A COMPREENSÃO ORTODOXA DO PECADO


                                            MORELLI Georges, sacerdote

                                       tradução de monja Rebeca (Pereira)



No primeiro capítulo do livro de Gênesis, lemos que o homem é feito à imagem de Deus e chamado para ser como Ele próprio. A imagem, dizem os Padres da Igreja, é justamente nossa inteligência e livre arbítrio. Deus nos amou de tal maneira que enviou Seu Filho unigênito para nossa salvação (João 3:16).

Se nos revestirmos de Cristo no batismo e continuarmos a nos lavar através do arrependimento, então seremos capazes de refletir a luz de Cristo. Nossa oração constante é "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem misericórdia de mim, pecador." Somos criaturas. Não temos existência independente. Dependemos de Deus para tudo e graças à Sua misericórdia podemos ter a luz de Cristo habitando em nós. Esta é uma realidade espiritual revelada pelo próprio nosso Senhor Jesus Cristo. O valor disso é imcompreensível.

Bispo Hierotheos Vlachos se refere à importância que nós homens podemos ter: "Diz-se que Deus tem essência e energia e que essa distinção não destrói a simplicidade divina. Confessamos e acreditamos que 'a graça, a iluminação e a energia incriadas e naturais sempre procedem inseparavelmente desta energia divina'. E uma vez que, de acordo com os santos, a energia criada significa também a essência criada... A energia de Deus é incriada. De fato, o nome da divindade é colocado não apenas sobre a essência divina, mas 'também sobre a energia divina, nada menos'. Isso significa que nos ensinamentos dos santos Padres, 'esta (a essência) é completamente incapaz de ser compartilhada, mas pela graça divina a energia pode ser compartilhada.

Esta é uma realidade e verdade. Com base no ensinamento iluminativo de São Gregório Palamas, Bispo Hierotheos acrescenta que tudo isso está disponível a nós "através da benevolência de Deus para com aqueles que purificaram seu entendimento". Ele ainda chama a Igreja de um hospital que pode curar nossas enfermidades para que nosso entendimento possa ser purificado e esta vida em Cristo possa s edesencadear em nós.

Paixões: As Inclinações ao Pecado

Após a Queda, estamos predispostos a escolhas egocêntricas direcionadas pelas paixões (luxúrias) em vez de escolhas baseadas no ágape (amor de Deus). Santo Isaac o Sírio nos ensina: "... bajular a carne, produz em nós impulsos vergonhosos e fantasias indecorosas".

As paixões brotam do coração da pessoa. Segundo as palavras de Jesus: "Pois de dentro, do coração do homem, procedem os maus pensamentos, a fornicação, o roubo, o homicídio, o adultério, a cobiça, a maldade, o engano, a libertinagem, a inveja, a calúnia, o orgulho, a loucura. Todas essas coisas más procedem de dentro e contaminam o homem" (Marcos 7: 21-23).

São Paulo escreve ainda: "Enquanto vivíamos na carne, as paixões pecaminosas, despertadas pela lei, operavam em nossos membros para gerar frutos à morte" (Romanos 5:7). A obra das paixões pode ocorrer antes do casamento ou depois que a união conjugal acontece. Em ambos os casos, elas levam a uma escolha de singularidade ou autossatisfação em vez de uma união justa.

As paixões podem predispor um indivíduo à discórdia de Deus e da humanidade. O aviso de São Paulo se aplica à união de ataque do "demônio" com Deus e o próximo: "Ora, as obras da carne são manifestas: prostituição, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, inimizade, briga, ciúme, ira, egoísmo, dissensão, espírito partidário, inveja, embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como já os adverti antes, que os que praticam tais coisas não herdarão o reino de Deus" (Gálatas 5:19-21). Os Padres da Igreja atribuem isso ao demônio de cada paixão que nunca se cansa de romper a união com Deus e a humanidade.

Um exemplo de como isso funciona pode ajudar nossa compreensão. O demônio da luxúria, segundo os Padres da Igreja, pode tomar conta de nossas vidas. A sociedade moderna facilita essa doença. O sexo é transmitido em todos os lugares para quase todos os usos: arte, moda, música, notícias, pornografia (especialmente a Internet) e a venda de quase todos os produtos, de automóveis a computadores. O mundo secular expõe flagrantemente as partes do corpo, principalmente as genitálias.

