A Igreja é una
KHOMIAKOV Alexei
tradução de monja Rebeca (Pereira)
I. A Igreja é Una
A Igreja não é uma multidão com a sua própria
individualidade, mas uma unidade na Graça de Deus, vivendo num numeroso
conjunto de criaturas racionais que se submetem voluntariamente à graça. Ela é
também dada àqueles que lhe resistem e àqueles que não fazem uso dela (que
escondem a sua vocação na terra), mesmo se estes não estão na Igreja. Na realidade,
a unidade da Igreja não é imaginária ou alegórica, mas unidade substancial e
verdadeira, assim como é a unidade de muitos membros de um corpo vivo.
A Igreja é una, apesar da sua divisão que cabe
ao homem que ainda vive sobre a Terra. É apenas em relação ao homem que é
possível reconhecer a divisão da Igreja em visível ou invisível. A sua unidade
é, na realidade, verdadeira e absoluta. Aqueles que estão vivos sobre a terra,
aqueles que acabaram o seu percurso terreno, aqueles que, como os anjos, não
foram criados para uma vida terrena, as futuras gerações que ainda não
iniciaram o seu percurso terreno, estão todos juntos na mesma Igreja una, na
mesma e una graça de Deus. Porque a criação de Deus que ainda não foi
manifestada, está manifestada para Ele e Deus ouve as orações e sabe da fé daqueles
que ainda não chamou da não existência à existência. Na verdade, a Igreja, o
Corpo de Deus, manifesta-se visivelmente e realiza-se no tempo, sem mudar a sua
unidade essencial, nem sua vida ou graça interior. E, no entanto, quando
falamos de “Igreja visível e invisível”, falamos unicamente em relação ao
homem.
II. A Igreja Visível e
Invisível
A Igreja visível ou terrena vive em plena
comunhão e unidade com o corpo inteiro da Igreja, do qual Cristo é a cabeça.
Ela possui permanentemente Cristo em seu íntimo e a graça do Espírito Santo em
toda a plenitude da Sua existência, mas não na plenitude das suas
manifestações, porque ela, a Igreja, atua e age apenas de acordo com o que Deus
quer e permite. Além disso, a Igreja terrena e visível não é a plenitude e o
conjunto completo da Igreja que o Senhor designou para comparecer no juízo
final de toda a criação. Ela atua e conhece apenas dentro dos seus próprios
limites e, de acordo com as palavras do Apóstolo Paulo aos Coríntios: “Pois
como haveria eu de julgar os de fora da Igreja? Não deveis vós julgar os que
estão de dentro?” (I Co 5:12), não julga o resto da raça humana, apenas os olha
como excluídos, significando dizer que não lhe pertencem aqueles que se
excluíram. O resto da humanidade, ainda que estranha à Igreja ou unida a Ela
por laços que Deus não desejou revelar-lhe, vive para o julgamento do grande
dia. A Igreja terrena julga por ela própria apenas com a graça do Espírito e a
liberdade que Lhe é garantida através de Cristo, convidando também o resto da
humanidade à adoção e para a unidade de Deus em Cristo. Mas àqueles que não
ouvirem Seu apelo Ela não pronunciará nenhuma sentença, conhecedora do
mandamento do seu Salvador e Cabeça: “não julgues os servidores de outro
senhor” (Rm 14:4).
III. A Igreja na Terra
Desde a criação do mundo, a Igreja terrena
continuou ininterruptamente sobre a Terra e continuará até a consumação da obra
de Deus, de acordo com a promessa que Lhe foi dada pelo próprio Deus. E a sua
prova de autenticidade é a santidade interior, que não permite nenhuma mistura
com o erro, porque o Espírito de Verdade e a Sua imutabilidade exterior vivem
com ela da mesma forma que Cristo, seu Protetor e Cabeça, não muda.
