EM BUSCA DA AUTENTICIDADE: UMA JORNADA PELA ARTE, ICONOGRAFIA E FACE

 SKLIRIS Stamatis, Sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)



Quando estamos no ônibus e chegamos à rodoviária, vemos rostos e olhares genuínos. No entanto, o cinema e a moda instruíram as pessoas a serem pretensiosas e a adotar uma maneira artificial de se posicionar, falar e se movimentar. Isso constitui uma alienação da pessoa humana. Como artista, eu me esforço para descobrir a verdadeira humanidade. Perdemos até o cheiro do cravo. Os vendedores de cravo dizem que o cheiro desapareceu, embora a forma permaneça a mesma. É cravo na forma, mas não está completo, pois não tem um cheiro específico. Como iconógrafo, tenho que representar um santo. O santo é um homem que se coloca diante de Deus e do próximo com amor. Ele está em estado de confissão. Eu também; estou em estado de confissão neste momento. Estou tentando expressar qual é o meu problema. Como disse o antigo filósofo Diógenes: "Estou procurando um homem". De fato, estamos procurando hoje em dia por um homem que não busque o próprio interesse, que não seja astuto e dissimulado. Estamos acostumados a representar papéis; a honestidade é, portanto, complicada. Uma maneira seria desfazer as máscaras que buscamos e encontrar o verdadeiro "eu". E se eu encontrar o verdadeiro eu, poderei ver o verdadeiro "você".

O que isso significa do ponto de vista da linguagem artística? Na arte, trabalha-se com linha e cor. E com alguns eixos que se podem traçar a lápis e depois cobrir. O objetivo é representar movimento e expressão, especialmente a expressão do olhar. Penso que não se deve mapear todos os códigos possíveis de movimento e cor, mas deixar que a possibilidade de algo surgir além das regras. Permitam-me expressar de outra forma. Quando pinto a auréola de um santo, se a traçar com a ajuda de um compasso, a auréola será idêntica à traçada por qualquer outro artista que pudesse traçar um ciclo perfeito. Não se pode, assim, representar a expressão particular de uma pessoa concreta. Mas cada pessoa deseja ser amada de uma forma especial, única e irrepetível, não em termos de categorias gerais. Por exemplo, não sou apenas o seu médico; sou este médico em particular. O que faz sentido, portanto, é deixar o compasso de lado e não se ater às regras gerais de esboço e coloração de acordo com a perspectiva e as relações entre luz e sombra. Isso equivaleria a estar em estado de cegueira.

Ao acordar de manhã, o artista pega seu pincel e cria um retrato de uma forma completamente inesperada. Pablo Picasso estudou essa questão e afirmou: "Se eu soubesse de antemão o resultado da minha pintura, pararia de pintar". Henri Focillion diz: "Oh, pincelada, você luta com o destino para alcançar novidades raras". O artista está sozinho com seu pincel diante da tela. A tela é o destino; o destino é retratar seres humanos. Por exemplo, um homem que sai da prisão. Como seria um homem assim? A pincelada deve retratar alguma característica peculiar que o torne único, por exemplo, nas sobrancelhas da pessoa.

O significado da pintura de ícones é a transcendência das regras da pintura de ícones. Não se deve seguir as regras de harmonia na arquitetura do rosto e do corpo humano, como a de que o rosto é um oitavo do corpo. Como iconógrafo, não se deve ter restrições; pode ser um nono ou qualquer coisa que se queira. É claro que a pintura de ícones é moldada pela sabedoria de séculos de tradição. Mas essa sabedoria foi cristalizada em regras deterministas inflexíveis. Pode-se esquecer tais regras por um tempo, agir como se estivesse bêbado e permitir algo irregular. Os erros dos iconógrafos devem ser respeitados. O famoso artista Soutine distorcia o rosto humano e as casas. Ele conseguia representar uma vila com casas curvadas. É o olho que deve ser claro, especialmente a íris.

Pessoalmente, introduzi o elemento do instantâneo na iconografia, embora a iconografia vise retratar o que é eterno. Como, então, o instantâneo poderia ser introduzido? Deus é eterno. Mas eu, como ser humano, sou mutável. O olhar pode ser excêntrico. Por exemplo, quando a Mãe de Deus está abaixo da cruz e observa a crucificação de Seu Filho, Ela diz: "Eu mantive tudo o que Tu disseste como divino, e agora Te observo morrendo! Mas acredito que és realmente o Filho de Deus." Para retratar tais momentos, é necessário o expressionismo. Isso não significa uma careta expressionista, como na arte de Edvard Munch, porque isso poderia nos levar a um elemento demoníaco. O pintor de ícones jamais poderia desejar introduzir o elemento demoníaco na iconografia. Mas pensemos no estado da Mãe de Deus quando foi evangelizada pelo arcanjo Gabriel. Ela era apenas uma jovem de dezessete anos. O arcanjo Gabriel Lhe disse que Ela daria à luz o Filho de Deus, ao que Ela respondeu: "Sou a serva de Deus. Seja feita a Tua vontade!" Ela era uma mulher, uma jovem devota a Deus e desejava cumprir a vontade divina.

