Criando-os corretamente - Conselhos sobre a formação de crianças (parte 4)

SÃO TEÓFANO, O RECLUSO



A Criança em Desenvolvimento

O espírito da criança não tem movimento nos primeiros dias, meses ou até mesmo nos primeiros anos. É impossível comunicar-lhe qualquer coisa para que ela assimile pelos meios usuais de comunicação, mas pode-se influenciá-la por outro meio.


Há um certo meio especial de comunicação entre almas, pelo coração. Um espírito influencia outro por meio de sentimentos. A facilidade de exercer tal influência sobre a alma de uma criança, está em proporção direta da plenitude e profundidade dos sentimentos dos pais pela criança.

 

A Centralidade dos Pais

O pai e a mãe agem como se fossem desaparecer na criança e põem toda sua alma no bem-estar dela. E se o espírito dos pais é penetrado com piedade, não é possível que, deste modo, de alguma maneira, a alma da criança não seja influenciada.


O melhor agente condutor nesse respeito são os olhos. Enquanto nos outros sentidos a alma permanece escondida, os olhos abrem-se aos outros. Eles são o ponto de encontro de uma alma com outra. Que os olhos sejam usados para transmissão de santos sentimentos das almas do pai e da mãe para a alma da criança. Essas almas não podem ajudar a alma da criança, mas podem ungi-la com esse óleo sagrado.


É necessário que no olhar dos pais haja não só amor, o que é tão natural, mas também a fé de que em seus braços encontra-se mais do que uma simples criança. Os pais devem ter a esperança de que Aquele que pôs esse tesouro sobre seus cuidados como um vaso de graça, venha a fornecer-lhes também meios suficientes para preservá-lo. Finalmente deve existir oração incessante feita no espírito, gerada pela esperança decorrente da fé.


Quando, desse modo, os pais protegem o berço de sua criança, com esse espírito de sincera piedade, colocando-a, ao mesmo tempo, nas mãos do anjo da guarda e dos Santos Mistérios da completa vida em Igreja , agindo nela interna e externamente, tudo isso formará em torno do recém-nascido uma atmosfera espiritual, na qual será gerado seu caráter, da mesma forma que o sangue, princípio da vida animal, tem derivadas muitas de suas características da atmosfera circundante.


É dito que um frasco novo preserva, por muito tempo, às vezes permanentemente, o odor do que tenha sido posto nele. O mesmo pode ser dito sobre a atmosfera que circunda a criança. Ela penetra de modo doador de graça e salvador nas formas de vida que estão sendo estabelecidas na criança e coloca seu selo sobre a mesma. Existe também aqui uma proteção que não pode ser penetrada pela influência dos espíritos malignos.


Tendo começado desse modo, desde o berço, deve-se continuar posteriormente, durante todo o período de desenvolvimento da criança: na infância, na adolescência e na juventude. A Igreja, sua vida e os Santos Mistérios são como um tabernáculo (tenda) para as crianças, e elas deveriam estar sob ela sem deixá-la.


Os exemplos indicam quão salvífico e frutuoso é isso (como as vidas do profeta Samuel e de São Teodoro Sikioto - Abr’. 22; e outros). Esses meios podem, sozinhos, substituir todos os outros meios de criação, e, na verdade, assim foi feito em muitos casos com sucesso. O antigo método de criação consistia básica e precisamente nisso.


Quando os poderes de uma criança começam a despertar, um após outro, os pais e outros que as estejam criando devem dobrar sua atenção, pois, ao mesmo tempo em que, sobre a influência dos meios que foram indicados, o amor de Deus crescerá nelas e dirigirá seus poderes para Ele, o pecado que nelas permanece, também não dormirá, e tentará tomar posse desses mesmos poderes.


A conseqüência inevitável desse fato é uma guerra interna. Desde que as crianças são incapazes de conduzirem-se por si próprias, seus lugares devem ser, compreensivelmente, tomados pelos pais. Visto que essa guerra deve ser conduzida pelos poderes das crianças, os pais devem observar, atentamente, os primeiros movimentos do despertar desses poderes, para que possam, desde o primeiro minuto, dar a eles um direcionamento harmônico com o objetivo principal para o qual devem ser dirigidos.


