TRANSFIGURADO NA NOITE

AIMILIANOS Arquimandrita de Simonopetra
tradução de monja Rebeca (Pereira)




Abrindo as portas de nossos corações
Quando alguém interrompe nossa rotina, parece uma intrusão terrível, e ficamos muito perturbados com isso. Não é estranho? Ansiamos desesperadamente que alguém se aproxime de nós, fale conosco, nos ame, preencha a nossa solidão, se una a nós, mas assim que alguém o faz, mal podemos esperar para nos livrarmos dele. Nós os rejeitamos imediatamente, os julgamos, falamos com raiva e desprezo, pretendemos dizer-lhes o que fazer, dizemos-lhe “não” e, em geral, fazemos tudo o que podemos para que saibam que a sua presença nos incomoda. E encontramos centenas de maneiras de dizer-lhes: “Vá embora. Deixe-me em paz. Não se intrometa na minha solidão.”

E tudo te incomoda; tudo te irrita. A aparência das pessoas, o som da sua voz, a maneira como andam, ou porque são muito baixas ou muito altas, ou porque o nariz delas é desse ou de outro jeito, ou porque as sobrancelhas são muito altas ou muito baixas. Qualquer coisinha já basta para estragar o teu dia e, depois de tudo isso, tudo que desejas é fugir. E o que é tudo isso, senão o inferno para os condenados? E por que eles foram para o inferno? Porque não queriam o paraíso. O inferno é exatamente o que eles procuravam e exatamente o que encontraram.

Mas sempre que quisermos, nosso coração poderá se abrir e imediatamente a grande transformação acontecerá. E esta é uma abertura ao fogo espiritual, ao Espírito Santo, a Cristo, a Deus. Queremos isso? Vamos desbloquear nosso coração? Tudo depende se queremos amar a Deus ou continuar amando a nós próprios. E se decidirmos deixar de viver sozinhos e abrirmos as portas à luz, descobriremos que, enquanto procurávamos Deus, também encontramos o próximo, pois agora percebemos que há pessoas ao nosso redor.

Letargia Espiritual
Outro problema que temos é que nos cansamos facilmente. Quando se trata de atividades mundanas, nossa energia não tem limites, mas nos cansamos muito rapidamente no que concerne Deus e nossa vida espiritual. Aqueles que perseguem riqueza ou glória nunca se cansam de fazê-lo. Outros buscam prazeres sensuais, perseguindo incansavelmente o pecado. Mas mesmo a ideia de correr atrás de Deus nos deixa cansados. Ficamos cansados e depois esquecemos, e então somos desencaminhados pelo mundo. Mas então algo acontece que nos faz pensar em Deus, e então fazemos promessas e resoluções, mas, depois de um tempo, esquecemos tudo, e tudo gira e gira novamente. Pense nas coisas materiais que estás perseguindo e acumulando: elas são todas banais, passageiras e totalmente sem sentido.

Se fores capaz de ver isso, então mergulhe os olhos de tua alma profundamente em teu coração – seja ele tão distorcido ou pervertido – e peça a Deus para assumir o controle. Pairando sobre o caos de tua vida, Deus fará brilhar Sua luz (cf. Gn 1.3), e o abismo do inferno que estava em ti será transformado em céu. Deus é humilde e não hesitará em entrar em teu coração pecaminoso para resgatá-lo do pecado. Isso é Deus! E só Deus pode fazer isso. Ninguém e nada mais neste mundo pode ressuscitar-te de teu estado de morte. Não há outra cura para a tua ferida, nenhum outro remédio para o que o aflige.

Em tudo o que fizeres, escolha o caminho da humildade, e Deus te glorificará.

Preparação para a Oração de Jesus
Agora, se quisermos nos dedicar à Oração de Jesus, devemos também reconhecer que temos um problema. Estamos presos dentro dos limites de nossas preocupações e anseios. Estamos sempre com pressa. Ficamos cansados. Ficamos desiludidos. Vivemos com stress, estamos perturbado por maus pensamentos, por nossas paixões, por tempestades interiores. Para dormir, precisamos estar à beira da exaustão; e para sermos felizes temos que ouvir música ou encontrar alguma outra diversão. Isso não é vida! Isso nos cansa e não nos permite orar tanto e da maneira que desejamos.