Como vivemos na atual era secular, não podemos dizer o que os santos observam em suas visões. Mas podemos testemunhar a transformação santa em seu rosto e corpo. Edgar Allan Poe descreveu a situação de um homem que certa vez caiu em um furacão. Seu cabelo ficou branco e seus olhos estavam retorcidos. Se Deus foi revelado a São Porfírio, então o santo está transformado e tem algumas feições maravilhosas. O que é isso? Podem ser suas bochechas inchadas, expressando sua alegria eterna. São Porfírio disse certa vez que o estado de um homem que está no paraíso lhe foi revelado por Deus. Este é um estado de alegria incomparável a qualquer tipo de alegria mundana. É isso que chamo de elemento "visionário". Também retratei São Nectário de Egina. Não o retratei como semelhante à sua fotografia. Retratei-o como uma criança faria, como uma criança pequena que pega seus lápis de cor, confiante em si mesma. Em outra ocasião, fiz uma caricatura de uma figura com uma pena e a chamei de “o Moicano”. O visionário consiste em pintar algo não como ele é naquele momento histórico específico, mas como ele é formado por meio de uma transfiguração divina.

Na linguagem pictórica, isso se expressa pelo caráter paradoxal das cores e pela distorção das formas. Distorção não deve ser entendida no sentido de terror. Não se deve ficar aterrorizado ao ver um santo. Mas, por exemplo, se em algum momento, quando você foi repreendido na escola, seu pai lançou um olhar específico para você, isso é algo diferente do que normalmente acontece. Da mesma forma, um ícone de São Nectário deve ter algo diferente de sua foto, que retrata o estado mortal da existência. A vida eterna é a transcendência do determinismo absoluto das leis naturais. Todos nós queremos voar, mas caímos. Todos nós queremos atravessar paredes, mas quebramos nossas cabeças. O Cristo ressuscitado é Aquele Que conseguiu atravessar as portas fechadas. Um iconógrafo deve se esforçar para representar isso: a condição do Cristo ressuscitado que cruzou as portas fechadas. O ícone de Cristo é cheio de luz; tem uma estrutura de luz. A testa, o nariz e as maçãs do rosto são estruturados pela luz. Tudo o que existe participa da luz. Isso é algo muito diferente da situação em que Cristo está sob uma árvore e a sombra cobre metade de Seu rosto.

Há também algumas linhas chamadas "psimítia", que são como os raios emitidos pelo rosto de Cristo na Transfiguração quando brilhava como o sol. Como se pode olhar para um homem que brilha como o sol? Isso deveria ser retratado de uma forma diferente de ser iluminado por um holofote. E, no entanto, há algo semelhante. A luz santa incide sobre Cristo e O faz brilhar. Esta é a condição do homem transfigurado.

A questão em jogo é a diferença entre a fotografia, que retrata o instante, e o ícone. A fotografia mostra o exterior do rosto e sua harmonia; essa é a razão entre o comprimento e a largura do rosto, o tamanho dos olhos, etc. O ícone afugenta as sombras. O rosto de Cristo ou do santo não pode estar na escuridão. O pintor de ícones tenta retratar uma visão de seres que não são observados como tais na vida cotidiana. Este é um risco significativo porque a figura não deve ser apenas extática. É, em vez disso, uma alteração divina como a sofrida por Cristo no momento em que foi iluminado com a luz divina incriada no Monte Tabor. Segundo o Evangelho, Seu rosto brilhou como o sol, e a humanidade genuína foi revelada em Sua pessoa. Naquele momento, Cristo era inocente. Nós não somos assim. Por exemplo, quando o professor pede a um aluno que lhe entregue um livro, este pode ter uma expressão servil. Quando Cristo estava em contato com Seu Pai e brilhava devido a essa relação, não havia n´Ele qualquer pretensão.

Por essa razão, falamos de "apofatismo". Não se pode dizer: "Ele era alto, ele era baixo, ele era assim, ele era ruivo, etc." Mas falamos de maneira apofática: "Ele era imprevisível, Ele era transcendente, Ele era uma surpresa contínua". Os Padres desenvolveram essa linguagem apofática, segundo a qual Deus é invisível, ilimitado, etc.

