MÁRTIRIO E MONAQUISMO ORTODOXO
AIMILIANOS Arquimandrita de Simonopetra
tradução de monja Rebeca (Pereira)
INTRODUÇÃO
Antes de começar
minha conferência, eu gostaria, Sua Exma., de vos exprimir meu reconhecimento,
não somente de me ter contado dentre o número desta bela assembleia – o que foi para
mim uma alegria inesperada e uma descoberta –, mas também de ter honrado minha
humildade ao propor-me falar acerca do assunto indicado.
Desde os Meteora, eu não havia ainda assistido a um
congresso monástico, e este encontro me faz considerar a afeição que a igreja
sempre testemunhou para com o monaquismo. Ainda que este, habitualmente, seja
para os dirigentes da Igreja uma causa de dores e de problemas, a Igreja
todavia, em todo tempo, abraçou o monaquismo e concedeu seu consentimento às
aspirações dos monges.
Eis que concedeste-me a honra deste encontro de muitos
irmãos, como também aquele de receber a sua bênção, aquela do venerável
arcebispo do Sinai, aquela dos santos bispos presentes, e de outros irmãos.
Nosso Mosteiro está ligado de maneira muito particular à
cidade de Tessalônica, por intermédio de São Theonas, que viveu em Simonons
Petra, e igualmente por São Gregório Palamas, cuja tradição reporta que um de
nossos eremitérios - uma gruta - foi o lugar de sua estadia e de numerosos
combates espirituais.
E ressinto São Dimitrios, em honra do qual nós nos
encontramos aqui, como sendo, ele também membro de nossa assembleia. Não era
ele cidadão desta cidade? Isto significa que era membro de nossa Igreja de
Tessalônica, que não é somente atual mas “foi e será (1)”. Por consequência,
São Dimitrios não cessa de ser o Santo, membro desta assembleia da Igreja que
nós formamos; ele está presente em espírito e ouve tudo o que é dito neste local.
Depois de ter expresso estas pobres palavras de
agradecimento, permita-me, Sua Exma., abordar nosso sujeito que tem por
título:
O MARTÍRIO, ELEMENTO PRIMORDIAL
DO MONAQUISMO ORTODOXO
Decerto,
se analisarmos o conteúdo de uma alma aspirando à hesyquia, nós ai
encontraremos numerosos elementos edificantes, os quais afetam, compõem e
aperfeiçoam a vocação monástica. Citemos alguns:
· O arrependimento como desejo ou como
necessidade da alma.
· O sentimento do carácter efêmero, da
ilusão, e da obscuridade dos seres, dos fenómenos, das aspirações, do mundo
inteiro que representa simplesmente uma imagem e uma reminiscência de um outro
mundo realmente existente.
· O amor de Deus e a preferência pelo
Seu Reino, a partir do qual todo o resto é considerado como detrito e refugo,
quando se trata de adquirir Deus. Mesmo até as coisas mais sagradas e
santificadas pela Igreja, assim como o são, por exemplo, a mulher e o homem, o
casal, as crianças, a participação à vida eclesiástica no mundo, à toda
atividade ou vida social, e ainda a predicação, a distribuição de bens e dons,
o sacerdócio; todas as condições e obrigações sociais são repelidas.
É desta forma que São Basílio
interdita ao monge tomar o sacerdócio. As doações (esmolas) são consideradas
como um pecado grave para o monge, quando ele próprio as realiza. A predicação
é considerada como a expressão de um egoísmo, quer dizer, uma avaliação das
coisas totalmente diferente àquela que existe ao seio da Igreja no seu
conjunto; a fim de mostrar que o monaquismo é uma transferência para um outro
mundo e outra sociedade. Em contrapartida, a tendência à solidão, à hesyquia, à
expatriação, assim como o desejo da perfeição e da deificação, coexistem em
toda a alma que aspira viver afastada ou que deseja a solidão. Seria impossível mencionar alguns outros elementos deste gênero, os quais são próprios aos
monges, em função de seu conhecimento, de sua cultura, de seu modo de vida, de
seu caráter, de sua vida e de sua história.