É por isso que os Padres nos asseguram que as palavras de Deus “refrescam e fortalecem a alma, como o vinho fortalece o corpo”.

A palavra de Deus pode ser encontrada tanto nas Escrituras como nos Santos Padres. Devemos estudar diligentemente ambos; e entre estes últimos, particularmente os Padres ascetas. Da mesma forma, devemos estar sempre atentos ao nosso trabalho, não desperdiçando desnecessariamente as nossas forças, mas despendendo-as com responsabilidade nos deveres que temos diante de nós. Desta forma, a nossa vida tornar-se-á um exercício espiritual diário e, juntamente com o estudo espiritual, aplainará o terreno da alma, tornando-a capaz de se elevar.

Amor a Deus
Quanto mais próximo estás de Deus, mais O ama. E nosso desejo por Deus não conhece saciedade; é algo que nunca pode ser saciado ou esgotado. O amor encontra a sua perfeição, não nesta vida, mas na vindoura, e isto significa que o amor perfeito deve ser sempre uma insatisfação perfeita. “Amar” significa não encontrar nenhuma satisfação final nas coisas do mundo e, portanto, expressa tanto o nosso movimento em direção, como a distância que ainda permanece, entre nós e Deus. A extensão do nosso amor, então, pode ser medida pela duração do nosso choro. Pode ser medido até que ponto fomos reduzidos a nada na infinidade de Deus e pelas nossas tentativas de tornar Deus nosso e de compreendê-Lo. E esta medida pode ser apreendida, não por qualquer cálculo intelectual, mas apenas através da experiência do sofrimento e do amor.

Matrimônio
Quando vierem dificuldades em teu casamento, quando perceber que não está progredindo em tua vida espiritual, não te desespere. E nem se contentar com qualquer progresso que já tenha feito. Eleve teu coração a Deus. Imite aqueles que deram tudo a Deus e faça o que puder para ser como eles, mesmo que tudo o que possas fazer seja desejar em teu coração ser como eles. Deixe a ação para Cristo. E quando avançares desta forma, sentirá realmente qual é o propósito do casamento. Caso contrário, assim como um cego vagueia, também vagarás pela vida.

É uma adulteração do casamento pensarmos que é um caminho para a felicidade, como se fosse uma negação da Cruz. A alegria do casamento é que marido e mulher coloquem os ombros no volante e juntos sigam em frente na difícil estrada da vida. “Não sofreste? Então não amaste”, diz certo poeta. Só quem sofre pode amar de verdade. E é por isso que a tristeza é uma característica necessária do casamento. “O casamento”, nas palavras de um antigo filósofo, “é um mundo tornado belo pela esperança e fortalecido pelo infortúnio”. Assim como o aço é moldado numa fornalha, assim também a pessoa é provada no casamento, no fogo das dificuldades.

O casamento, então, é uma jornada através de tristezas e alegrias. Quando as tristezas parecerem insuportáveis, lembre-se de que Deus está contigo. Ele tomará tua cruz. Foi Ele quem colocou a coroa do casamento na tua cabeça. Mas quando perguntamos a Deus sobre alguma coisa, Ele nem sempre fornece a solução imediatamente. Ele nos leva adiante muito lentamente. Às vezes Ele leva anos. Temos que sentir dor, caso contrário a vida não teria sentido. Mas tenhamos bom ânimo, pois Cristo está sofrendo conosco, e o Espírito Santo, “através de gemidos, intercede por ti” (cf. Romanos 8:26).

O casamento é um caminho: começa na terra e termina no céu. É uma união, um vínculo com Cristo, que nos garante que nos levará ao céu, para estarmos sempre com Ele. O casamento é uma ponte que nos leva da terra ao céu. É como se o sacramento está dizendo: Acima e além do amor, acima e além do teu marido, de tua esposa, acima dos acontecimentos cotidianos, lembre-se de que estás destinado ao céu, que iniciaste um caminho que te levará até lá sem falhar. A noiva e o noivo dão as mãos um ao outro, e o sacerdote segura os dois e os conduz ao redor da mesa dançando e cantando. O casamento é um movimento, uma progressão, uma jornada que terminará no céu, na eternidade.