Assim começa a guerra dos pais com o pecado que habita na criança. Apesar desse pecado não dispor de ponto de apoio, mesmo assim age, e, para encontrar um ponto bom para descansar, tenta tomar posse dos poderes do corpo e da alma. Não se deve permitir que o pecado consiga esse ponto, porém se deve arrancar esses poderes da mão do pecado e dá-los a Deus.


A fim de que isso seja feito com bom fundamento e com conhecimento racional da confiabilidade dos meios que foram escolhidos, deve-se deixar claro para si próprio o que o pecado deseja, o que o alimenta, e como, precisamente, ele se apossa de nós. As coisas fundamentais que despertam e dirigem alguém para o pecado são: arbitrariedade da mente (ou curiosidade) com relação às faculdades mentais; vontade própria com relação à faculdade da vontade, e prazeres com relação à faculdade dos sentidos.


Dessa forma, deve-se dirigir e conduzir os poderes em desenvolvimento da alma e do corpo de maneira a não entregá-los ao cativeiro dos prazeres centrados em si mesmo. Estes são cativeiros pecaminosos. Ao contrário, deve-se treinar a criança em como separar-se desses carcereiros e como dominá-los, e , tanto quanto possível, torná-los impotentes e inócuos. Essa é a coisa mais importante no início da criação de uma criança. Toda criação posterior poderá ser colocada em harmonia com esse início. Olhemos, de novo, agora com esse enfoque, as principais atividades do corpo, da alma e do espírito.


Necessidades Físicas

Em primeiro lugar, são despertadas as necessidades do corpo e, desde então, permanecem em estado constante de viva atividade até a própria morte. É essencial que se as coloque dentro de seus próprios limites e que se dê a elas a força do hábito, de maneira a mais tarde, ter-se menos perturbações delas provindas.


Alimentos

O primeiro requisito para a vida do corpo é o alimento. Com relação à moralidade, está aí a sede da paixão pelos prazeres da carne, ou a arena para a nutrição e desenvolvimento do corpo. Assim, deve-se alimentar a criança de maneira que, desenvolvendo a vida do corpo, fornecendo-lhe força e saúde, não se inicie em sua alma os prazeres da carne.


Não se deve considerar que a criança é pequena (e por isso não precisa dessa preocupação). Desde os primeiros anos, deve-se começar a restringir a carne que tem inclinação por crua materialidade. Faz-se necessário treinar a criança para a sua não dependência pela carne, para que, na adolescência, juventude e nos anos que se seguirem, ela possa, com facilidade e voluntariamente, ter controle sobre suas necessidades.


A primeira tentativa feita é muito importante. Muito do que acontece, subseqüentemente, depende de como alimentar a criança. Sem que se note, podemos nela desenvolver o gosto pelo prazer e imoderação no comer, que são as duas formas do pecado de glutoneria - as duas tendências que podem surgir com o comer e que são tão ruidosas para o corpo e para a alma.


Por isso, até mesmo médicos e professores aconselham:

1.     Que se selecione um alimento saudável e adequado, de acordo com a idade da criança. Um alimento é adequado para um bebê, outro para uma criança, outro, ainda, para um adolescente e para um jovem adulto.

2.     Sujeitar o uso de alimentos a regras definidas (também adaptadas à idade), nas quais deveriam estar definidos os horários, as quantidades e os modos de alimentação.

3.     Não afastar-se dessas regras estabelecidas sem necessidade. Desse modo a criança é treinada a não pedir comida sempre que, a qualquer momento, queira comer, mas a esperar pelo horário determinado. Aqui encontram-se as primeiras tentativas de exercitar-se alguém em negar seus próprios desejos.

Quando uma criança é alimentada toda vez que chora, e toda vez que pede para comer, ela é tão enfraquecida por isso, que, mais tarde, não conseguirá recusar comida, a não ser com grande sofrimento. Ao mesmo tempo, isso acostuma a criança a ter atendida a sua vontade, pois ela vai tendo sucesso em conseguir tudo que ela pede ou chora por.