Todavia, o elemento que não falta
jamais, em toda a vocação monástica, e que de forma manifesta, enérgica e
total, origina e desperta toda a existência daquele que aspira à solidão, é o
espírito do martírio, a paixão da Paixão, sua disposição à ter paciência, a
sofrer, a se sacrificar, a morrer por amor a Deus, ou ainda para exprimir os
impulsos íntimos de sua alma e sua busca permanente de Deus. Eis porque podemos
dizer que se alguém caminha em direcção ao monaquismo, é para tornar-se mártir
por meio de numerosos esforços, muitos labores e lágrimas, pela paciência (ou
com “muitas paciências” como o diria um monge athonita), e pela provação das
aflições, ainda mais pelos trabalhos, os aprisionamentos, infinitamente mais ainda pelos golpes
vindouros dos demónios e dos homens, e por meio de muitas mortes. (1)
O MARTÍRIO, ELEMENTO PRIMORDIAL
DA VOCAÇÃO MONÁSTICA
Mas
porquê o martírio é um elemento primordial da vida monástica?
Eu
desenvolverei aqui três razões, dentre muitas outras, a fim de não me afastar
dos limites que havíamos antes fixado.
1.
Desde o princípio, desde a sua queda,
o homem ressentiu e compreendeu o que ele considerava como uma maldição – quer
dizer, a decisão tomada por Deus de trabalhar com o suor de sua fronte e de
gerar filhos na dor, a fim de reencontrar o Paraíso “ por muitas tribulações
(2)” – ocultava, de fato, muito amor da parte de Deus, e constituía um meio e
uma via para a sua segunda criação, para a regeneração do homem caído.
Amadurecendo, o homem reconhece
através de seus sofrimentos e sua transpiração, assim como em suas aflições, e
mesmo na morte, uma expressão que a dor contém nela própria: uma viva
possibilidade de permanecer diante de Deus e de Lhe manifestar, de Lhe
confessar seu desejo de reencontrar a divinização perdida. E ele não encontra
melhor meio para exprimir seu desejo da divinização além daquele de sofrer por Deus.
Sim, o homem quer tornar-se deus. E
Deus diz: “tudo quanto pedires, Eu o farei (3)”. Este pedido, esta linguagem
pela qual o homem se exprime para fazer subir o clamor de seu coração
solicitando sua reintegração na comunhão divina, é a linguagem do sacrifício, a
linguagem viva e de mais alto ponto representativo “daquele que sofre” por Cristo, em vista do Reino de Deus.
Desta forma, o sofrimento constitui
um elemento inato e imperativo da alma, que cresce naturalmente nela, tal como
uma matéria que a une em suas relações com Deus. Sofrendo, combatendo e
afligindo-se, o homem se aproxima de Deus. Ele ama mais a Deus, dependendo mais
completamente de Deus, que, para esta razão justamente – por economia poderíamos
dizer – não é servido de outra maneira (segundo a palavra de São Gregório (4) e
a experiência de todos os Padres), senão com o sofrimento, o labor, a aflição,
concedendo a via em troca de nossa morte voluntária.
Consequentemente, seria impossível
que os sofrimentos faltassem à alma que ama Deus, e ainda mais à vocação
monástica, que é uma concepção virginal pelo espírito de salvação. Eis porque
aquele que deseja a vida ascética não encontra repouso em nenhuma solução
moderada, em nenhuma situação convencional. Ele espera em sua perfeição,
praticando as maiores asceses, suportando as mais dolorosas provações. Esta
consciência do martírio que é sua, agita-se facilmente, voluntariamente e
agradavelmente, com júbilo, em relação à toda dor excessiva: a ele basta ganhar
a Cristo.
