ENTREVISTA COM O PADRE ABRAÃO (SERAFIM) - PARTE 2
SERAFIM Abraão, Padre
Hierodiácono do Mosteiro Ortodoxo Sérvio da SS. Trindade em Camaragibe
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Festa da Dormição da Mãe de Deus no Mosteiro, agosto 2025 |
4) Como o Mosteiro Ortodoxo da Santíssima Trindade vive, ora, se organiza após o repouso do Arquimandrita Pedro? Fale de suas atividades missionárias junto do povo que aí acorre aos Serviços Litúrgicos e do papel da Editora São Savas.
Com o repouso do Arquimandrita Pedro, o Mosteiro Ortodoxo Sérvio da Santíssima Trindade, Camaragibe, Aldeia, Pernambuco, não apenas preservou seu legado espiritual, como também mantém sua missão eclesial com renovado vigor. A ausência física do fundador não significou um vazio, mas sim uma continuidade viva, sustentada pela oração, pelo serviço e pela fidelidade à Tradição Ortodoxa.
O ritmo do mosteiro permanece centrado na oração litúrgica e na vida comunitária. Como único monge residente sigo o ciclo diário dos ofícios — Matinas, Vésperas, Horas e a Divina Liturgia — como expressão da comunhão com Deus e intercessão pelo mundo. Minha cela é como um pequeno santuário de silêncio e contemplação, mas é na igreja que a alma monástica se une em uníssono.
A organização interna continua pautada pela obediência, pela hospitalidade e pelo trabalho manual. A liderança espiritual, agora assumida pelos Padres Alexis (Alfaro) e Rafael (Querioz), designados pelo Bispo, mantém o espírito de humildade e acolhimento que sempre caracterizou o mosteiro sob a direção do Arquimandrita Pedro.
O mosteiro tornou-se um verdadeiro refúgio espiritual para os fiéis. Aos domingos e festas, a igreja se enche de fiéis que buscam consolo, direção espiritual e participação nos mistérios da fé. A catequese é oferecida com zelo, especialmente aos que se aproximam da Ortodoxia pela primeira vez.
Além disso, há atendimento pastoral, confissões, batismos e casamentos, sempre realizados com reverência e profundidade. A missão do mosteiro não é proselitista, mas testemunhal — uma luz que brilha sem alarde, atraindo pela beleza da santidade.
A Editora São Savas, vinculada ao mosteiro, é um dos braços mais ativos da missão evangelizadora. Por meio da publicação de obras clássicas da espiritualidade ortodoxa — como os escritos de São João Maximovich, Padre Seraphim Rose e outros santos — a editora oferece alimento sólido para a alma sedenta de verdade.
Além de livros, a editora disponibiliza ícones, cruzes e outros artigos litúrgicos, contribuindo para a formação espiritual dos fiéis e para a difusão da ortodoxia no Brasil. É também um canal de sustento para o mosteiro, permitindo que a vida monástica se mantenha com dignidade e autonomia.
5) Conte-nos de sua experiência no Mosteiro de Platina na Califórnia com o Arquimandrita Pedro.
A experiência vivida no Monastério de São Herman do Alasca, em Platina, Califórnia, ao lado do Arquimandrita Pedro, foi marcada por uma profundidade espiritual que transcende palavras. Situado nas montanhas do norte californiano, esse Mosteiro é um verdadeiro oásis de ascese e contemplação, fundado por figuras emblemáticas da Ortodoxia no Ocidente, como Padre Seraphim Rose.
Ao chegar em Platina, o silêncio da floresta e a simplicidade do ambiente monástico já indicam que ali não se vive segundo os ritmos do mundo. O mosteiro não possui eletricidade em sua igreja; os ofícios são celebrados à luz de velas, como nos tempos antigos. A cela do Padre Seraphim Rose, preservada com reverência, é um testemunho da vida austera dedicada à oração e estudo.
Com o Arquimandrita Pedro, essa experiência ganhou contornos ainda mais intensos. Sua presença era discreta, mas profundamente marcante. Ele me guiava com poucas palavras, mas cheias de sabedoria. A convivência com ele revelava o espírito da verdadeira paternidade espiritual — firme, compassiva e profundamente enraizada na Tradição dos Santos Padres.
Durante a estadia, os dias eram preenchidos com os três pilares da vida monástica: oração, trabalho manual e leitura espiritual. A tipografia do mosteiro, onde se imprimem livros da Editora St. Herman Press, é um espaço sagrado de transmissão da fé. Ali, os monges, auxiliam na organização dos textos, encadernação e limpeza do espaço — tudo feito com espírito de serviço.
O Arquimandrita Pedro incentivava o estudo dos escritos do Padre Seraphim Rose, especialmente suas reflexões sobre o espírito do mundo moderno e a necessidade de uma fé viva e não intelectualizada. Cada conversa com ele era uma aula viva de teologia existencial.
Mais do que um lugar, Platina é uma escola de santidade. A convivência com o Arquimandrita Pedro foi uma iniciação à vida hesicasta, à vigilância interior e à humildade interior. Ele não oferecia respostas fáceis, mas apontava para o caminho estreito — aquele que passa pela cruz, que conduz à luz da Ressurreição.
