CATEQUESES DO METROPOLITA HILARION (ALFEYEV) - IV PARTE

ALFEYEV, Metropolita Hilarion
tradução de monja Rebeca (Pereira)

O MISTÉRIO DA TRINDADE
Os cristãos creem num Deus Trindade, Pai, e Filho e Espírito Santo. A Trindade não é três deuses, mas um Deus em três Hipostases, quer dizer em três entidades pessoais independents. É o único caso onde 1=3 e 3=1. Aquilo que em matemática ou lógica possa parecer absurdo se ergue enquanto pedra angular da fé. O cristao comunga ao mistério da Trindade não por meio de raciocínios lógicos, mas pelo arrependimento, quer dizer pela mudança e a renovação completas do espírito, do coração, dos sentimentos, de nossa natureza inteira (a palavra grega para “arrependimento”, metanóia significa literalmente “reviramento do espírito”). É impossível comungar à Trindade enquanto o espírito não tenha sido iluminado e transfigurado.

O ensinamento sobre a Trindade não é uma invenção de teólogos, antes uma verdaed divinamente revelada. Por ocasião do batismo de Jesus Cristo, Deus Se manifesta pela primeira vez e em toda clareza ao mundo como Unidade em três Pessoas (cf. Lc. 3, 21-22). A voz do Pai se faz ouvir do céu, o Filho Se encontra nas águas do Jordão, o Espírito desce sobre o Filho. Em muitas ocasiões Jesus Cristo revela Sua unidade com o Pai, Seu envio pelo Pai ao mundo, Sua designação como Filho d’Este mesmo (cf. Jo. 6-8). Ele promete igualmente aos discípulos enviar o Espírito Consolador, que procede do Pai (cf. Jo. 14, 16-17, 15, 26). Ao enviar os discípulos à pregação, Ele lhes diz: “Ide, ensinai todas as nações, batizando-as em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (cf. Mt. 28, 19). Nos escritos dos Apóstolos existe também a menção do Deus-Trindade (cf. I Jo. 5,7).

É somente após a vinda de Cristo que Deus Se revela aos homens como Trindade. Os anciãos judeus guardavam uma fé estrita no Deus único, e não estariam em medida de compreender a idéia da Divindade tripla, pois que tal idéia poderia ser percebida como sinônimo de três deuses. Na época em que o politeísmo reinava de forma suprema sobre o mundo, o mistério da Trindade estava escondido à vista dos homens, como que enterrado no fundo mais secreto da verdade sobre a unidade da Divindade.

TERMOS E FÓRMULAS
O mais simples seria explicar o mistério da Trindade como faz Santo Espiridão, presente no Concílio de Nicéia. Segundo a tradição, lhe perguntam como seria possível que Três aparecessem simultaneamente como Um, e no lugar de responder, ele pega um tijolo e o mõe em suas maos. Da argila esmigalhada nas mãos do Santo, uma chama se escapa ao alto enquanto um pouco de água escorrege para baixo. “Da mesma maneira com que neste tijolo existe fogo,água e terra diz ele, assim também no Deus único existem três Pessoas…”

O Deus Trindade não é um Ser congelado, não há repouso, imobilidade, estatismo. “Eu Sou Aquele que Sou”, diz Deus a Moisés (Ex. 3, 14). Aquele que É significa o existente, o Vivente. Em Deus está a plenitude da vida, e a vida é movimento, fenômeno, revelação. Alguns dos Nomes divinos, como vimos, tem um caráter dinâmico: Deus é comparado ao fogo (Ex. 24, 17), a água (Jr. 2, 13), ao vento (Gn. 1, 2). No Cântico dos Cânticos, uma mulher procura seu bem-amado, que foge longe dela. Segundo a tradição cristã, esta imagem foi interpretada (por Origenes, Gregório de NIssa) como representando a alma lançada em busca de Deus que sem cessar dela escapa. A alma busca Deus, basta encontrá-Lo que logo em seguida O perde novamente, ela se esforça em concebê-Lo, mas Ele permanence inconcebível, ela se esforça em contê-Lo, mas não consegue. Ele Se move com extrema “rapidez”, sempre para além de nossas forças impotentes em segui-Lo. Encontrar e alcancar Deus significa ter acesso, nós próprio, ao estado divino. Assim como, segundo as leis da física, se um corpo material se deslocar à velocidade da luz, transformaria-se ele mesmo em luz, o mesmo serve para a alma: quanto mais se aproxima de Deus, mas se preenche de Sua luz e torna-se portadora de luz…

