A IGREJA



GILLET Lev
tradução de monja Rebeca (Pereira)


O QUE A IGREJA NÃO É

Criança:   Eu pensava que a Igreja era somente a Casa de Deus.

Ancião:     Não. A casa de Deus (em grego naos, derivado de naüs = nave, navio) é a construção ou templo que acolhe a Igreja. Uma construção é feita de pedras e Pedros. São objetos, porém a Igreja é constituída por homens e mulheres – e também por anjos – “as pedras vivas” como nos diz Simão Pedro (1 Pe 2,5): ele era a pessoa indicada para no-lo dizer pois foi justamente a ele que Jesus deu o nome de “Pedro”. Com efeito foi depois que Simão disse a Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo” (Mt 16,16) que Jesus o chama a tornar-se “pedra viva” colocada sobre a “Pedra angular” que é o próprio Cristo (1 Pe 2, 6-7). Jesus então lhe diz: “Tu és Pedro e sobre esta pedra, sobre esta confissão de fé (quer dizer: tu Me reconhecendo como Cristo e Filho de Deus) construirei minha Igreja” (Mt 16,18). Igreja que por consequência será feita de todas as pedras vivas que, segundo o exemplo de Simão Pedro, crerão n’Ele como Cristo e como Deus.

Criança:   Ah! Compreendo: a Igreja é o conjunto dos Apóstolos, dos Bispos e dos Presbíteros que continuam a obra de Cristo.

Ancião:     Não! Um bispo só é bispo se for bispo de um povo, de uma cidade. Ele não pode ser bispo sozinho, assim como uma cabeça não pode existir sem seu corpo. Da mesma forma um padre deve estar a serviço de uma comunidade, paróquia ou monastério. Um pai não será pai a menos que tenha filhos.

O QUE A IGREJA É

A palavra Igreja é derivada da palavra grega Ekklesia, que servia na Atenas da antiguidade para designar a Assembléia dos cidadãos.

Criança:   Mas depois que o Mestre retornou ao céu, como Seus discípulos na terra podem se reunir em torno d’Ele?

Ancião:     Lá onde o Espírito Santo está, lá está também o Filho; já se esqueceu da promessa do Senhor Jesus Cristo quando houve sua Ascensão: “Estarei convosco até o final dos tempos”? Como então Ele está conosco? Por Seu Espírito Santo, pois Esse, como já o dissemos, “vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14,26), nos “há de receber do que é Meu” (Jo 16,15) e “Ele testificará de Mim” (Jo 15,26). O Espírito Santo torna o Cristo presente. Quando o Espírito desceu sobre a Assembléia de fiéis no dia de Pentecostes, essa Assembleia tornou-se o lugar da presença da Palavra, ela tornou-se a Igreja.

Criança:   Gostaria que me explicasse melhor isso.

Ancião:     O Pentecostes é como a Anunciação e a Igreja como a Virgem Maria.

Criança:   Como?

Ancião:     No dia da Anunciação, “pela operação do Espírito Santo” (Mt 1,18), “o Verbo Se fez carne” (Jo 1,14) no seio da Virgem Maria e Jesus Cristo foi concebido.

No dia de Pentecostes, pela operação do mesmo Espírito Santo descendo sob a forma de línguas – as línguas são feitas para que falemos – o mesmo Verbo vem habitar no seio da Igreja e a Igreja se pôs a falar a Palavra de Deus, a anunciar a Ressurreição: a Igreja carrega o Verbo e anuncia o Verbo como a Virgem o carregou e o deu à luz. E essa Palavra é o Logos (o Verbo). É Deus que nos fala, é o Filho presente na Igreja, como Ele esteve presente no seio da Virgem.

É assim que, depois do Pentecostes, o Espírito Santo faz a Igreja, ou seja, transforma uma assembleia de fiéis em um lugar onde há a presença do Cristo Ressuscitado. “Eu vos digo em verdade... onde estiverem dois ou três reunidos em Meu Nome, aí, estou Eu no meio deles” (Mt 18,20).