Os Padres da Igreja já estavam por dentro de tais tentações há mil anos. Santo Isaac, o Sírio escreve: "As paixões são trazidas por imagens ou por sensações desprovidas de imagens e pela memória, que a princípio não é acompanhada por movimentos ou pensamentos apaixonados, mas que depois produz excitação." Uma maneira de lidar com essas paixões, continuou Santo Isaac: "... seu pensamento não deve se apegar a nada, exceto à sua própria alma."

É preciso fazer uma escolha entre Cristo e o demônio. São Paulo indaga:
Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação... angústia... perseguição... fome... nudez... perigo... a espada? Pois estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas presentes, nem as coisas futuras, nem o poder, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo, nosso Senhor (Romanos 8:35-39).

Vigilância e discernimento são as principais virtudes a serem adquiridas por aqueles que buscam Cristo habitando neles e desejam superar o poder das paixões.

O Presbítero Elias nos diz: "Os demônios travam guerra contra a alma principalmente por meio dos pensamentos..." (Filocalia, III). Idealmente, os cristãos ortodoxos farão um "deserto espiritual" para si mesmos, removendo-os das "atrações" tão prevalentes na vida moderna. A morte espiritual ocorre quando esses pensamentos são egocêntricos.

São Máximo, o Confessor, também sabia disso: "O amor próprio e a esperteza dos homens, alienando-os uns dos outros e pervertendo a lei, quebrantaram a unidade de nossa natureza humana em fragmentos." Quanto mais as palavras de São Máximo deveriam se aplicar a todos nós que vemos a união com Deus e toda a nossa humanidade.

Pecado é desunião

O pecado nos faz estar fora da comunhão ou do que pode ser chamado de desunião com Deus e o próximo. São João Crisóstomo afirma: "Cometeste pecado? Entre na Igreja e arrependa-te de teu pecado; pois aqui está o médico, não o juiz; aqui não se é investigado, recebe-se a remissão dos pecados" (São João Crisóstomo). Se a igreja é um "médico", então essa ruptura com Deus e o próximo precisa de cura. Ela está perdendo a marca de estar centrada em Deus e em Sua Vontade. O pecado é considerado, portanto, uma doença ou enfermidade. Com a cura, somos restaurados a uma condição anterior.

Sabemos que essa cura ocorre no Santo Batismo, no Santo Mistério da Penitência, na Santa Unção e pela recepção digna da Sagrada Eucaristia: O Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Cristo. São João Crisóstomo, em sua Divina Liturgia, nos lembra de tudo o que Deus fez por nós: assumir nossa carne, a cruz, o túmulo e a Ressurreição. O fim do qual é nos reconciliar com Ele: "quando caímos, não cessaste de fazer todas as coisas até que nos trouxeste de volta ao céu." Precisamos ser lembrados de que Cristo ao nos dar a Eucaristia, diz: "Tomai e comei: este é o Meu Corpo que é partido por vós para a remissão dos pecados" e "Bebei todos disto: este é o Meu Sangue do Novo Testamento, que é derramado por vós e por muitos, para a remissão dos pecados".

O perdão é para ser reconciliado com Cristo e toda a humanidade. São Mateus nos diz: Mas eu vos digo que todo aquele que se irar contra seu irmão será sujeito a julgamento; quem insultar seu irmão será sujeito ao conselho, e quem disser: 'Tolo!' será sujeito ao fogo do inferno. Portanto, se ofereces tua oferta no altar, e ali te lembrar de que teu irmão tem algo contra ti, deixa tua oferta ali diante do altar e vai; reconcilia-te primeiro com teu irmão, e depois vem e apresenta a tua oferta. Faze amizade depressa com o teu acusador, enquanto vais com ele ao tribunal, para que o teu acusador não te entregue ao juiz, e o juiz ao guarda, e sejas lançado na prisão; em verdade te digo que não sairás de lá enquanto não pagares o último centavo" (Mateus 5: 22-26).

Isto envolve um esforço comportamental ativo em direção à reconciliação.

Orgulho: Uma barreira ao arrependimento
Humildade: O portão do arrependimento

São João Clímaco exalta: O orgulho nos faz esquecer nossos pecados... a lembrança deles leva à humildade." Assim, devemos prestar atenção às palavras adicionais de São João: "Ele não deve permitir que a memória das coisas que o afligem seja estampada em seu intelecto para que ele não separe interiormente a natureza humana ao se separar de outro homem, embora ele próprio seja um homem. Quando a vontade de um homem em união com o princípio da natureza se manifesta dessa forma, Deus e a natureza naturalmente se reconciliam.

