O QUE É O PECADO IMPERDOÁVEL?

FARLEY Lawrence, Sacerdote
tradução de monja Rebeca (Pereira)



Suponho que não seja o único sacerdote a quem seus paroquianos frequentemente perguntam qual é o pecado imperdoável mencionado por Cristo no Evangelho. É verdade que isso pode soar um pouco alarmante, especialmente para consciências sensíveis. Cristo disse que “todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada” (Mateus 12:31) e, naturalmente, dadas as terríveis consequências eternas, os cristãos devotos querem saber qual é o pecado para que possam evitá-lo. Alguns temem tê-lo cometido e ficam, com razão, angustiados. Então, qual é esse pecado terrível para o qual não pode haver perdão, nem nesta era nem na era vindoura?

Para compreender as ideias cristãs sobre pecado e perdão, é importante localizar esses conceitos no Judaísmo do primeiro século. O pecado contra Deus trazia culpa e, com ela, o julgamento divino. Consequentemente, o pecado era frequentemente considerado a base da catástrofe, de modo que, se uma pessoa vivenciasse a catástrofe de nascer cega, por exemplo, presumia-se que o pecado de alguém a causaria. Daí a pergunta dos discípulos ao verem um homem que nasceu cego: "Quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" (João 9:2). Ou quando a torre de Siloé caiu sobre dezoito homens e os matou, presumiu-se popularmente que aqueles sobre os quais essa catástrofe caiu deviam ser piores pecadores do que outros para terem sofrido tal destino (Lucas 13:4). Às vezes, pecado e julgamento estavam de fato interligados, de modo que Cristo disse ao paralítico a quem havia curado que "não pecasse mais, para que nada pior lhe acontecesse" (João 5:14), mas tal entrelaçamento de causa e efeito não poderia ser presumido sempre. A vida é repleta de mistérios além da nossa compreensão, e a causa e o efeito divinos são um deles.

No entanto, como pecado e julgamento eram frequentemente considerados como andando juntos, os devotos tinham o cuidado de se arrepender de seus pecados e orar pelo perdão de Deus. Recebeu-se tal perdão por meio da oferta de sacrifícios no Templo, da doação de esmolas aos pobres e da oração longa e fervorosa por perdão. Mas a certeza do perdão não podia ser presumida antecipadamente. Fez-se o melhor que se pôde e esperou-se que Deus fosse misericordioso, mas não havia garantias. E Deus às vezes declarou publicamente que jamais perdoaria um pecado, não importa o que acontecesse. Tomemos como exemplo a negligência pecaminosa de Eli, o sumo sacerdote, que se recusou a conter seus filhos enquanto abusavam de seu ofício sacerdotal: Deus disse: "Juro à casa de Eli que a iniquidade da casa de Eli não será expiada por sacrifício ou oferta para sempre" (1 Samuel 3:14). Como eu disse: sem garantias.

É nesse contexto que precisamos encarar a garantia de Cristo quanto ao perdão divino para os pecadores. Agora, havia garantias. De fato, se alguém se tornasse Seu discípulo, tinha a garantia de liberdade, perdão e vida eterna. Até mesmo os inimigos de Cristo entenderam Sua mensagem: Disseram-lhe: "Tu dizes: Se alguém guardar a Minha palavra, nunca verá a morte" (João 8:52). Eles próprios não acreditavam, mas entendiam o que Ele estava prometendo com bastante clareza. Agora, por meio de Cristo, Deus oferecia anistia, perdão e vida a qualquer um que viesse, independentemente de seus pecados, independentemente de seu histórico, independentemente de seu passado. Era como se uma inundação de perdão, um tsunami de graça, estivesse vindo sobre o mundo.

A generosidade universal era o ponto central de muitas de Suas parábolas. “O Reino dos Céus é semelhante a uma rede lançada ao mar, que apanhou peixes de toda espécie” (Mateus 13:47). A rede na parábola é uma rede de arrasto — uma rede que coletava tudo o que estava no mar, até mesmo os peixes ruins. A rede levava tudo e não excluía nada. Isso não significava que todos finalmente entrariam no Reino — é por isso que Cristo continuou falando dos peixes capturados na rede sendo separados em bons e maus assim que a rede fosse puxada para a praia, e dos peixes ruins sendo jogados fora (v. 49-50). Mas todos os peixes do mar foram capturados na rede da oferta de Deus. Prostitutas e cobradores de impostos, criminosos de guerra e abusadores de crianças — todos poderiam ser perdoados e entrar no Reino caso se arrependessem e seguissem a Cristo em uma nova vida justa. Ninguém era excluído se respondesse com arrependimento. Isso era de fato “alegria para o mundo”. A boa notícia é que todas as pessoas poderiam voltar para casa, independentemente do que tivessem feito.

Então, por que um pecado foi declarado imperdoável? E qual é esse pecado? O contexto da declaração de Cristo o revela: o pecado contra o Espírito Santo é o pecado de rejeitar a Cristo como um enganador blasfemo. Os fariseus viram os milagres de Cristo e Seus exorcismos espetaculares. Eles não podiam negar a realidade dos exorcismos; apenas diziam que Ele só podia fazer tais coisas porque estava em conluio com Satanás. "Este homem expulsa demônios somente por Belzebu, príncipe dos demônios" (Mateus 12:24). (Observe de passagem a malevolência e o ódio deles por Jesus: eles nem conseguem dizer o Seu Nome. Ele é "este homem".) Isso não é apenas uma calúnia contra Jesus, mas contra o próprio Espírito de Deus, pois declara que o Espírito Santo por meio do qual Jesus expulsava demônios (Mateus 12:28) era um espírito imundo. Os inimigos de nosso Senhor estavam, de fato, se opondo a tudo o que Deus estava fazendo, rejeitando Seu Reino vindouro como um engano e uma fraude. Esse Reino era o único lugar onde a graça e o perdão fluíam para o mundo, de modo que, ao continuarem a rejeitar o Reino, rejeitavam com ele a única fonte de perdão. A blasfêmia contra o Espírito Santo não era imperdoável no sentido de que Deus se recusava a perdoar aqueles que se arrependiam dela, mas porque, ao persistirem nesse pecado, eles se excluíam da possibilidade de perdão. Jesus não era simplesmente mais um mestre judeu. Ele era o Filho eterno do Pai, de modo que vê-Lo era ver o Pai (João 14:9), e rejeitá-Lo era rejeitar o Pai. É por isso que rejeitar Jesus como demoníaco exclui o perdão, pois envolvia rejeitar o próprio Deus.

A ironia pastoral de tudo isso, é claro, é que qualquer cristão que pergunte a um padre, com tremor, se ele cometeu ou não o pecado imperdoável não pode tê-lo cometido, pois a pergunta prova que quem a faz ama Jesus e teme separar-se d´Ele. Que tais almas devotas não temam nada. Elas claramente foram capturadas na rede dos pescadores, junto com outros peixes. Que perseverem em sua devoção e tenham a certeza do perdão final.




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