No casamento, parece que duas pessoas se unem. No entanto, não são dois, mas três. O homem se casa com a mulher, e a mulher se casa com o homem, mas os dois juntos também se casam com Cristo. Assim, três participam do mistério e três permanecem juntos na vida.

Na dança à volta da mesa, o casal é conduzido pelo padre, que representa Cristo. Isto significa que Cristo nos agarrou, nos resgatou, nos redimiu e nos tornou Seus. E este é o “grande mistério” do casamento (cf. Gl 3,13).

Sofrimento
No início, após a Queda, o próprio homem sentiu e percebeu que o que parecia ser uma maldição - ou seja, a decisão de Deus de que ele deveria viver do suor do seu rosto, ter filhos com dor e redescobrir o paraíso através de muitas tribulações ( Atos 14:22) - escondeu o que era de fato o amor de Deus, que compreendia um caminho e um meio para a segunda criação do homem, para a Sua renovação [do homem] que havia caído e estava morrendo. Ao amadurecer, o homem reconheceu nos seus sofrimentos, no seu trabalho e suor, e até na sua morte, que a sua dor continha um meio de expressão, uma possibilidade viva de se apresentar e revelar-se a Deus, de confessar-Lhe o seu anseio pelo deificação agora perdida. Isto quer dizer que ele, homem, não encontrou melhor maneira de expressar o seu anseio pela deificação do que sofrer dor por causa de Deus.

O homem, de fato, anseia por se tornar um deus. Mas a única linguagem capaz de pedir a sua restauração à comunhão com Deus é a linguagem do sacrifício, a linguagem plenamente vívida e viva do sofrimento por Cristo, por causa do Reino de Deus. O sofrimento torna-se assim um elemento necessário da alma humana, inato, instintivo nela, a própria matéria a partir da qual construímos a nossa relação com Deus. É através dos sofrimentos, provações e tentações que a alma se aproxima de Deus. Assim, ama ainda mais a Deus, torna-se mais plenamente dependente Dele... Deus não cura a alma de outra forma além da dor, do trabalho e ardor, a fim de nos dar a vida em troca de nossa morte voluntária.

Estudo Espiritual
Não tente encontrar nas Sagradas Escrituras prescrições e regras para a tua vida. Ao mesmo tempo, livre-se do desejo de inserir teu próprio pensamento no texto. Deves ler para aprender o que Deus diz, e Deus o inspirará. Além de aceitar tudo o que Deus te disser. Mas talvez agora estejas pensando que tudo isso é um pouco ingênuo; que tais coisas não têm lugar no mundo moderno. O que dizes pode ser bom para as pessoas que vivem em mosteiros, mas temos coisas para fazer, emprego, trabalho, problemas para resolver. Eu vejo. Então a vida cristã é apenas para monges e monjas?... A noção de que já não é possível aplicar as verdades do Cristianismo às nossas vidas é como o ácido nítrico. Ouvi dizer que se você jogar um pouco em uma flor, ela murchará e morrerá. Desta mesma forma tal noção afeta nossa vida. As Sagradas Escrituras são para nós, os escritos dos Padres são para nós, não simplesmente para os monges. Eles têm paz e calma - porto seguro. Somos nós que estamos no meio da luta, no meio da tempestade, somos nós que somos perseguidos pelo diabo. E é a nós que Cristo vem, em meio a todas as nossas dificuldades, para nos fornecer essas armas espirituais, que são chamadas de livros espirituais.

Desapego
Quando algum assunto urgente te obriga a dirigir-se rapidamente para algum lugar, não inspecionas o carro para ver se ele é novo ou que tipo de recurso incidental ele possui, mas o quê te preocupa é alcançar teu destino. O mesmo acontece com os santos, que nunca se desviam de seus propósitos. Eles não estão apegados a nada no mundo. Eles não amam nada no mundo. Eles esperam apenas por Cristo. E Ele os purifica: Ele purifica seus corações. Como nos diz São Simeão, Ele ilumina suas almas e lhes concede a visão de Deus. Deus aparece diante de seus olhos.



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