SINAXÁRIO DO DIA - SANTA MARIA DE PARIS, MÁRTIR CONTEMPORÂNEA
tradução de monja Rebeca (Pereira)
A Juventude
Madre Maria caracteriza o renascimento espiritual e religioso que a Rússia experimentou no início do século XX. Embora viesse de uma família aristocrática, era uma socialista revolucionária por convicção. Casou-se com um intelectual socialista ainda jovem, mas, em breve, se separam. Meio à Revolução Russa ela emigra com seu segundo marido, Skobtsov - seu juiz quando ela presa pelo Exército Branco, que a acusou de colaborar com os bolcheviques. Skobtsov fazia parte do Exército Branco, e eles foram forçados ao exílio quando a derrota para o Exército Vermelho. Deixaram a Rússia e, via Constantinopla, chegaram a Paris. Tiveram então três filhos: Gaiana, Yuri e Anastasia.
Elisabeth Pilenko (que mais tarde se tornaria Madre Maria) havia perdido a fé na adolescência, após a morte prematura do pai, o que ela considerava uma injustiça. No entanto, se Deus não é justo, Ele não pode existir. Não acreditava mais em Deus, mas continuava a se interessar por teologia. Graças às conexões de sua família com a aristocracia russa, pôde estudar teologia por correspondência.
A perda da filha mais nova foi um choque terrível. A morte da filha pareceu-lhe um chamado para começar uma vida nova, mais pura, dedicada a Deus.
Em meio a essa grande dor, este grande luto, sentiu o chamado para uma obra que poderia ser chamada de caridade ou filantrópica. Sentiu a necessidade de consagração eclesiástica para esse novo ministério e desejou se tornar monja. Seu marido aceita e eles se separam. Esse homem tinha uma atitude muito respeitosa em relação à sua liberdade, compreendendo que ela pudesse se sentir chamada, e eles sempre permaneceram amigos.
Foram mais os ortodoxos e a Igreja que Em vez tiveram dificuldade em aceitar que uma mulher casada duas vezes pudesse ingressar na vida religiosa. Ela fez seus votos e recebendo o nome de Maria, em memória de Maria do Egito, uma grande pecadora que se tornou santa.
Uma casa aberta em uma era apocalíptica
Tornou-se, então, monja nesta Igreja da emigração russa no instituto de teologia São Sérgio, então influenciada por um movimento evangélico. Madre Marie sentiu-se chamada a dedicar-se inteiramente aos mais pobres. Sem dinheiro, mas graças a todo o tipo de amigos, especialmente ecumênicos, conseguiu comprar uma casa, primeiro a Villa de Saxe, no 7º bairro de Paris, depois na Rue de Lourmel, no 15º. Esta casa não pode ser chamada de mosteiro, pois acolheu todo o tipo de pessoas: moradores de rua, vagabundos, ex-prostitutas que Madre Marie procurava resgatar da prostituição, pacientes internados em hospitais psiquiátricos por ninguém entendia a sua língua. Ao mesmo tempo, pôde acolher coros católicos de passagem por Paris.
Era uma casa muito aberta, que se afastava do modelo do monaquismo ortodoxo. Este é tradicionalmente um monaquismo de clausura. Mas Madre Maria acreditava que os tempos haviam mudado e que ela pertencia a outra era, uma era apocalíptica, na qual era preciso ir ao ponto de sacrificar o próprio conforto espiritual. O principal era ir ao encontro das pessoas, ajudá-las, amá-las, ser testemunha do amor sem limites de que falava o monge da Igreja Oriental, Padre Lev Gillet.
Muitas vezes esquecemos de mencionar a influência importantíssima que o homem que assinava seus livros como "um monge da Igreja Oriental" teve sobre Madre Maria. Este monge foi um dos primeiros a morar nesta casa e a celebrar ali serviços religiosos. E esse amor sem limites pelos mais pobres se manifestava nas ações de Madre Maria: ela ia, entre outras coisas, aos mercados de Les Halles e coletava o que sobrava dos comerciantes. Ela também visitava os mendigos nos bistrôs ao redor de Les Halles e, às vezes, os trazia para sua casa.