A UNIDADE DO AMOR
Um dos mais nobres nomes dados a Deus pertence ao apóstolo João o Teólogo: “Deus é amor” (1 Jo, 4, 8; 4, 16). No entanto, não existe amor sem o ser amado. O amor pressupoe a existência do outro. Uma mônade só e isolada só pode amar a si própria: o amor de si/por si não é amor. A unicidade de um ser egocentrico não manifesta ainda a pessoa. Assim como o ser humano não pode se reconhecer como pessoa fora de uma relação com outras pessoas, assim também não pode existir em Deus um ser pessoal fora de uma relação de amor com outro ser pessoal. O Deus Trindade é a plenitude do amor, cada Pessoa-Hipostase estando direcionada com amor as duas outras Pessoas-Hipostases. No seio da Trindade as Pessoas se reconhessem como “Eu e Tu”: “Tu, Pai, Tu estás em Mim e Eu em Ti”, diz Cristo ao Pai (Jo. 17, 21). "Tudo quanto o Pai tem é Meu; por isso, vos disse que há de receber do que é Meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16, 15). "No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (Jo. 1,1). No texto grego existe “direcionado ao Deus” (pros ton theon), sublinhando assim o caráter pessoal das relações recíprocas de Deus Palavra e de Deus Pai: o Filho não somente é engendrado do Pai, não somente existe com o Pai, mas está direcionado ao Pai. Cada hipostase na Trindade está assim direcionada as outras hipostases. São Máximo o Confessor fala do “movimento eterno (da Trindade) no amor”.

No ícone da Trindade Santa de Santo André Roublev, bem como sobre os outros ícones deste tipo iconográficos, vemos três anjos sentados a mesa sobre a qual se encontra um cáilce, símbolo do sacrifício expiatório de Cristo. O sujeito do ícone é tmabem utilizado no episódio já citado da vida de Abraão (tal motivo iconográfico leva o nome de “a hospitalidade de Abraão”), as três personagens estão representadas direcionadas umas as outras e ao cálice. Sobre este ícone está como que impress o amor divino que reina no seio da Trindade, e cuja mais alta manifestação se traduz no ato expiatório do Filho. Como diz São Filareto (Drozdov), é “o amor do Pai crucificante, o amor do Filho crucificado, o amor do Espírito Santo que triunfa pelo poder da cruz”. A imolação do Deus Filho sobre a cruz é igualmente um ato do Pai e do Espírito Santo.

DEUS CRIADOR
Se o Demiurgo platociano faz figura de artesão que ordena todas as coisas a partir de uma matéria primordial, o Deus bíblico, Ele é o Criador que constrói todo o Universo a partir do nada. O Antigo Testamento o afirma com nitidez: "Eu te suplico, filho, contempla o céu e a terra e o que neles existe. Reconhece que Deus os fez do que não existia, e que assim também se originou a humanidade.”(II Mac. 7, 28). Todo ser recebeu o dom da vida a partir da vontade livre do Criador, tal como lemos no Salmo 33. Necessidade alguma contradiz Deus a criar o mundo; mesmo até Seu amor, que não pode passar - bem como todo amor, de um objeto a se amar, não podia contradizê-lo ao ato criador, pois que encontra já sua realização na comunhão das hipostases da Trindade Divina, no seio da qual cada hipostase é por vezes sujeito e objeto, amante e ser amado. Deus criou o universo para esta única razão. Ele queria que a “vida superabundante” da qual Ele dispunha em Si-Próprio se dispersasse para além dos limites de Sua natureza, e que os seres vivos tornassem-se participantes da beatitude e santidade Divinas.

Ao ato criador toma parte as três Pessoas da Trindade Santa. O Antigo Testamento já o anuncia profeticamente: “Os céus foram feitos pela Palavra do Senhor e toda seu exército pelo Sopro de Sua boca” (Sl.33, 6). Acerca do papel criador desenvolvido pelo Verbo divino, o Apóstolo João se exprime no início de seu Evangelho: “Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.”(Jo. 1,3). Sobre o Espírito encontramos na Bíblia: "E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.” (Gn.1,2). O Verbo e o Espírito, retomando a imagem de Santo Irineu de Lyon são “as duas mãos” do Pai. Isto significa que ao ato comum da criação, os Três colaboraram, Sua vontade é una, mas cada um age de Sua maneira. “O Pai é o princípio primário de tudo que existe, diz São Basílio o Grande. O Filho, o princípio da criação, o Espírito Santo o princípio da realização, de tal sorte que pela vontade do Pai tudo existe, pela ação do Filho tudo vem ao ser, pela presença do Espirito tudo é realizado”. Em outros termos, no ato criador, ao Pai é confiado o papel de ser o princípio de tudo, ao Filho-Logos (Verbo) o papel de demirugo-criador e o Espírito Santo cumpre, quer dizer, conduz tudo criado ao seu ponto de perfeição.

Não por azar que os Santos Padres, ao falerem do papel criador do Filho, preferem nomeá-Lo Verbo: Ele manifesta o Pai, Ele revela o Pai, e como toda palavra, Ele se direciona a alguém, no caso presente a todo ser criado. “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o fez conhecer.”(Jo. 1, 18). O Filho revelou o Pai ao ser criado, graças ao Filho o amor do Pai se dispersa sobre a criatura e ela recebe assim a vida.

Por que razão criou tudo? A tal questão a teologia patrística responde: “por super abundância de amor e de bondade”. “O Deus bom e mais que bom, não Se contenta com Sua própria contemplação, mas na super abundância de Sua bondade, Ele gostou que outro participasse à Sua ação benfeitora e à Sua bondade, e Ele conduz do não-ser ao ser e cria todas as coisas”, escreve São João Damasceno. Em outros termos, Deus quis que algo de outro participasse à Sua beatitude, comungando ao Seu amor.

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