A VIDA É ESTRANHA: VIEMOS SEM NADA, LUTAMOS POR TUDO E PARTIMOS DEIXANDO TUDO

THEODORE El-Ghandour, Bispo
Vigário Patriarcal Antioquino para o Rio de Janeiro


A vida, quando contemplada à luz da fé, revela uma verdade profunda e paradoxal: chegamos ao mundo sem nada, passamos nossos dias lutando para conquistar, acumular, proteger e preservar e, no final, deixamos tudo e partimos, novamente, de mãos vazias. É uma estranheza que a Sagrada Escritura não esconde, mas nos convida a compreender como caminho para a salvação.

O livro de Job nos recorda com simplicidade e força: "Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá; o Senhor o deu, o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor" (Job. 1:21). Não há expressão mais clara da verdade de que nada nos pertence realmente. Somos peregrinos, administradores temporários dos dons que Deus nos concede.

O Santo Apóstolo Paulo também alerta: "Nada trouxemos para este mundo e nada podemos levar dele. Tendo, porém, sustento e com que nos vestir, estejamos com isso contentes" (1 Timóteo 6:7-8). No entanto, mesmo sabendo disso, passamos boa parte de nossa vida investindo nossas forças, preocupações e até nossa saúde em coisas que perecem, esquecendo que a única verdadeira posse é a nossa alma diante de Deus.

Os Santos Padres da Igreja Ortodoxa falaram repetidas vezes sobre essa estranheza da vida. São João Crisóstomo nos exorta: "Não digas: isto é meu, aquilo é meu; pois tudo é de Deus e tu és apenas o administrador. Quando partires, nada levarás, senão as tuas obras — boas ou más." E Santo Antônio, o Grande, pai do monaquismo, dizia: "Se nos lembrássemos continuamente da nossa partida, não nos apegaríamos a nada na terra."

A vida, por mais bela que seja, é breve. Como diz o Salmo: "O homem, mesmo em seu estado mais firme, é apenas um sopro" (Salmo 39:5). E a sua estranheza está em que só percebemos a brevidade quando ela está chegando ao fim. Quantos, no leito de morte, lamentam não terem amado mais, perdoado mais, servido mais? Quantos reconhecem que lutaram tanto por coisas que agora se mostram irrelevantes?

A sabedoria cristã ortodoxa nos convida a inverter a lógica do mundo: viver não para acumular tesouros na terra, mas no céu. Nosso Senhor Jesus Cristo é claro: "Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem e onde ladrões arrombam e roubam. Mas ajuntai para vós tesouros no céu" (Mateus 6:19-20). Esses tesouros são as obras de amor, a fé viva, a oração, o arrependimento e a humildade.

A vida é estranha, sim — mas torna-se clara e bela quando compreendida como preparação para a eternidade. Viemos sem nada porque a vida é um presente; partimos sem nada porque o Reino de Deus não se compra com ouro. Entre a chegada e a partida, Deus nos dá o tempo como espaço sagrado para conhecê-Lo, amá-Lo e servir a Ele nos irmãos.

No fim, não é o que possuímos, mas Quem possuímos que definirá o nosso destino eterno. E feliz é aquele que, ao partir, pode dizer como São Paulo: "Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé" (2 Timóteo 4:7).


Comentários