A igreja de Lourmel foi fechada na década de 1970. Muitos objetos religiosos, como a cruz e as vestes religiosas bordadas por Madre Maria, estão agora abrigados na Igreja de São Serafim de Sarov, na Rua Lecourbe, no 15º bairro.
Ativismo e Deportação
Esta mulher excepcional não hesitou em proteger os judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Madre Maria tinha uma amiga judia, Élie Fondaminsky, que havia sido batizada após ser presa e transferida para um campo de concentração. Naquela época, Madre Maria sentiu-se chamada a ajudar os judeus. Ela os acolheu em sua casa, e o padre que havia substituído o Padre Lev Gillet emitiu-lhes certidões de batismo falsas, permitindo-lhes atravessar para a zona desocupada.
Os judeus sabiam que Madre Marie era membro da Resistência. Até 1943, Madre Marie conseguiu ajudar os judeus dessa maneira. O que ela fazia nem sempre era compreendido pelos ortodoxos, e diz-se até que ela foi traída por alguém de sua casa. A Gestapo veio prender seu filho, Yuri, assim como Theodore Pianov, que era seu secretário, e o Padre Dimitri Klepinin. Disseram-lhe que, se ela fosse à Gestapo, eles seriam libertados. Madre Maria se dirigiu para lá sendo, no entanto, retida, presa e deportada para o campo de Ravensbrück, onde terminou seus dias.
"Minha pira queimará aqui, em terra estrangeira"
Muitos testemunhos sobre Madre Marie foram relatados do campo de concentração, incluindo o de Geneviève Anthonioz-de Gaulle. Ela relembrou sua coragem e aqueles momentos em que, à noite, todos se reuniam ao redor de seu leito, onde ela dava força a todos os deportados. A própria Madre Marie continuou a bordar. Ela era uma mulher extremamente habilidosa, pintora e poetisa, e, no campo, continuou a bordar e pintar ícones. Por fim, contraiu disenteria e foi transportada para o que era chamado de "campos de jovens", um termo irônico para este lugar para onde os doentes terminais eram enviados. As circunstâncias exatas de sua morte são desconhecidas. Geneviève Anthonioz-de Gaulle acredita que ela morreu de exaustão, em grande solidão.
Outros dizem que ela assumiu o lugar de uma jovem deportada condenada à câmara de gás. Seja qual for a verdade, fica claro que ela deu a vida.
Seus poemas falam desse dom, como este, composto enquanto ela ainda estava em Paris:
Eu sei, a pira será acesa,
Minha pira queimará, Canção das minhas irmãs,
Batida pacífica dos sinos
No Kremlin, na praça da execução
Ou aqui, em terra estrangeira.
Onde quer que a piedade pese.
Ela também escreveu o seguinte poema:
Aqui está a alma erguida em sua solidão essencial
Só você e eu,
Sua luz, meu pecado.
Aqui estou eu, tendo atingido meu limite
Seu sol nasce no Oriente.
Tais escritos, portanto, testemunham que Madre Marie adormeceu, completamente em paz.
Abrindo mão do conforto espiritual para se abrir aos mais pobres
Em suma, pode-se pensar, de um certo ponto de vista, que sua vida foi um fracasso completo: ela morreu, seus filhos morreram. No entanto, ela desempenhou um papel importante na emigração russa. Ela está começando a ser descoberta nos Estados Unidos, notadamente por meio de um livro recente (Michael Plekon, Living Icons, Persons of Faith in the Eastern Church, University of Notre Dame Press, Notre Dame, Indiana), no qual um capítulo é dedicado à sua vida ("Maria Skobtsova: Mulher de Muitas Faces, Mãe de Muitas Maneiras"). Um de seus amigos relata o sonho em que a viu em um campo de trigo. Ele a chamou: "Mãe Maria, mas me disseram que você está morta!" e ela respondeu: "Ah, as pessoas dizem tantas coisas. Veja, eu estou viva."
