CATEQUESES DO METROPOLITA HILARION (ALFEYEV) - III PARTE

ALFEYEV, Metropolita Hilarion
tradução de monja Rebeca (Pereira)

ETIMOLOGIA DA PALAVRA “DEUS”
Em muitas linguas, a palvra “Deus” está aparentada a diversos termos ou conceitos cuja análise, em virtude de tais relações, nos permitirá ter uma ideia sobre a natureza de Deus. Na época antiga as pessoas se esforçavam em encontrar palavras em suas próprias línguas para ajudarem a exprimir a maneira própria de representar Deus ou, melhor ainda, sua experiência da relação que tinham com Deus.


Nas línguas de origem germânica, a palavra “Deus”, God em ingles, Got tem alemão, vem de um verbo significando “cair em face contra a terra”, se prostrar. O apóstolo Paulo, deslumbrado por Deus no caminho de Damasco, arrasado por tal luz, “cai por terra (..) tremendo e tomado de espanto” (At. 9,4,6) repentinamente.


Tanto na língua russa como nas línguas de origem eslava religadas ao grupo indo-europeu, a palavra “Deus, segundo os linguistas, está aparentado ao sanscrit bhaga, que significa “aquele que enche de presentes, dispensa dons”, e que por sua vez vem de bhagas, “fortuna, bem-estar”. A palavra “riqueza”(em russo: bogatsvo) está igualmente aparentada a palavra “Deus” (em russo: Bog). Assim a representação absoluta, de beatitude, as quais por vezes não permanecem no interior da Divindade, mas se dispersam sobre o mundo, sobre as pessoas, sobre todo ser vivo. Deus nos cumula de dons, nos dispensa Seus bens pela graça de Sua plenitude, quando comungamos com Ele.


A palavra grega theos, segundo Platão, vem do verbo theein, que significa “correr”. Mas ao lado desta etimologia, São Gregório o Teólogo introduz uma outra: a palavra theos vem do verbo aithein, “alumiar, queimar, inflamar”. São João Damasceno avança ainda numa terceira etimologia da palavra theos, de theaomai, “contemplar”: pois não saberiamos Lhe ocultar nada, Seu olhar se estende a todo. Ele tudo contemplou antes mesmo que nascesse.


O nome pelo qual Deus Se manifestou aos antigos judeus, Yahweh, significa “Aquele que é”, que tem a existência, que tem o ser; ele vem do verbo hayah, ser, existir, ou ainda da primeira pessoa deste verbo, eihieh. “Eu sou”. No entanto, este verbo tem um sentido dinâmico, ele não designa simplesmente o fato de existir em si, mas um modo de ser sempre atual, uma presença viva e ativa. Quando Deus diz a Moisés: "Eu sou Aquele que é”(Ex. 3, 14), isto significa: Eu vivo, Eu estou aqui, Eu estou junto de ti. Doravante, este nome sublinha a preeminência do ser de Deus sobre o ser de tudo o que existe; trata-se do ser primário, que se contenta consigo próprio, o ser eterno, a plenitude do ser que está para além do ser.


Segundo uma antiga tradição, os judeus da era pós-exílio não pronunciavam o nome de Yavé, Aquele que é, tanto este nome fazia nascer neles um tremor sagrado. Somente o sumo-sacerdote, uma vez por ano, ao entrar no Santo dos Santos para incensar, era habilitado a pronunciar este nome. Se um homem ordinário, ou mesmo um sacerdote, no temple quisesse dizer algo concernente a Deus, ele fazia apelo a nomes que o substituissem ou ainda dizia “o céu”. Na Escritura, os judeus designavam Deus por um tetragrama sagrado YHWH. Os antigos judeus sabiam perfeitamente que não existia na língua humana nome, palavra ou termo capaz de exprimir o ser de Deus.


Abstenindo-se de pronunciar o Nome de Deus, os judeus mostravam que podemos nos unir a Deus menos pela palavra e pela escrita do que por meio de um silêncio penetrado de respeito e de tremor sagrado.


OS NOMES DIVINOS 
Nas Santas Escrituras os nomes de Deus são abundantes; cada um dentre eles, tão impotente em compreender em sua essência, poe em evidência quer uma ou outra de Suas propriedades. O célebre tratado do V século, Os nomes divinos, atribuído a Dionísio o Areopagita, expoe pela primeira vez sistematicamente este tema de um ponto de vista cristão, ainda que estejam sido desenvolvidos anteriormente por outros autores, em particular por São Gregório o Teólogo.