Lá onde está a Igreja, também está o Espírito de Deus, e lá onde está o Espírito de Deus, também está a Igreja e toda a sua graça.  Santo Irineu de Lyon

A Igreja é um todo, ainda que ela se estenda ao longe em uma multidão de igrejas que crescem gradativamente e a medida que ela se torna mais fértil. Há muitas igrejas, e no entanto não há mais que uma só Igreja. São Cipriano de Cartargo

Um homem não pode ter Deus por Pai, se não tem a Igreja por Mãe.  São Cipriano de Cartago

A Igreja é maior que a terra e o céu, é um mundo novo tendo Cristo por sol.  Santo Ambrósio de Milão

O Corpo de Cristo ao qual os cristãos estão unidos pelo batismo torna-se a raiz de nossa ressurreição e de nossa salvação.  Santo Atanásio de Alexandria

A Igreja é o paraíso terrestre na qual o Deus do céu reside e se movimenta.  Germano, Arcebispo de Constantinopla

A Igreja (...) essa grande janela pela qual o Sol de Justiça penetra no mundo das trevas.  Nicolau Cabasilas

Só a Igreja é do céu.  Khomiakov

A Igreja do Cristo não é uma instituição, é uma vida nova com o Cristo e no Cristo dirigida pelo Espírito Santo.  Pe. Sérgio Boulgakoff

A Igreja é o centro do universo, o lugar onde se decidem seus destinos. Vladimir Lossky

A Igreja é a entrada na vida ressuscitada do Cristo, comunhão com a vida eterna.  Pe. Alexandre Schmemann

Na opacidade do mundo decaído, a Igreja é a brecha aberta pela cruz triunfal, e por essa brecha o amor trinitário não cessa de se derramar como luz da ressurreição. Olivier Clement

A Igreja é a figura e o sinal do Reino de Deus porque o Reino começa a se realizar, como um gérmen em levedo, na Igreja deste tempo presente.  Bispo Ignácio Hazim
  
A IGREJA TAL COMO ELA PARECE SER
E TAL COMO ELA DEVERIA SER

Criança:   Tudo isso, é muito bonito, mas eu, quando vou à igreja, encontro pessoas que, após terem feito várias vezes o sinal da cruz, falam mal dos seus vizinhos. E quando meus pais falam da Igreja, mencionam, muitas vezes, estórias de membros do clero que discutem sobre algum assunto e disputam alguma coisa. E então, onde está o Espírito Santo em tudo isso e como acreditar que o Cristo está vivo no meio dessa assembleia de hipócritas?

Ancião:     Se tivesse ido à Jerusalém na Sexta-Feira Santa, quando Pilatos apresentou à multidão o Cristo todo coberto de sangue e de escarro, você teria dito que Ele estava disforme e feio: “Como pasmaram muitos à vista d’Ele, pois Seu parecer estava tão desfigurado... era desprezado e o mais indigno entre os homens... e como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizeram d’Ele caso algum” (Is 52,14; 53,3); assim Isaías descrevia antecipadamente o Messias sofrente. Ele portava em Seu rosto toda a feiúra do mundo. Eram os escarros dos homens que O desfiguravam e, no entanto, era mesmo Ele, o Cristo, o único Todo-Santo. Bem, da mesma forma é Sua Igreja. Ela é feia por todos os nossos escarros, por todas as nossas mesquinharias, por todos os crimes, por todos os pecados dos homens que a compõem, incluindo você e eu. Apesar disso, n’Ela se esconde o Cristo, sobre Ela plana o Espírito. A Igreja é “Emanuel”, quer dizer “Deus conosco”, Deus aceitando estar presente no meio de pecadores, de publicanos e de prostitutas. “Não são os que gozam de boa saúde, mas sim os doentes que tem necessidade de remédio” dizia o Senhor Jesus Cristo quando O criticavam por Se assenter à mesa dos pecadores.

Criança:   Mas eu creio em Deus, creio em Jesus Cristo, mas não creio na Igreja.