O sono também deve ser submetido a medidas equivalentes, bem como o aquecer e o refrescar e todos os outros confortos que são necessários na criação de alguém, tendo-se, sem engano na mente, não incendiar a paixão por prazeres sensuais, mas treinar a criança a negar-se. Isso deve ser observado, estritamente, durante todo o período de desenvolvimento da criança, obviamente adaptando-se às regras e suas aplicações às circunstâncias e idades, mas não em sua essência, até que a criança estando com essas regras, firmemente estabelecidas, pegue-as em suas próprias mãos.


Movimento

A segunda função do corpo é o movimento. Seu órgão são os músculos, nos quais residem o poder e a força do corpo: os recursos para o trabalho. Em relação à alma, é a sede da vontade, e facilmente desenvolve a vontade própria. O desenvolvimento controlado e sensível dessa função, dando ao corpo estímulos e animação, treina alguém para o trabalho e forma o hábito da estabilidade.


Ao contrário, um desenvolvimento instável e irregular deixado à vontade da criança, desenvolve em algumas a hiperatividade e a desatenção. Em outra, lentidão, falta de vida, indolência. Nas primeiras, vontade própria e desobediência tornam-se lei. Ligada a isso podem ser encontradas: agressividade, cólera e irrestrição nos desejos próprios. No segundo caso, permanecem imersas na carne, dadas aos prazeres sensuais.


Por isso, deve-se ter em vista que, ao reforçar-se os poderes do corpo, não se deve inflamar a vontade própria destruindo-se o espírito por conveniência da carne. Para evitar isso, as coisas mais importantes são moderação, um programa definido e supervisão. Permitamos que a criança brinque, mas seja no lugar, na hora e do modo que forem indicados a ela.


A vontade dos pais deve ser impressa em cada passo, obviamente de maneira geral e não detalhada. Sem isso, o comportamento da criança pode ser facilmente corrompido. Depois de agradar-se, de acordo com sua vontade própria, a criança sempre fica resistente a obedecer mesmo nas menores coisas. Se isso acontece, mesmo que só em ocasiões isoladas, o que dizer então se essa questão da atividade corporal for inteiramente negligenciada? Como será difícil, mais tarde, desenraizar a vontade própria, que tão rapidamente instala-se no corpo como em uma fortaleza! O pescoço não se dobrará, as mãos e os pés não se movimentarão e os olhos nem mesmo desejarão olhar como foram instruídos.


Ao contrário, uma criança torna-se pronta a obedecer a qualquer tipo de ordem quando, desde o início, não se dá total liberdade a seus movimentos. Além disso, não existe melhor treinamento para sentir-se mestre do próprio corpo, do que forçá-lo a movimentar-se de acordo com ordens.


Sentidos

A terceira função do corpo são os nervos. Dos nervos vêm os sentidos, que podem ser os meios de observação, ou então alimento para a curiosidade, normalmente com mais ênfase na segunda hipótese. Falaremos aqui do propósito geral dos nervos como o centro da sensualidade do corpo, ou da capacidade de receber impressões externas que são desagradáveis para ele.


A esse respeito, deve-se tornar uma regra treinar o corpo a suportar todo o tipo de influência externa sem infortúnio, seja do ar frio, água, mudança de temperatura, calor, frio, dor, ferimentos e assim por diante. Aquele que tiver adquirido tal hábito é o mais afortunado dos homens, capaz das ações mais difíceis em qualquer tempo e em qualquer lugar. A alma, em tal homem, é a senhora total do corpo. Ao contrário, virar-se-á com um certo desejo para aquelas coisas que podem trazer perigo para o corpo. Isso é muito importante.


O pior mal para o corpo é amá-lo e comiserar-se por ele. Isso leva embora toda autoridade da alma sobre o corpo e torna-a escrava dele. Por outro lado, alguém que não tente preservar excessivamente o corpo, não será perturbado em qualquer coisa que faça, pela apreensão nascida de um amor cego pela vida. Quão afortunado é aquele que é treinado desde a infância!


