vida, não é? Então, a pergunta é: quais são os benefícios de uma possível sinergia, de um aprofundamento da vida espiritual? Entre psicologia e Ortodoxia?
Bom, quanto a isso, na minha experiência, eu digo o seguinte: Eu sou muito crítico em relação à psicologia e a perspectiva espiritual. Vou explicar. Resulta que a psicologia é uma ciência do comportamento humano. E como toda a ciência, a ciência não tem nenhum compromisso com espiritualidade, porque o método dela é o método analítico. Que a ciência, para poder entender qualquer fenômeno, ela fragmenta o objeto de estudo para poder conhecer um pedacinho da verdade. E a proposta da psicologia, por exemplo, veja, o nome Psicologia, a etimologia de psicologia é "psique" alma, "logos", estudo, assim a definição resulta “estudo da alma”, mas a psicologia não estuda a alma, a psicologia se tornou uma ciência moderna. No sentido de que a ciência moderna pretende explicar o mundo, e a explicação do mundo não corresponde a explicação espiritual do mundo.
Então eu, como, como padre ortodoxo, e como psicólogo, tenho muito claro que a Teologia é a ciência das ciências. Então, a minha experiência foi o seguinte: eu coloquei a Psicologia, abaixo da Teologia. Porque para mim, a questão da vida espiritual e da alma é diferente da perspectiva da psicologia. Vou dar um exemplo bem claro: a questão da sexualidade, por exemplo. Para a Psicologia, é um impulso biológico. Então, o problema da ciência é que ela não trata o problema do mal, por exemplo. A ciência é um instrumento, por exemplo, a bomba atômica foi uma descoberta científica, então ela não quer saber se é para o bem, para o mal.
Quer dizer, a ciência não leva em conta essa dimensão ética do bem e do mal. E nem da moral, ou da ética, nada disso. Ela está a fim de conhecer e o conhecimento nem sempre é bom. Não porque ele em si seja mau, é porque o mal uso do conhecimento é que é o mal. Que toda tecnologia, se você olha é maligna quando se usa para o mal, mas não é a tecnologia em si, é o uso que se faz dela.
Um outro aspecto é, digamos assim, de uma forma positiva de falar desse tema, eu diria que, de fato, existe uma aproximação entre Psicologia e vida espiritual. Por quê? Porque a Psicologia é uma ciência que estuda o comportamento humano mas estas duas dimensões trabalham numa área que é comum, à alma. Então, veja, uma pessoa com problemas mentais, ou problemas psicológicos, é o que popularmente numa linguagem mais simples: uma pessoa perturbada, por exemplo, essa pessoa não tem paz, não tem uma relação amorosa com o mundo, com as pessoas, com ela própria. Estas pessoas têm conflitos não resolvidos. Não perdoa na vida, são pessoas negativas.
Então, esta pessoa precisa melhorar sua vida pessoal. E a vida espiritual não é dar conforto às pessoas. A vida espiritual, como nós sabemos, é, colocar as pessoas a conhecer a Deus e a viver conforme os fundamentos da lei divina, a partir do amor de Deus, conhecer o amor de Deus, experimentar o amor de Deus. É isso que leva as pessoas a uma mudança de vida, a uma plenitude da vida. E do ponto de vista da Psicologia, encontrar essa paz não é como dizia Cristo: "Eu vos dou a paz, mas não como o mundo a dá". Então, a Psicologia quanto a Psiquiatria pode dar algum remédio no sentido de acalmar nossas angústias e ansiedades, mas não uma solução. Porque, veja, o grande território comum, se podemos falar assim, é que a vida espiritual nos fala sobre o controle das paixões, as paixões, por exemplo: ira, gula, luxúria, inveja, depressão. O Evágrio Pôntico no século IV já falava das doenças da alma, o que se chama de os sete pecados capitais. Isso aí os Padres do Deserto estudaram as doenças da alma muito antes de Freud.