Essa experiência no Mosteiro de Platina, sob a orientação do Arquimandrita Pedro, permanece como um marco espiritual para mim. Um encontro com a Ortodoxia em sua forma mais pura, onde cada pedra, cada vela acesa e cada silêncio vivido fala da presença de Deus.
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Hierodiácono Abraão e Arquimandrita Pedro |
6) Como o senhor vislumbra a possibilidade de mais mosteiros, comunidades monásticas e monges no Brasil. O quê se faz preciso para que cresça este movimento de entrega total ao serviço de Cristo?
A possibilidade de surgirem mais mosteiros, comunidades monásticas e vocações ao monaquismo no Brasil é uma semente que já foi lançada — e que, com oração, discernimento e coragem, pode frutificar abundantemente. O país, com sua vastidão territorial e diversidade espiritual, oferece terreno fértil para o florescimento da vida monástica, especialmente na Ortodoxia, que valoriza profundamente o testemunho dos monges como faróis da fé.
O monaquismo não se impõe; ele atrai. E no Brasil, há uma sede crescente por autenticidade espiritual, por uma vida que transcenda o imediatismo e o ruído do mundo moderno. Muitos jovens, tocados pela beleza da Liturgia Ortodoxa e da profundidade da Fé, começam a se perguntar: “E se eu entregasse tudo a Cristo?”
O surgimento de novos mosteiros depende, antes de tudo, de corações dispostos a ouvir esse chamado. Não é um projeto institucional, mas uma resposta pessoal — e, ao mesmo tempo, eclesial — ao amor de Deus.
Para o monaquismo crescer no Brasil, alguns elementos são essenciais:
Formação espiritual sólida. É preciso que os interessados tenham acesso à doutrina ortodoxa, à vida sacramental e à direção espiritual. A catequese profunda e contato com monges experientes.
Testemunho vivo dos mosteiros existentes. O Mosteiro Ortodoxo Sérvio da Santíssima Trindade e o Mosteiro Ortodoxo da Igreja Polonesa de São Nicolau, por exemplo, já são um modelo de como a vida monástica pode florescer em solo brasileiro.
Apoio das comunidades locais. Os fiéis que frequentam os serviços litúrgicos devem compreender que o monaquismo não é uma fuga do mundo, mas uma entrega total por amor a Deus. O apoio material e espiritual das paróquias é vital.
Tradução e publicação de textos patrísticos e monásticos. Aqui entra o papel da Editora São Savas, que torna acessível aos brasileiros a riqueza da espiritualidade ortodoxa. Sem alimento espiritual, não há vocações.
Espaços de discernimento. Retiros, encontros vocacionais e visitas a mosteiros auxiliam os interessados a compreender se esse é de fato o caminho que Deus lhes propõe.
O Brasil não precisa de muitos monges — precisa de monges verdadeiros. Um só coração abrasado por Cristo pode acender outros mil. E quando isso acontece, o monaquismo deixa de ser uma exceção e se torna uma profecia viva: a de que Deus ainda chama, ainda consagra e ainda envia.
Vislumbrar mais mosteiros no Brasil é sonhar com uma Igreja mais contemplativa, mais enraizada na Tradição e mais aberta à ação do Espírito. É crer que, mesmo em tempos difíceis, o chamado à santidade continua ecoando — e que há ouvidos dispostos a escutá-lo.
7) Ousamos pedir alguns conselhos e sugestões à aqueles que estão se aproximando da Ortodoxia no Brasil.
A aproximação à Ortodoxia é, antes de tudo, um reencontro com a plenitude da fé cristã vivida em comunidade, em oração e em humildade. Para aqueles que se sentem tocados por essa tradição milenar e desejam dar os primeiros passos, oferecemos algumas sugestões que podem iluminar esse caminho:
Permita-se viver a experiência antes de compreendê-la plenamente. A Ortodoxia não é apenas um conjunto de doutrinas, mas uma vida que se revela no ritmo da oração, dos jejuns, dos ícones, da Liturgia. Participar dos ofícios, especialmente da Divina Liturgia, é uma forma viva de conhecer o coração da Igreja.
Busque orientação espiritual. O caminho ortodoxo é trilhado com o auxílio de guias espirituais, como padres e irmãos mais experientes. O período do catecumenato, por exemplo, é uma etapa de aprendizado e adaptação, onde se mergulha nos ensinamentos e práticas da fé.
Evite idealizações. A Ortodoxia é bela, profunda e desafiadora. Mas como toda vida espiritual autêntica, ela exige renúncia, paciência e abertura ao mistério. É importante não romantizar, mas sim se deixar transformar por ela.
Valorize a comunidade. No Brasil, a Ortodoxia é vivida em comunidades diversas, com raízes árabes, russas, gregas, ucranianas e cada vez mais brasileiras. Participar dessas comunidades é essencial para crescer na fé e encontrar apoio na caminhada.
Seja paciente consigo mesmo. A conversão não é um evento, mas um processo contínuo. Cada passo dado, cada dúvida enfrentada, cada oração feita é parte de uma jornada que se estende por toda a vida.
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