É por isso que observamos monges
entregarem-se aos maiores excessos, como por exemplo, Santos que tentam
ultrapassar quarenta dias sem sono, sendo ameaçados pelos Anjos, os quais lhes
obrigavam a comer. Vemos ainda monges athonitas que sugam uma espinha de
peixe, a fim de observarem a dispensa de peixe (concedida pela Igreja em alguns
dias de jejum). E mesmo atualmente, existem monges que, tal como os antigos,
de dia e de noite, jamais sentam e nem deitam, mesmo se suas pernas estiverem
inchadas, exalando, apesar disto, um bom odor; eles nunca estão doentes. É o
impulso natural de um homem que saboreia a alegria da aflição, as delícias
espirituais da dor, e não da dor psicológica. Esta mesma alma pede para sofrer
a fim de manifestar a Deus o sue amor e a fim de viver o amor. Isto observa-se
não só nos monges, mas também na vida quotidiana de todo homem.
2.
As raízes espirituais do cristão,
o percurso ao martírio, lhe inspiram o desejo de Deus precisamente pela “via da
piedade”, “na via segundo a filosofia (5)” em vista da divina participação: o
monaquismo. E se este desejo de exprimir a Deus seu amor pelo intermédio do
sofrimento é tecido desde a tenra infância de sua alma, este aumentará e
tornar-se-á gigantesco na vida monástica; as raízes espirituais do cristão o
conduzem ao amor da paixão, do martírio.
O próprio Senhor, sofrendo o
martírio da cruz, tornou-Se “modelo (6)” para nós, e nós somos julgados dignos
de completar o que resta aos seus sofrimentos e às suas provações (7) prolongando-os
e tornando-os, de sorte, presentes na Igreja, e simultaneamente obtendo
expiação, vida e salvação.
Quando Ele chama o Apóstolo Paulo –
assim como todos os outros apóstolos – Deus lhe mostra “tudo necessário para
sofrer (8)”, e o que testemunha que ele não poderia ser apóstolo e seu
discípulo se não sofresse por Ele. O Apóstolo sempre apresentou suas provações
como argumento manifesto de sua apostolicidade, de sua sinceridade e de seu
amor para com Deus, provações que constituem para o Apóstolo Pedro igualmente
um carisma selando “o fato de crer n’Ele (9)”. Em efeito Ele não nos fez
somente dom de crer n’Ele, mas ainda “de sofrer por Ele (10)”.
Consequentemente, e em um certo sentido, o sofrimento, o martírio do homem,
conduz a fé à sua perfeição, de outra forma o homem tornar-se-ia incapaz de
amar e de servir a Deus.
Outros apóstolos selam suas missões
pela morte do martírio, tal como Tiago, irmão do Senhor, e primeiro Apóstolo
que foi executado, André o corifeu, assim como o proto-mártir Estêvão. O monge
é considerado, segundo São João Clímaco, como aquele que “marcha na armada do
primeiro mártir (11)”. Anteriormente a eles, todos os profetas seguiram a via
do martírio, nomeemos somente o Precursor do Senhor, modelo dos monges e
príncipe dos anacoretas, segundo São Jerónimo.
Aqueles que, no Antigo Testamento,
sofreram “nas montanhas, cavernas, e antros da terra (12)” tornaram-se
protótipos dos monges, monges antes dos monges, poderíamos dizer. No Antigo
Testamento são louvados aqueles que viviam com um espírito corajoso e o
espírito do martírio. Eleazar é chamado de “santo homem” quando nobremente
morre por meio de golpes (13)”.
A cada dia, o monge meditando todos
estes exemplos do Antigo e do Novo Testamento, é saciado de entusiasmo e deseja
então afligir-se e sofrer o martírio. Lendo ainda o Saltério, ele se entusiasma
ainda em sua busca de Deus, e em virtude d’Ele, ele é exposto à morte todos os
dias, reputado como ovelhas para o matadouro (14)”. Ele é conduzido a buscar a
Deus de todo o seu coração, seu coração que “tem sede” d’Ele (15), o Forte. Mas
isto significa também dor acentuada, desejo ininterrupto do martírio,
“liquefacção” incessante da alma, que se precipita, abandonando tudo, a fim de
ser vista pelo Deus invisível, que sem dúvida vê suas lágrimas, as quais lhe
servem de mantimento de dia e de noite (16).