A Psicanálise que é o grande marco histórico, onde começa a Psicologia científica moderna em 1879. Os Padres do Deserto no século IV já falavam nas doenças da alma. Em relação à depressão, - que é uma tristeza - eles já tratavam da alma. Só que o remédio da vida espiritual é um, o tratamento da Psicologia é outro. A Psiquiatria tem a solução? Não! Então, eu diria que hoje em dia, com a complexidade da vida, muitas pessoas precisam da Psicologia, no sentido de que há uma emergência das crises pessoais, dos conflitos, que a Psicologia pode ajudar a que as pessoas compreendam como funcionam seus comportamentos e suas emoções e motivações. Os conflitos no casamento, na relação entre pais e filhos, no trabalho, por exemplo, que ninguém está livre disso, é uma realidade, então a Psicologia pode nos ajudar a compreender certas atitudes, certos comportamentos que muitas vezes vêm como modelos que nós aprendemos, ou vêm inconscientemente até, dos nossos ancestrais.
Muitas vezes um neto está repetindo um comportamento familiar anterior, um problema que é dos avós, por exemplo. Isso é muito comum. Certo? De forma que hoje em dia, se faz um pouco da Espiritualidade como se fosse Psicologia, o que é um erro. São duas áreas diferentes, usam métodos diferentes. Agora, que há uma proximidade, e que poderiam trabalhar juntos, poderiam. Então, a Psicologia tem muito a aprender com os ensinamentos espirituais. Porque, veja, o sentido da vida não tem explicação. Você tem que descobrir isso, ninguém vai dizer: "É isso ou aquilo", não, isto é uma descoberta pessoal.
A descoberta pessoal é assim: qual é o sentido da minha vida? Traduzido em termos espirituais é: você sabe o que é que Deus quer de você? Se você souber, você vai encontrar o caminho e todas essas questões, esses problemas, se tornam secundários. Eu tenho visto vários casos assim, de uma artista famosa que deixou tudo para ser freira. Uma pessoa muito bonita, linda, e tal, disse: "Ah, que desperdício, uma mulher linda agora é freira". Por quê? Porque encontrou o caminho dela, a paz e a felicidade interior, aliás este é o tema de um dos meus livros: O Homem Interior publicado em português e nos USA pela Diocese do Oeste da América da Igreja Sérvia, com apresentação do Vladika Maksim (Vasiljevich) e publicado pela St. Sebastian Press no ano de 2018.
Então, a dimensão existencial é profunda e é o que move as pessoas e as pessoas nem se dão conta. A pessoa está colocando as suas metas de vida na realização pessoal, profissional, dinheiro, poder, a fama etc. Mas nem sempre elas se dão conta se é isso mesmo, ela estão apenas substituindo. Agora, eu reconheço que é uma área e é um tema muito interessante porque há um terreno próximo, a vida interior. Os sentimentos, as paixões são comuns, tanto na vida espiritual quanto na vida psicológica, digamos assim. Então, temos muito o que aprender sobre esta relação destes dois campos e nós poderíamos utilizar algumas técnicas da Psicologia para ajudar as pessoas, da mesma forma, os psicólogos poderiam aprender algumas dimensões da espiritualidade cristã. Porque a metodologia cientifica não reconhece, por exemplo, os valores religiosos, como a castidade, a fidelidade, a virgindade, a renúncia ao mundo, o sucesso, o poder ou a fama. Esses temas, para eles, não têm valor.
Logo, como podemos dialogar, quando você tem negadas essas dimensões que, para muitas pessoas, são fundamentais? Por que é que o religioso abandona o mundo e vai viver num mosteiro? Porque ele descobriu que o essencial para a vida dele não são essas coisas que estão aí, é algo mais profundo, algo que está mais além. Isso é difícil de explicar para as pessoas. É difícil justificar isso. Você vive isso como uma realidade pessoal. Eis o vocatio, uma palavra latina, que significa chamado. Você sente chamado a uma dimensão maior. E para alguns, que olham de fora, aquilo é loucura, mas o mundo é loucura. Mas para eles a loucura é o religioso. Não é? Então, temos muitas coisas a falar nesse ponto, detalhes que possam esclarecer melhor. Mas, sem dúvida, é uma área muito interessante porque hoje nós temos um fenômeno. O fenômeno da psicologia é, da autoajuda, está substituindo tanto os psicólogos, quantos padres. A confissão é libertadora. A confissão cura a alma.