Meu problema é, por exemplo, como pintar uma mulher sem a pretensão que encontramos em modelos: uma mulher da minha aldeia ou do meu bairro que não tenha pretensão. Amor significaria, então, uma relação com um ser humano que é única e irrepetível, independentemente de propriedades objetivas. Posso amar um ser humano que não seja belo ou moral. Isso acontece muitas vezes. Ama-se um homem que se revela perverso. Estamos interessados na humanidade desse ser humano, na falta de astúcia. Uma criança que diz: "Mamãe, eu não comi o bolo", não tem nenhuma astúcia. O apofatismo se esforça para expressar essa falta de astúcia e pretensão.

O homem é único e irrepetível na medida em que é uma imagem de Deus. Quando um homem se torna egoísta, competitivo com os outros ou se esforça para se tornar um deus por suas próprias forças, ele perde sua humanidade. E a encontra novamente quando olha para a pessoa que ama como um ser único e irrepetível. Ele diz: "Eu te amo", significando: "Eu te amo como você é". Se uma bela moça tem muitos admiradores, mas algo acontece com seu rosto, e ela se torna feia e abandonada, ela choraria e diria: "Eu pensei que eles estavam vindo por minha causa e não por causa dos meus lindos olhos".

Os santos veem Cristo como um Homem sem mentira ou pretensão. A diferença entre Deus e o homem é que o homem tem muitos tipos de mentiras dentro de si, como quando fingimos. A morte é a maior mentira. Alguém pode dizer que é forte e, em outro momento, pode cair ou desmaiar. Não se pode explicar como isso pode ser retratado. Por exemplo, o Pantocrator parece, por um lado, ser um homem muito forte e, por outro, muito atencioso com quem o observa. Tento mostrar o mesmo em ícones, retratando um santo curvado sobre os fiéis. Creio que isso nos fornece alguns critérios para comparar o presente da fotografia com a eternidade do ícone. É crucial que o pintor tenha vivido o que descreve e seja simples de espírito. Na iconografia, as roupas e as linhas do rosto são simples.

Como eu disse no início, as roupas e as linhas do rosto devem ser simples. Os olhos devem ser sem pretensão e suas íris devem estar olhando para nós. Isso se expressa de duas maneiras: por um lado, através do esboço e das linhas, e por outro, através da cor e da luz. A luz incide sobre o rosto de Cristo. Assim, o nariz projeta uma sombra na bochecha, e o queixo e a barba de Cristo projetam uma sombra na garganta. Isso significa que alguém de fora oferece a Cristo Sua luz. É Deus Pai que brilha sobre Seu Filho. Ele transcende o universo, embora seja Onipresente dentro d´Ele. Ele está acima de tudo e fora de tudo, mas, simultaneamente, Ele entra na história e brilha sobre Seu Filho porque O ama. Ao lado de Seu Filho, Ele ama todo ser humano. Portanto, o santo deve ter as características de Cristo.

Há, portanto, o seguinte movimento. Um brilha sobre o outro, e o santo iluminado agora brilha sobre os fiéis que o veneram. Quando olhamos para a Mãe de Deus, o Cristo, ou São Nectários, todos eles estão cheios de luz. É isso que a Igreja tenta manifestar: o mistério da iconografia, ou seja, a relação entre as pessoas. Nada é sem relação. Cristo visitou os campos, o mar e os barcos de Seus discípulos analfabetos. Ele estava cheio de amor. Diz-se que tinha um amor extremo por João, Seu discípulo amado. E os discípulos O amavam de volta. Pedro declarou que estava pronto para cair no fogo por Ele, mas Cristo o alertou sobre sua futura traição. Mas todos os discípulos cumpriram seus juramentos de amor posteriormente, já que quase nenhum apóstolo morreu de causas naturais.