Assim, a memória dessa mulher permanece muito forte para aqueles que a viram viva. Ela é reconhecida como justa entre os judeus e, como tal, uma árvore foi plantada em sua memória. Seu temperamento também é uma de suas características definidoras: ela era uma mulher moderna, uma mulher religiosa que fumava e uma mulher forte. Entre aqueles que a apreciavam, vale lembrar o quanto o Metropolita Eulógio a reconhecia e a protegia. Quando alguns cristãos ortodoxos tradicionais a criticaram, ele confiou nela e lhe deu o direito de pregar no final das liturgias quando ela ia às províncias. Assim, quando veio à Lorens para visitar os russos dispersos ali para trabalhar nas minas e siderúrgicas, participou à liturgia e, ao final, proferiu a homilia.
Ela escreveu seu diário, escreveu artigos, e vemos por esses gestos que ela esperava por uma espécie de transformação do monaquismo. Isso pode ser um exagero, visto que o monaquismo tradicional ainda tem seu lugar. Mas Madre Maria acreditava que os monges deveriam renunciar aos seus confortos espirituais, que deveriam abrir portas aos mais pobres, aprender a não buscar a beleza dos cânticos e a fumaça do incenso, mas primeiro a abrir portas. Ela era, de certa forma, uma diaconisa, como se fala delas novamente hoje, tanto na Igreja Ortodoxa quanto na Igreja Católica. Mas essa ideia ainda esbarra na inação. Uma das grandes dificuldades da Igreja Ortodoxa é, de fato, essa tendência a considerar a Tradição como uma repetição do passado, quando ela é a transmissão viva da verdade, a transmissão viva da fé.
A Canonização
A canonização de Madre Maria foi realizada em Paris em 11 de fevereiro de 2004, pelo Conselho Diocesano da Arquidiocese das Igrejas Ortodoxas Russas na Europa Ocidental, presidido por Sua Eminência, o Arcebispo Gabriel (de Vyder). O dia festivo comum dos recém-canonizados é 20 de julho.
Rua Marie-Skobtsov no 15º bairro de Paris
A Rua Marie-Skobtsov é uma via pública que começa na Rue de Lourmel, 84-88, e termina em uma rua sem saída em forma de anel, em frente ao número 77, onde Madre Maria havia construído seu abrigo. Para Philippe Goujon, prefeito do 15º bairro, esta rua, que leva o nome de Mère Marie (localizada a poucos passos da Rue de Lourmel), era lógica e, acima de tudo, essencial. A Câmara Municipal do 15º votou para chamá-la de "Rue Marie Skobtsov" em 4 de novembro de 2013, seguida por uma votação unânime do Conselho de Paris em 12 de novembro, resolução nº 2013 DU 313-1. A rua foi inaugurada em 31 de março de 2016, na presença do Embaixador da Rússia na França, Alexandre Orlov.
"Madre Maria queria que sua fé fosse um testemunho vivido na prática", confidenciou a teóloga ortodoxa Elisabeth Behr-Sigel ao jornal La Croix em 2004. "Madre Maria sentia que precisava dar tudo e a si mesma por inteiro. Para nós, hoje, reside aí um chamado ao absoluto autêntico. No fundo, ela permaneceu uma socialista revolucionária até o fim. Para ela, o chamado à santidade de Deus se expressava por meio de uma profunda aspiração por justiça social."
A vida de Madre Maria é extraordinária em variados aspectos.
ResponderExcluirAo contrário do que supôs a imaginação da teóloga Elisabeth Behr-Sigel, as atitudes de renúncia dos confortos humanos que a levaram a optar pelo sacrifício da própria vida não se devem ao "socialismo revolucionário" da Madre, mas sim a aquela obediência absolta ao seu Divino Mestre que disse: "Aqueles que alimentam os famintos, vestem os nus, visitam os presos e adoentados, acolhem os estrangeiros, abrigam os desabrigados, fazendo isso aos irmão mais fragilizados, fazem ao próprio Senhor." Naquele momento histórico, Madre Maria soube identificar quem eram esses pequeninos irmãos, para os servindo, servir ao seu rei.
Se sua motivação não fosse essa, ela poderia ter realizado tudo como Elisabeth Pilenko. Ela provavelmente teria morrido da mesma forma. Mas ela optou colocar um manto de identidade com Cristo sob seu corpo mortal, creio eu que para que todos soubessem a quem de fato ela servia, quando servia os pobres do mundo.
Santa ela é se o seu serviço foi ao Senhor. E como creio que foi assim, podemos dar graças a Deus pela vida de Santa Maria de Paris.