Ancião:     Então você caça o Deus do céu. O Deus dos cristãos é o Deus feito homem, Deus entre nós, Deus Se escondendo no meio de pecadores para os curar; Deus agindo e Se fazendo conhecer por aqueles mesmos que Ele veio salvar, e que não cessam de O caricaturizar; no meio dos quais Ele faz ressoar sua Palavra e através dos quais Ele manifesta o Seu Amor. É Deus no estábulo de Belém, é Deus crucificado entre dois malfeitores,  “Ele foi contado com os transgressores” (Is 53,12), reprovado entre os reprovados. Se você não sabe reconhecer o Santo escondido entre os pecadores de Sua Igreja e no opróbrio de  Sua Paixão, não poderá reencontrá-Lo na Glória de Sua Vinda.

Quando dizemos no Credo “creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica” não é no que vemos, mas no que cremos. O que um historiador ou um sociólogo incrédulo descreve quando estuda a Igreja não é o objeto da fé. Não se necessita de fé para constatar aquilo que se vê. “Porque Me viste, Tomé, creste; bem aventurados os que não viram e creram” (Jo 20,29). O clichê que reproduz a aparência da Igreja em tal lugar ou tal época não constitui sua essência verdadeira e não permite que ela seja por ele definida.

Aquilo que é objeto da fé, aquilo no qual se crê, é uma palavra, uma promessa de Deus. O que define a Igreja, é a palavra criadora de Seu Senhor, o Cristo. É a potência santificadora do Espírito que realiza essa Palavra: é por isso que a Igreja é santa a despeito dos pecados de seus membros.

É preciso compreender bem que a Palavra do Criador constitui o ser das criaturas. Quanto Deus fala, as coisas são. (Por exemplo: “Haja luz. E houve luz”). Por isso essa frase reveladora do Ofício de Finados: “É Tua Palavra Criadora que constitui meu princípio e minha substância.” Filareto de Moscou (citado por Florovsky) exprime magnificamente esse pensamento: “As criaturas encontram-se sobre a Palavra Criadora de Deus como sobre a ponta de um diamante, sobre o abismo da infinidade divina, acima do abismo de sua própria nulidade”*. O que constitui o ser profundo de um homem é o projeto de Deus para ele, é sua vocação: um homem é verdadeiramente ele mesmo quando realiza o plano de Deus. Quando Jesus Cristo dá a Simão, filho de Jonas, o nome de Pedro, Ele lhe diz o que Deus quer que ele se torne: seu chamado, sua vocação, definindo seu ser. Você é verdadeiramente aquilo que Deus quer que você seja.

Não é a fotografia tirada durante a construção de um edifício – quando ainda lhe faltam as paredes e o telhado – que o define, mas sim o plano do arquiteto que concebeu o edifício. Da mesma forma é a Igreja: as mesquinharias e os pecados dos homens de Igreja passam, só permanece a Palavra de Deus que pouco ou muito não cessa jamais de se fazer ouvir através dos serviços e das pregações. Apesar da mediocridade humana dos membros da Igreja, a Palavra de Deus é o elemento permanente na vida da Igreja, e é Ela que em definitivo informa sobre essa Palavra, dá forma a ela e condiciona seu desenvolvimento. É isso que Deus próprio diz pela boca de Seu profeta Isaías: “Porque, assim como desce a chuva e a neve dos céus, e para lá não torna, mas rega a terra, e a faz produzir e brotar, e dar semente ao semeador, e pão ao que come, assim será a palavra que sair da Minha boca: ela não voltará para Mim vazia, antes fará o que Me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei” (Is 55, 10-11).

Para saber o que a Igreja é verdadeiramente, é necessário não descrever o que Ela parece ser em tal paróquia, tal diocese ou tal país, em tal ou qual época, mas estudar o que seu Criador lhe diz. Com efeito, pela ação permanente do Espírito Santo e apesar dos obstáculos que o pecado dos homens aporta periodicamente, retardando a realização do plano divino, a Palavra de Deus não cessa jamais de ser criativa e de realizar isso que Deus diz. Os santos que nós festejamos no Domingo após o Pentecostes são a corrente de ouro que manifesta a eficácia dessa Palavra Viva (Is 55, 10-11).


* Georges Florovsky, Os Caminhos da Teologia Russa, Paris, 1937 (em russo). Citado por V. Lossky, Theologie Mystique de l’Eglise d’Orient, Paris, Aubier, 1944, pág. 88.      

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