Na iconografia, o amor se expressa através da luz. Isso não é apenas um simbolismo. É uma presença imediata. O Pai ama Seu Filho e brilha sobre Ele. O Filho ama o homem e brilha sobre ele. Podemos relacionar isso aos nossos sentimentos: quando sua mãe ou qualquer pessoa amada o ama, ela lhe traz alegria. Quando ela é indiferente, ela lhe traz tristeza. O que é alegria nos sentimentos humanos se expressa não apenas por meio de símbolos, mas por uma maneira de pintar a respeito da condição divina. Essa maneira de pintar é relativa à luz. Primeiro, pinta-se uma camada escura, o "proplasmos", e depois usam-se cores mais claras para as bochechas, o nariz, etc. A luz dá existência a seres inexistentes. O metropolita Ioannis de Pérgamo (Zizioulas) disse que a escuridão do proplasmos é o não-ser antes de Deus criar o universo. A luz, equivalente ao amor de Deus, diz: "Haja um homem". "Haja Adão e Eva" forma um tipo de pintura sem espaço para a morte. Do ponto de vista pictórico, temos o que se pode dizer em francês, "pleines formes", referindo-se especialmente às mãos e aos pés. As formas são redondas. Tudo é iluminado. Nada está nas sombras. Todos estão de pé diante das casas. Na Última Ceia, mostra-se a casa onde ela ocorreu, mas a mesa com o Senhor e os discípulos é como estar diante dela, numa espécie de pátio. Pode-se dizer que a luz expressa uma espécie de amor mútuo. As casas e as árvores são iluminadas. Observe as árvores na imagem, no ícone da Ascenção, por exemplo, ou no ícone da oração de Jesus no Getsêmani, que acontece no Monte das Oliveiras. Cada pequena folha é iluminada, mas a árvore em sua totalidade também é iluminada.

Dessa forma, a natureza tem um papel preponderante ao ser iluminada. Isso é criado pela cor. As sombras também são coloridas. Você já pensou nisso? O movimento impressionista descobriu isso em 1880. Mas a arte cristã já o conhecia desde os ícones do século IV, quando Constantino, o Grande, permitiu a construção de igrejas e a produção de mosaicos em Ravena e Santa Maria Maggiore. Esta é uma luz sem fim. Não há pôr do sol; a luz brilha sobre tudo para sempre.

Se me for permitido formular isso de forma extrema, eu poderia dizer: "Não há desenho". Dê-me um quadro-negro e posso criar a forma do santo iluminando tanto o ambiente quanto o interior. No entanto, algum exercício é necessário, visto que todo iconógrafo continua sendo um retratista. Ele está desenhando o retrato de Cristo. Mas este é um retrato após a Ressurreição. Não era um retrato no momento da Crucificação, quando Cristo estava em sangue, perdendo Sua luz e exclamando: "Meu Deus, por que Me abandonaste?". Pelo contrário, o iconógrafo retrata Cristo no momento da glória divina, tanto no Tabor quanto na Ressurreição. Em seus exercícios de desenho, em seus esboços, o iconógrafo pintará você ou outra pessoa e, assim, usará sombras e as leis relativas da natureza. Mas quando ele tentar elevar você ao nível da semelhança divina, ele tentará mostrar como você é igual a Deus e, portanto, brilhante como Cristo. Os anjos que estavam presentes no túmulo de Cristo e moveram a pedra tinham vestes brilhantes como relâmpagos.

O exercício de desenho é apenas uma etapa. O iconógrafo pode observar alguns modelos. Os especialistas dizem que os antigos gregos não usavam modelos. As estátuas tinham todos os detalhes de forma idealizada. A divindade era identificada com o ideal da forma. Mas esses ideais apontavam para o passado, para a beleza que existe desde tempos imemoriais. No Cristianismo, Cristo é a surpresa absoluta, enquanto filósofos antigos como Sócrates se concentravam no presente e no passado. Por exemplo, pode-se ver a estação de ônibus, a saída de duas pessoas no porto ou a dança em uma festa. Quando eu era jovem, em uma festa em Tambouria, Pireu, abri uma porta e vi um burro. Eles tinham um burro fechado em uma sala, e enquanto dançávamos, o burro nos olhava com olhos humildes. Isso me fez pensar no burro que foi apresentado ao ícone sagrado do Nascimento de Cristo quando a Mãe de Deus O segurava em seus braços. Até o burro participa da luz divina. Esta é uma luz estrutural, isto é, uma luz que carrega as formas. Eu poderia fazer mil desenhos com meu lápis para descobrir a particularidade de cada pessoa. Precisamos disso nesta vida temporária. Mas o ícone nos leva para a outra vida. Isso significa que pegamos o desenho e colocamos luz na testa, no nariz, etc., e assim transformaremos o desenho em uma espécie de pintura estruturada pela luz.
O ritmo não é criado por eixos. O ritmo é formado pela luz incriada que cria toda a criação, incluindo o passarinho no galho da árvore, a folhinha, o ladrilho no pátio, a água no riacho, a figura do Pai e o rosto do santo. Isso expressa toda a criação e o homem em seu auge. Expressa o amor de cada pessoa pela outra, um amor que torna cada pessoa única e irrepetível. Por isso, Cristo nunca deixa de nos amar, mesmo quando cometemos o maior crime. Ele até levou o ladrão arrependido ao paraíso. Sempre há esperança, e nunca se deve dizer que Ele está sozinho.

Atenas, 11 de setembro de 2023

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