Todas as características da Igreja, tanto
interiores como exteriores, são reconhecidas por Ela própria e por todos
aqueles que a graça chamou para serem membros dela. Para aqueles que, na
verdade, estão afastados dela e não foram chamados, elas são incompreensíveis;
pois para estes uma mudança exterior do rito aparece como sendo uma alteração
do próprio Espírito, que é glorificado no rito (como, por exemplo, na transição
da Igreja do Antigo Testamento para o Novo ou na mudança dos ritos
eclesiásticos e de ordenações, desde os tempos Apostólicos). Através do
conhecimento interior da fé, a Igreja e os seus membros conhecem a unidade e a
imutabilidade do seu Espírito, que é o Espírito de Deus. Mas aqueles que estão
de fora e não foram chamados a Ela conhecem e olham para as mudanças exteriores
do rito através de um conhecimento exterior, o qual não compreende o
conhecimento interior (sabedoria), assim como a imutabilidade de Deus surge
para eles como sendo mutável nas diversificações da Sua criação. Por
conseguinte, a Igreja não foi e nem poderá ser alterada ou confundida e nem pode
ser destruída porque, nesse caso, Ela teria sido privada do Espírito de
Verdade. É impossível que tenha havido um tempo durante o qual a Igreja tenha
recebido o erro no seu seio, mesmo quando o laicado, o presbiterado e o
episcopado foram submetidos a instruções ou ensinamentos incompatíveis com o
ensinamento e o Espírito de Cristo. Quem disser que tal enfraquecimento do
Espírito de Cristo poderia vir a ocorrer no seu seio não entende sobre a Igreja. Além disso, uma revolta parcial contra as falsas
doutrinas, junto a uma aceitação ou absorção de outras falsas doutrinas, não é
e nem pode ser uma obra da Igreja; porque ao seu interior e de acordo com a sua
verdadeira essência, deve sempre haver pregadores, mestres e mártires confessando
não uma verdade parcial misturada com o erro, mas uma verdade total e não
adulterável. A Igreja não conhece o erro parcial nem a verdade parcial, mas
apenas a verdade completa sem mistura de erro. E todo aquele que vive na Igreja
não é submetido a falso ensinamento nem recebe sacramentos de um falso mestre;
reconhecendo-o como falso, ninguém seguirá os seus falsos rituais. E a Igreja
não erra, porque é a Verdade e é incapaz de astúcia ou covardia porque é Santa.
E, naturalmente, a Igreja, em virtude da sua completa imutabilidade, não
considera como errado o que anteriormente reconheceu como sendo verdadeiro.
Tendo proclamado em Concílio Geral e por
consenso que é possível a qualquer Bispo ou Patriarca errar nos seus
ensinamentos, Ela não reconhece a qualquer indivíduo, ou Bispo ou Patriarca ou
sucessor destes, a incapacidade de errar nos seus ensinamentos ou que eles
estejam protegidos do erro através de qualquer graça especial. De que modo
seria o mundo santificado se a Igreja estivesse em risco de perder a sua
santidade? Onde estaria a verdade se os seus julgamentos de hoje fossem
contrários aos de ontem? No interior da Igreja, isto é, entre os seus membros,
podem ser engendradas falsas doutrinas, mas então os membros infectados caem,
constituindo uma heresia ou um cisma, e não pervertem a santidade da Igreja.
IV. Una, Santa, Católica e
Apostólica
A Igreja é chamada Una, Santa, Católica e
Apostólica. Ela é Una e Santa porque pertence a todo o mundo e não a uma região
em especial, porque através dela toda a humanidade e toda a terra são
santificadas, e não alguma nação ou região em particular, porque a sua
verdadeira essência consiste no entendimento e na unidade do espírito e vida de
todos os seus membros que a reconhecem através do mundo e, por fim, porque nos
escritos e doutrinas dos Apóstolos está contida a globalidade da sua Fé, dá sua
Esperança e do seu Amor.
Qualquer comunidade, quando é designada como
Igreja de Cristo, recebe a adição de um nome local como, por exemplo, Grega,
Russa ou Síria. Estes nomes não significam mais do que a congregação de membros
da Igreja viva nesses locais em particular, ou seja, na Grécia, na Rússia ou na
Síria. E isso não envolve nenhuma ideia de que uma simples comunidade de
cristãos possa formular a doutrina da Igreja ou uma interpretação dogmática aos
seus ensinamentos sem a concordância das outras comunidades. Muito menos ainda
se pode concluir que qualquer comunidade particular ou o seu pastor possam
impor as suas próprias interpretações às outras. A graça da Fé não pode ser
separada da santidade da vida, nem qualquer comunidade ou qualquer pastor pode
se considerar guardião da Fé da Igreja, nem qualquer simples comunidade ou o
seu pastor pode se considerar como representante de toda a santidade. Sem
querer assumir a prerrogativa da interpretação dos dogmas e dos ensinamentos,
tem todo o direito de mudar as suas formalidades e cerimônias e de introduzir
inovações, na medida em que isso não ofenda às outras comunidades. Neste último
caso, ela deve abandonar as suas próprias opiniões e submeter-se às das outras
a fim de que aquilo que para umas possa parecer inócuo ou mesmo louvável, não
pareça censurável a outras ou que um irmão possa conduzir outro ao pecado da
dúvida e da discórdia. Todo o cristão deve considerar como valor elevado a
unidade dos ritos da Igreja, porque através disso se manifesta, mesmo para os
não iluminados, a unidade do espírito e da doutrina, enquanto para os
iluminados isso se torna uma fonte de viva alegria cristã. O amor é a coroa e a
glória da Igreja.
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