Essa dimensão de cura da alma via confissão, o psicólogo não conhece. Aí eles acham que só a terapia, estava falando, falando, falando do problema, que vai libertar a pessoa. E em parte é verdade, porque quando você fala do seu problema, você equaciona, né, aquela dificuldade, enxerga, olha, vê, enfim. Então, temos isso. O perigo é fazer da, da teologia, pura psicologia. Reforçar o individualismo, o egoísmo etc. Tudo o que é o contrário do que a vida espiritual faz. As pessoas hoje são narcisistas. Vivem em função de si, têm muita dificuldade de renunciar aos seus desejos, a suas paixões. São pessoas que são escravas do corpo, por exemplo, isto sem moralismo. Mas é um fato. Você vê, por exemplo, a compulsão pela comida, pelo consumo. Tem pessoas que são adictas ou, como se, dependentes da Coca-Cola, do chocolate, dos presentes, do jogo, da pornografia, do sexo, sem falar de todos os tipos de drogas disponíveis como nunca na história humana.
Então, a Psicologia pode nos ajudar a entender essa dependência, mas a vida espiritual, pode nos curar disso aí. Então, é muito interessante, é muito complexo isso. Você vê a vida moderna, hoje as pessoas vivem na base de remédios. E as pessoas vivem frustradas, por quê? Porque hoje nós temos mil atrativos, mil opções é muita coisa. É para enlouquecer. Tantas opções. Você pega aí o canal a TV a cabo, você tem 300 canais. Você enlouquece. Porque como você vai assistir 300 canais? É muita demanda. Então isso enlouquece as pessoas. Isso frustra as pessoas. A compulsão hoje pela felicidade. Ah, tenho que ser feliz de qualquer forma. Isso é uma doença. Felicidade é quando você está em paz com você. Em paz com Deus. O mundo pode cair, mas você está tranquilo aí porque encontrou Deus. Não tem remédio. É a paz que Deus dá. Então, quer dizer, tem dimensões aí que a Psicologia poderia aprender a ser mais humilde. E nós poderíamos aprender algumas técnicas, alguns métodos da Psicologia. Eu vou dar um exemplo que podemos usar na igreja. A respiração para acalmar a ansiedade, tem pessoas que ficam ansiosas, ninguém de nós está isento da ansiedade. A correria e tal. Aprender a respirar é um remédio natural é eficaz e simples.
Existem técnicas simples que ajudam a você, sabe? Se acalmar, se tranquilizar. Então, eu penso que por aí nós poderíamos estudar melhor essa interação. Poderia ser mas, em geral, eu acredito que a Psicologia tem muito preconceito sobre a vida espiritual. Primeiro, porque não a conhece. Isso é muita ignorância. Eles pensam que o conhecimento em si é que salva o homem. Isso não é verdade. Foi esse conhecimento que, que estragou Adão e Eva - não estavam preparados para lidar com o conhecimento do bem e do mal, porque ficaram no pensamento binário, isto é, dilema e conflito o tempo todo, esta é a nossa herança da queda de Adão e Eva, e o conflito sim-não, sim-não, sim-não. Daí o pensamento trinitário é que salva o homem, Deus é Trindade, Deus é Trino, porque não é sim-não, sim-não, isto é maniqueísmo, manipula entre duas opções, a terceira opção sempre pode ser outra coisa, saímos de uma armadilha da linguagem e do pensamento, tanto científico como o filosófico, que na modernidade desembarcou nas ideologias totalitárias que escravizam o pensamento e a liberdade dos homens. Então, é, isso é muito grave. Isso aí é um tema para discutir numa outra ocasião, o pensamento binário, ok? Estudo este tema e trabalho com ele há décadas, por isso afirmo pela experiencia que a Teologia e a vida espiritual são superiores a ciência moderna. Que é a oposição, sim-não, e o conflito. A solução é o pensamento trinitário. Isso é teologia ortodoxa pura.
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