Riqueza e Vocação: Caminhos de Santidade e Perdição na História da Igreja Ortodoxa
THEODORE El-Ghandour, Bispo
Vigário Patriarcal Antioquino para o Rio de Janeiro
Vigário Patriarcal Antioquino para o Rio de Janeiro
Na história da Igreja encontramos exemplos luminosos de homens e mulheres que, tocados pelo chamado de Deus, deixaram atrás de si toda segurança material para abraçar a vida segundo o Evangelho. Mas também encontramos, com dor, histórias daqueles que, tendo recebido o convite divino, não conseguiram desprender-se do apego às riquezas e acabaram afastando-se da vocação.
A Sagrada Escritura já nos alerta: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6,21). Esta verdade se confirmou repetidas vezes na vida dos santos e na experiência pastoral da Igreja.
Santos que deixaram a riqueza por Cristo incluem:
• São Antônio, o Grande († 356)
Nascido no Egito em família de posses, Antônio ouviu no templo a leitura do Evangelho: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me” (Mt 19,21). Tomando estas palavras como dirigidas diretamente a ele, distribuiu sua herança aos pobres e retirou-se para o deserto, tornando-se o pai do monaquismo cristão.
• Santa Catarina de Alexandria († início do séc. IV)
De nobre e rica família, extremamente instruída, renunciou a todas as honras e bens para seguir Cristo, confessando-O publicamente diante do imperador. Seu testemunho e martírio mostram que a maior glória não é a riqueza terrena, mas a união com o Senhor.
• São João, o Misericordioso († 619)
Patriarca de Alexandria, herdou vasta fortuna familiar. Ao assumir o patriarcado, distribuiu tudo aos pobres e fez da sua vida um contínuo ato de caridade, sustentando órfãos, viúvas e necessitados, convencido de que a verdadeira riqueza é servir a Cristo nos irmãos.
• Santo Arsênio, o Grande († 449)
Educador dos filhos do imperador Teodósio, viveu cercado de luxo e influência. Ao ouvir a voz de Deus chamando-o à vida de silêncio e oração, abandonou tudo e foi ao deserto, onde viveu em extrema pobreza e oração constante.
A Igreja também preserva, como advertência, histórias daqueles que não conseguiram desapegar-se:
• O jovem rico do Evangelho (Mt 19,16-22)
Embora não seja uma figura posterior à Igreja primitiva, ele é um ícone universal do perigo do apego aos bens. Jesus o chamou a vender tudo e segui-Lo, mas ele “retirou-se triste, porque possuía muitos bens”. Na Tradição Ortodoxa, este episódio é lembrado para alertar que a riqueza, quando amada acima de Deus, se torna uma prisão.
• Ananias e Safira (At 5,1-11)
Membros da primeira comunidade cristã, venderam um campo, mas retiveram parte do valor, mentindo ao Espírito Santo. Sua ganância não apenas os afastou da graça, mas trouxe juízo imediato. É um testemunho dramático de que a mentira e o apego aos bens podem destruir a vida espiritual.
• Histórias monásticas de vocações perdidas
Em crônicas antigas do Monte Athos e dos desertos da Palestina, há relatos de jovens de famílias ricas que ingressaram na vida monástica, mas abandonaram o chamado ao receberem notícias de heranças ou negócios lucrativos. Essas histórias, preservadas nos apoftegmas, lembram que a vocação exige perseverança e renúncia total.
Na nossa tradição ortodoxa, a riqueza não é, em si mesma, um mal. Muitos santos a possuíram e a usaram para a glória de Deus e para socorrer os necessitados. O perigo reside no apego, quando o coração se torna escravo dos bens, e não seu administrador.
São João Crisóstomo ensina: “Não é a riqueza que nos prejudica, mas o seu mau uso; não é a pobreza que nos santifica, mas a humildade e a caridade que nela florescem.”
O chamado de Deus é sempre maior que qualquer tesouro terreno. Aqueles que souberam renunciar à riqueza para seguir Cristo descobriram uma liberdade e uma alegria que o ouro não pode comprar. Já os que preferiram as seguranças desta vida perderam não apenas a vocação, mas muitas vezes a paz da alma.
A história da Igreja Ortodoxa é um grande espelho para nós. Santos como Antônio, Catarina, João e Arsênio mostram que a renúncia abre as portas do Céu. Mas o jovem rico, Ananias, Safira e outros exemplos esquecidos lembram-nos que o apego pode sufocar a semente da vocação.
Hoje, como ontem, a pergunta permanece: o que estamos dispostos a deixar para seguir Cristo?
12.08.2025
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