Segundo Santo Isaac, a pessoa que atingiu o conhecimento de sua própria fraqueza atingiu o ápice da humildade.

Arrependimento: A condição para o perdão

Quando alguém ofende a Deus ou a nós, ele deve se arrepender. Deus, e nós em imitação a Ele, devemos abraçar o pecador arrependido com o próprio amor de Deus, a fim de perdoá-lo. Temos que orar para que nós ou qualquer um que nos ofendeu ou a Deus, seja reconciliado com Deus e conosco por meio de Sua Igreja. O fundamento desse arrependimento é um senso de sua infidelidade a Deus e ofensa a nós, contrição de coração e determinação para emendar e ter uma metanoia, uma mudança fundamental de mente e coração para não ofender novamente.

Arrependimento

Deus reconhece a diferença entre arrependimento autêntico e não autêntico. Se tal conhecimento for usado como justificativa para o pecado, quer dizer que nenhum arrependimento verdadeiro ocorreu, não importa quantas palavras tenham sido gastas em oração. Se o irmão caído clamar a Cristo como o ladrão na cruz, ele encontrará o perdão de Deus.

Uma pessoa sábia disse uma vez que Deus não olha de onde viemos, apenas para onde estamos indo. Se o arrependimento for tirado de um desejo por um coração puro, o arrependido encontrará Deus, não importa quantas vezes tenha falhado. "Bem-aventurados os puros de coração, verão a Deus" (Mateus 5:8).

Theosis

São Silouan aponta que "aqueles que rejeitam seus semelhantes são empobrecidos em si. Desconhecem o Deus verdadeiro, que é amor abrangente." São Pedro, em sua segunda epístola, nos conta o que Deus: "em Seu divino poder nos concedeu todas as coisas que dizem respeito à vida e à piedade... e nos tornamos participantes da natureza divina" (2 Pedro 1:3-4). Sabemos que isso não é participação ou se tornar Deus em Seu Ser ou Essência, mas compartilhar o calor e a luz de Sua "Energia Divina" (Staniloae, 2003).

Curar paixões leva à Theosis

Isso só pode acontecer, indica o Bispo Hierotheos (Vlachos), se curarmos as paixões de nossa alma. Para o ofensor, isso significa curar a paixão que levou à ofensa. Para aquele que perdoa, isso significa curar a paixão da raiva e aumentar as virtudes da humildade e da mansidão. Perdão e arrependimento são uma moeda de dois lados. Um não pode existir sem o outro.

Segundo São Máximo, o Confessor, o primeiro tipo de desapego é a abstenção da impulsão do corpo em direção ao cometimento real do pecado. O segundo... rejeição dos pensamentos apaixonados... o terceiro é a quietude do desejo apaixonado... o quarto tipo de desapego é a exclusão completa da mente de imagens sensíveis (Filocalia II).

Psicoespiritualmente, isso significa a decisão e a vontade de parar de pecar, agir de acordo com os conselhos de nosso Senhor e fazer tudo o que pudermos para nos remover de eventos e imagens que despertam o pecado. Isso significa substituir e ter disponíveis as obras de Deus, exercitar e praticar pensamentos e atos virtuosos divinos e basear tudo na fundação da oração e dos Santos Mistérios.

Vamos recomendar a nós mesmos e uns aos outros... a Cristo, nosso Deus

Theosis não significa apenas ser animado com o fogo do calor e da luz de Deus, mas estar em comunhão uns com os outros. São Doroteu de Gaza compara nosso crescimento em união com Deus a uma bússola. Deus é o ponto central. Cada pessoa é como os radiais que saem do centro para todos os 360 graus que o circundam. À medida que cada pessoa se move em direção a Deus, o centro, também se aproximam umas das outras, à medida que cada pessoa se afasta de Deus, o centro, elas também se distanciam umas das outras.

Vamos terminar refletindo sobre a oração de Santo Efrém, o Sírio: Se teu irmão está aborrecido contigo, então o Senhor também o está. E se fizeste as pazes com teu irmão aqui na terra, então fizeste as pazes também com o Senhor no alto. Se recebes teu irmão, então também recebes teu Senhor.

Jesus perdoa nossos pecados por meio do poder sacramental dado à Igreja, primeiro aos Apóstolos, depois aos seus sucessores, os bispos e padres, até os dias atuais, ao lhes dirigir a palavra: "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, eles serão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, eles serão retidos" (João 20: 22-23).





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