Aqui é o ponto para conselhos médicos sobre o banho, horas e locais para andar e vestir. A coisa mais importante é manter o corpo não em um estado em que ele receba só impressões agradáveis, porém, ao contrário, mantê-lo mais sob a impressão daquelas coisas que lhe causem perturbação. Recebendo impressões agradáveis, o corpo regala-se, mas recebendo impressões desagradáveis ele é fortificado. Na primeira condição, a criança torna-se temerosa de tudo. Na outra, fica pronta para qualquer coisa e é capaz de continuar, pacientemente, o que tenha começado.


Tal atitude para com o corpo é prescrita pela ciência de educar crianças. Aqui, só indicaremos como esses conselhos são úteis, também para o desenvolvimento da vida cristã, porque o seu seguimento zeloso, protege da entrada na alma do veneno maligno dos prazeres sensuais, da vontade própria, do amor pelo corpo e da auto-comiseração e forma na criança as disposições que são opostas a estas. Em geral, treina a criança a ser a mestra de seu corpo e não ficar submissa a ele. Isso é muito importante na vida Cristã, que, por sua natureza, é distante da sensualidade e de todo tipo de prazer da carne.


Deste modo, não deveríamos deixar à decisão arbitrária o desenvolvimento do corpo das crianças, mas mantê-lo sob disciplina estrita desde o primeiro momento, até que, mais tarde, ele possa ser dado nas mãos da própria, como um órgão já adaptado à vida cristã e não hostil a ela.


Aqueles pais Cristãos, que amam verdadeiramente suas crianças, não devem procurar preservar nada. Nem mesmo seus corações de pais, de maneira a dar essa coisa boa às suas crianças, pois do contrário seu amor e atenção ou darão poucos frutos ou serão inteiramente infrutíferos.


O corpo é o habitat das paixões, principalmente das mais furiosas, como lascívia e raiva. É também o órgão através do qual os demônios penetram na alma ou instalam-se perto dela. Não é necessário que se diga que, nesse processo, não se deve deixar fora de vista a influência da vida em Igreja e tudo o que nela afeta o corpo, pois esse próprio corpo será santificado e a vida voraz e animal da criança será refreada.


Não discutiremos tudo isso aqui. Só indicaremos o tom principal das influências sobre o corpo. A própria vida dará os detalhes para aqueles que deles precisarem. De acordo com esse contorno geral, pode-se aprender também como tratar o corpo em todas as outras fases da vida, pois a questão é a mesma em todos nós.

Junto com a manifestação das necessidades corporais, as capacidades inferiores da alma também não são lentas em se expressar. Logo a criança começa a olhar mais atentamente um objeto ou outro; um mais, outro menos, pois um lhe agrada mais, outro menos. Esses são os primeiros passos do exercício dos sentidos, após os quais seguem imediatamente um despertar da atividade de imaginação e memória. Essas capacidades colocam-se no ponto de transição entre a atividade do corpo e da alma. As duas atuam conjuntamente. Assim, o que é feito por uma, é comunicado imediatamente à outra.


Julgando pela importância que elas têm, no presente, em nossas vidas, quão bom e salutar é santificar esses primeiros passos fazendo com que eles ocorram no reino da fé.


As primeiras impressões permanecem profundamente enraizadas na memória. Deveríamos lembrar que a alma aparece no mundo, nua. Ela cresce, torna-se rica em conteúdo interno, assumindo várias formas de atividade somente mais tarde. O primeiro material, o primeiro alimento para a sua formação, ela recebe do mundo exterior, dos sentidos, através da imaginação. É evidente de per si, de que, natureza ou primeiros objetos dos sentidos e imaginação, deveriam ser, de maneira a não atrapalhar, mas, ainda mais, até mesmo ajudar a vida Cristã que ora está se formando.


É bem sabido que, da mesma forma como o primeiro alimento tem significativa influência no temperamento do corpo, também os primeiros objetos com os quais a alma se ocupa têm uma poderosa influência no caráter da alma ou no tom de sua vida.

 

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