Alguns nomes atribuídos a Deus poem em evidência Sua preeminência sobre o mundo visível. Seu poder, Sua senhoria, Sua dignidade real. O nome Senhor (em grego: Kyrios) designa a dominação suprema de Deus não somente sobre o povo eleito, mas sobre o universo inteiro. O nome do Todo-Poderoso (grego: Pantokrator) significa que Deus mantem todas as coisas em Sua mão, que Ele sustém o universa e a ordem que nele reina: “…”(Is. 48, 13); Deus “sustem todas as coisas por Sua palavra poderosa” (Hb. 1,3)


Os nomes Santos, coisas Santas, Santidade, Santificação, Bom, Bondade, poem em evidência o fato de Deus possuir em Si mesmo toda plenitude do bem e da santidade, e que Ele dispensa este bem sobre todas as Suas criaturas, santificando-as.


Deus é igualmente chamado de Sabedoria, Verdade, Luz, Vida. Salvação, redenção, libertação, ressurreição, tais são os nomes que a Escritura Santa dá a Deus, pois que somente n’Ele (em Cristo) se realiza para o homem a libertação do pecado e da morte eterna, bem como a ressurreição à uma nova vida.


Na Bíblia encontramos nomes divinos utilizados no mundo natural que o representam não mais a partir de seus sinais distintivos, não mais tentando precisar suas qualidades próprias, mas no entanto, fazendo o uso de simbolos e analogias que lhe permitem dar um sentido. Deus é então comparado ao sol, a uma estrela, ao fogo, ao vento, a água, o orvalho, a nuvem, a uma pedra, a uma rocha, a um perfume. Referindo-nos a Cristo diremos que Ele é o Pastor, a Ovelha, o Cordeiro, o Caminho, a Porta, a imagem de Deus. Simples e concretos, todos estes nomes são utilizados na realidade cotidiana, na vida de todos os dias. No entanto seu escopo é tal que, como nas parabolas de Cristo, apresentamos acima das images da pedra preciosa, da árvore, do ferment na massa, das sementes no campo, uma realidae infinitamente maior e dotada de significação.


Em muitos textos da Sagrada Escritura, faz-se menção de um Deus enquanto o Ser,possuindo uma forma humana, quer dizer dotado de um rosto, de olhos, orelhas, mãos, costas, asas, pés, de uma respiração; diz-se que Deus volta, Se afasta, Se lembra, Se esquece, Se irrita ou Se apazigua, Se maravilha, Se aflige, ira-Se, vai, escuta. Tal antropomorfismo repousa sobre a experiência vivida de um encontro pessoal com Deus enquanto Ser vivo. Buscando dar forma a tal experiência, o homem vai recorrer a palavras e imagens do mundo terrestre.


PAI" COMO O NOME DIVINO
“Pai” é o nome bíblico tradicional para Deus. Seus filhos são o povo de Israel: " Mas Tu és nosso Pai, ainda que Abraão nos não conhece, e Israel não nos reconhece. Tu, ó SENHOR, és nosso Pai; nosso Redentor desde a antiguidade é o Teu Nome."(Is. 63, 16). A paternidade de Deus não revela certamente uma masculinidade qualquer, pois que não existe diferenciação sexual no seio da Divindade. Todavia, faz-se necessário lembrar que o nome de “Pai” não era ingenuamente aplicado pelos humanos, é o nome particular pelo qual Deus Se revela Ele-Próprio ao povo de Israel. As imagens de masculinidade não foram pressionadas contra Deus, antes é Ele próprio que as adota por ocasião de Suas revelações aos homens. As três Pessoas da Trindade Santa trazem o Nome de Pai, Filho e Espírito santo, lá o Nome de Filho pertence ao Logos eterno de Deus, que Se encarnou e Se fez homem. Nas línguas semiticas onde o nome Espírito (hebreu: ruah, syr, ruha’) é feminino, as imagens da feminidade são postas em obra em referência ao Espírito Santo. Os termos da Sabedoria de Deus (heb. hokh’ma, grego Sophia) tanto em hebreu como em grego são femininos. Eles abrem assim a possibilidade de aplicar imagens de feminidade ao Filho de Deus, tradicionalmente identificado com a Sabedoria. Fora desta exceção, imagens exclusivamente masculinas são utilizadas na tradição oriental para designar o Pai e o Filho.


