ESCATOLOGIA E MORAL - OS FUNDAMENTOS ESCATOLÓGICOS DA VIDA EM CRISTO SEGUNDO SÃO JOÃO CRISÓSTOMO
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Por “vida em Cristo” compreendemos imediatamente uma
vida cujas perspectivas ultrapassam os limites e as definições deste mundo para
atingir aquelas da escatologia. Tal perspectiva escatológica implica
consequências imediatas para toda a teologia, a cosmologia, a economia e a
antropologia da Igreja Ortodoxa. Doravante, a própria escatologia se apresenta,
junto a São João Crisóstomo exatamente como um diálogo entre a filantropia de
Deus e a liberdade do homem. Graças a tal perspectiva, o santo Pai faz figura
de profeta do amor e doutor da liberdade. O amor e a liberdade são os dois
traços característicos e os dois privilégios da teologia ortodoxa, elas
diferenciam esta última da teologia e da via ocidental, tanto no domínio do
dogma como naquele do ethos.
O Deus uno, que não tem necessidade de nada e que ama
o homem, cria o mundo e se ocupa dele com desinteresse e “filantropia”. Esta
filantropia divina constitui o fundamento que permite a moral cristã de
considerar com otimismo e de conceber positivamente a criação e a economia
divina. Assim, o homem não se encontra no caos do mundo que o precede, como um
ser insignificante, mas como seu rei. A criação é a serva e é justamente tal
diaconia que lhe outorga seu sentido. Eis porque a criação segue o homem e seu
porvir depende da perfeição do homem. O homem adquiri seu valor próprio não
como um elemento da criação mas como um ser criado “segundo a imagem e
semelhança de Deus”. Ele foi criado não perfeito e imortal, mas como um ser
mortal que aspira à perfeição; pois que a perfeição dada desde o início não
saberia ser uma virtude. Mas o homem assim criado não era também uma criança
ingênua, antes um ser capaz de atingir, com a ajuda divina, a perfeição e a
imortalidade.
O fato de que o estado presente do homem difere de seu
estado primitivo deve-se exclusivamente à sua queda. A vontade de Deus é
absolutamente boa; o projeto escatológico de Deus é positivo e não significa
fatalismo; a existência do diabo não significa imposição de sua má vontade.
Caso contrário, o mal é sem existência e se introduz na criação como um
parasita. A mortalidade não mais agride a vontade humana. A má utilização da
liberdade constitui a única causa da queda, esta consideração é fundamental,
pois o retorno do homem à sua destinação primária pressupõe a boa utilização de
sua liberdade.
A queda do homem decerto faz retardar a perfeição
imediata dele próprio, bem como seu alcance da imortalidade; mas a filantropia
de Deus, que age como um médico, faz com que as consequências da queda sejam
transformadas em tratamento terapêutico e cura para o homem decaído. Assim,
fora de tal aprofundamento escatológico, a morte, o trabalho ardoroso, a
escravidão etc. são elementos que trazem medo, que conduzem o homem ao lucro e
ao pecado pelo qual se instala o reino de Satã.
Neste estado “contra natureza”, ao homem que pode
viver segundo a carne também é possível viver segundo o espírito. A vida dos
santos demonstra que o combate entre a carne e o espírito é um combate moral e
não ontológico e que o retorno consiste na “opinião” e se obtém pela “vontade”.
A vista escatológica da fé e a liberdade curam a fraqueza da natureza humana e reconduzem
o homem no caminho da perfeição.
Eis porque São João Crisóstomo põe o acento sobre a
educação tanto em relação à vontade, levando em conta que uma forma a outra.