Os ortodoxos são naturalmente hostis as tentativas modernas de modificar as imagens bíblicas tradicionais tornando a língua de Deus mais “inclusiva”, fazendo referência a Deus enquanto “mãe” e ao Seu Filho enquanto “filha”, ou utilizando os termos genêricos de “pai” ou “filho”. Para os ortodoxos, o conceito plenário de maternidade se encarna na pessoa da Mãe de Deus/Deípara, cuja veneração não se reduz a um simples costume ou a um fenômeno cultural, mas é um dogma eclesial e um domínio essencial da espiritualidade. Não saberíamos trazer de volta uma simples divergência cultural entre os ortodoxos e os católicos de um lado, e certos protestantes do outro, o fato que os primeiros veneram a Mãe de Deus, enquanto os outros oram a “Deus Mãe”. A divergência dogmática é de porte e não pode ser corrigida enquanto a Mãe de Deus não for posta em honra nas Igrejas que, por diversas razões, a perderam. Em outra, os ortodoxos não fazem unicamente prova de teimosia ao recusarem modificar a linguagem bíblica acerca de Deus, mas sobretudo de uma compreensão clara do fato de que toda a tradição espiritual, teológica e mística da Igreja perdura irreparáveis alterações quando a panóplia tradicional das imagens e dos nomes vê-se submetida a transformações.


Verdadeiramente, todo nome pode ser aplicado à Divindade, enquanto nenhum não saberia descrevê-la. Todos os nomes em uso para Deus nas tradições bíblicas e ortodoxas visam compreender o mistério acima dos nomes. Todavia, é muitíssimo importante permanecer fiel à linguagem bíblica divina e não substitui-las por formas inovadoras. Todos os nomes de Deus são antropomórficos. Existe, contudo, uma lacuna entre o antropomorfismo bíblico, fundado sobre a experiência do Deus pessoal tal como revelado aos homens, e o pseudo-antropomorfismo de teólogos modernos que, ao introduzirem a noção do gênero no seio da Divindade, falam de Deus em termos de “Ele-Ela”, ou “Nossa Mãe e Pai”.


CATAFATISMO E APOFATISMO
Se traçamos o inventário dos nomens divinos, chegamos a conclusão de que nenhum dentre eles não pode nos dar uma noção integral de Deus. Deus está acima de todo nome. Se O nomeamos Ser, Ele está acima do ser; se O nomeamos verdade ou justiça, em Seu amor, Ele está acima de toda justiça; se O nomeamos amor, Ele é mais que o amor, Ele está acima do amor. Da mesma forma, Deus está acima de toda propriedade que podemos Lhe atribuir, quer seja a omniciência, a omnipresença ou a imutabilidade. No fim das contas chegamos a conclusão de que acerca de Deus não podemos dizer nada de seguro: todas as nossas palavras que O concernem saberiam somente ser incompletas, parciais e limitadas. Donde tiramos a consequência que não podemos dizer o que Deus é, mas somente o que Ele não é. Tal modo de raciocínio acerca de Deus tem recebido a apelação de teologia apofática (negativa) e, oposição à teologia catafática (positiva).


O apofatismo consiste na negação de tudo o que Deus não é. A elevação apofática do espírito a Deus, os Santos Padres (Dionísio o Areopagita, Gregório de Nissa) a comparam com a ascensão de Moisés na montanha do Sinai a Deus, que se envolve de escuridão (II S 22, 12). A escuridão divina significa a ausência de todo elemento material ou sensível. Entrar na escuridão divina significa sair dos limites do ser inteligível. Durante o encontro de Moisés com Deus, o povo israelita deveria permanecer aos pés da montanha, quer dizer nos limites do conhecimento catafático acerca de Deus, e somente Moisés podia penetrar na escuridão, quer dizer depois de ter renunciado a tudo, fazer o encontro com Deus que está fora de tudo, que está lá onde não há nada. Dizemos catafaticamente de Deus que Ele é Luz, mas por tais palavras assimilamos Deus à luz sensível. E se dizemos do Cristo transfigurado sobre o Tabor que “E transfigurou-se diante deles; e o Seu rosto resplandeceu como o sol, e as Suas vestes se tornaram brancas como a luz.”(Mt. 17, 2), a noção catafática de “luz”é aqui utilizada simbolicamente, pois se trata da irradiação incriada da Divindade, que ultrapassa toda representação humana da luz. Podemos apofaticamente nomear a luz Divina, que ultrapassa toda representação da luz, como sub-luz ou a escuridão. Assim, a escuridão do Sinai e a luz do Tabor são uma única e mesma coisa.


Em nossa apreensão de Deus fazemos antes apelo a conceitos catafáticos que são primeiramente mais fácies e mais acessíveis ao espírito. No entanto, o conhecimento catafático tem seus limites os quais não está em medida de atravessar. A via da negação corresponde a uma subida do espírito no abismo divino onde as palavras cessam, onde a razão se congela, onde todo conhecimento e inteligibilidade humana são abolidos, “onde existe Deus”. Não é pelas vias do conhecimento especulativo, mas nas profundezas da oração em silêncio, que a alma pode ir ao encontro de Deus, que lhe Se revela como in-conveniente, in-acessível, in-visível, e ao mesmo tempo como vivo, próximo, íntimo – como o Deus Pessoa.

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