Uma educação correta pode oferecer ao homem o discernimento do “bem” e a
sabedoria salvadora da serpente. O conhecimento do bem é fácil, pois a virtude
existe “por natureza”, enquanto o mal é “contra natureza”. A consciência ensina
o homem os primeiros elementos da virtude somente; a Lei mais exige e pune do
que ajuda; a obra de Cristo constitui o “pleroma”. Ela é superior pelo fato,
não somente de revelar a verdade graças à qual o homem não segue mais um
mandamento, mas imita Cristo; esta Verdade abole igualmente o mal supremo que é
a morte; no que concerne Cristo, em Seu nascimento da Virgem pelo Espírito
Santo – como segundo Adão e como uma nova criatura -; no que concerne o homem,
na cruz. Quanto à Ressurreição de Cristo, ela constitui, para São João
Crisóstomo, uma abertura aos últimos tempos. Ao demonstrar que a morte é um
sono e que o inimigo foi vencido, abrem-se então as vias à aquisição das
virtudes superiores; eis a primeira ressurreição do mundo, sua ressurreição
moral. Por este fato, São João Crisóstomo justifica a Ressurreição de Cristo.
Todavia, a imitação e a apropriação da morte e da ressurreição de Cristo só são
obtidas para o homem no batismo, uma primeira vez, na comunhão aos Santos
Mistérios, em seguida e de maneiras repetidas. A nova moral da Igreja, fundada
escatologicamente sobre a Ressurreição, é superior à antiga tanto do ponto de
vista das novas virtudes como de seus métodos terapêuticos mais eficazes.
Assim, para atingir o mesmo objetivo, a moral cristã emprega, decerto, a razão,
o temor do castigo ou a esperança da recompensa, mas prefere antes de tudo o
amor perfeito e a lei da liberdade.
Nesta perspectiva escatológica da Igreja ortodoxa, tal
como desenvolvida por São João Crisóstomo, a vida presente é considerada, por
um lado, como o tempo favorável para a cura e a perfeição, mas por outro lado é
também considerada como uma vaidade e uma torpeza em virtude dos prazeres e da
vanglória; a vida presente é um albergue ou uma estrada e não “a cidade de
nossa morada”. Esta estrada é o “caminho estreito”. No entanto, suas dores são
consideradas numa perspectiva escatológica como meios terapêuticos e não como
um castigo, um acordo, um testemunho escatológico e uma glória. Com suas dores,
o fiel obtém a aliança com o Espírito Santo, do mesmo modo como sua virtude lhe
traz a alegria. Tal armadura, a virtude, é obtida pela sinergia da graça divina
e da liberdade humana. A graça tem um papel inicial de convite. Comparadas à
graça, as obras são de um valor mínimo quanto ao papel desenvolvido, mas têm o
mesmo valor que a graça quanto à necessidade de sua existência; sendo assim também
indispensáveis. A ascese estende a corda no vento do Espírito. A humildade é a
coisa preliminar à verdadeira virtude, enquanto o amor desinteressado é seu
próprio objeto.
Graças à perspectiva escatológica, a prática da
virtude pode ser realizada de inúmeras maneiras. Enquanto o monaquismo,
enquanto vida angélica e primícia dos últimos fins, é a maneira por excelência,
o fiel pode atingir o objetivo final de outra forma. O matrimônio é louvável;
ele é considerado como um método escatologicamente terapêutico pelo amor e a
obediência salutares. A paternidade e a maternidade são antes de tudo
espirituais. A mãe é considerada segundo o modelo da mãe dos mártires, como por
exemplo a mãe dos Macabeus; mãe é aquela que gera “filhos de Deus” em seu
reino. A educação das crianças não pode ser nada mais do que a formação dos
“filósofos” dirigidos ao céu.
Nesta mesma perspectiva escatológica, as diversas
estruturas da vida social são vistas como uma “ascese” e não como uma
“violência”; elas visam o “amor” e não somente a “necessidade”. Assim o valor
fundamental do trabalho é o valor espiritual, antropológico e social.
Dever-se-ia, então, manter a superioridade do espírito sobre a matéria. Sob um
ângulo escatológico, a “riqueza” é a própria “pobreza em espírito”. É somente
neste caso que os bens tornam-se um meio de ascese e de amor. Por consequência,
a esmola repousa sobre a própria natureza da riqueza; é uma ascese que purifica
aquele que dá, rendendo, ao mesmo tempo, serviço àquele que recebe.
Logo, tais fundamentos escatológicos definem as noções
mais fundamentais da vida cristã e funcionam da mesma maneira que todas as
soluções morais do cristianismo. Quando tais fundamentos escatológicos são
esquecidos, o dogma e a vida são alterados igualmente.
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