Seguramente, quando o fiel lê a
cada dia no Saltério que as montanhas e os desertos rejubilam diante da face de
Deus, donde vem o socorro, ou ainda, no Livro do Apocalipse, ele lê que a mulher
– modelo da Igreja e de toda alma – “dera à luz o varão (17)”, recebendo as
“duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto”, deserto que é
chamado “seu lugar”, é-lhe difícil de admitir que a busca de Deus e sua
consagração a Deus se produzem nas montanhas e desertos, com os combates e as
lutas da vida anacorética? É-lhe difícil de ver este deserto como um lugar e
meio de seu martírio?
Era então muito natural que os
cristãos, desde os primeiros instantes em que fora instituída a Igreja no mundo,
desejando o conhecimento da Escritura e a verdadeira perfeição evangélica, o
jugo da cruz do Cristo e a herança do Reino dos Céus, quisessem organizar-se
entre aqueles que haviam se retirado aos desertos, quisessem ser “as virgens
que seguem o Cordeiro para onde quer que Ele vá (18)”. No princípio, eles
viviam isolados do mundo, localmente ou de forma figurada, e em seguida,
afastados do mundo por mais amor e maturidade, segundo a expressão de São Paulo
que faz do “mundo um crucificado para mim e eu para o mundo (19)”.
A vocação monástica e o amor pela
solidão, assim como o desejo do martírio, nascem ao mesmo tempo e crescem
juntos. Eles se formam tal como os rebentos e os frutos naturais da predicação
evangélica, em todos os homens que têm a liberdade de encontrar e escolher o
meio mais fácil de empreender sua vida cristã e de entregar, por Cristo, aos
combates ascéticos que satisfazem a Deus.
Eis a razão pela qual era normal
que a Igreja os honre como seus filhos de eleição, e que Ela se preocupe particularmente
– desde que foi reconhecido, no IV séc., seu direito de vida, de liberdade e de
organização – destes milhares de gerações amigas de Deus e atletas de Cristo,
que Ela os prodigalize toda sua afeição a sua vida monástica que imita aquela
do céu, e que Ela ofereça todas as possibilidades de desenvolvimento.
Logo, o monaquismo é, em sua
essência, muito antigo, desde que o Filho deu testemunho do Pai e o Pai do
Filho; em todo caso, desde que a Igreja de Cristo foi fundada sobre a terra é
que a noção da cruz e do martírio dominaram entre os seus membros, que
ressentiam suas raízes espirituais, assim como as fontes e tradições, que os
pressionava e os conduzia a um martírio que se realizava nas montanhas, nas
grutas ou nos mosteiros, lá onde Deus queria.
3. As perseguições contribuíram muito
ao desenvolvimento desta noção de martírio no monaquismo. Este, não podendo,
por natureza, ter outras perspectivas além do amor de Deus e a comunhão com
Deus, vê sempre esta relação do homem com Deus se exprimir sob o aspecto de um
combate heróico e de façanhas atléticas.
Deus pode, desta forma, falar com
Sua criatura, tal como o exige de Job, o mártir do Antigo Testamento: “Cinge os
teus lombos, como homem; e perguntar-te-ei, e tu responde-me (20)”. O homem
temente, que se repousa na facilidade, não pode dialogar com Deus. eis porque
Santo Atanásio prescreve com exigência às virgens “rejeitai o espírito feminino
(21)”, e a Igreja confia às monjas as mesmas lutas e aflições que aos homens.
As persecuções trouxeram, então, a
possibilidade aos fiéis de selarem seu desejo divino pelo martírio do sangue,
martírio que eles viam como um dom e um carisma de Deus, como o resultado de
Seu Poder consolidando a fraqueza humana, como uma honra (um orgulho) e uma glória que oferece
sua infinita filantropia, como chance única de abertura à vida, passando do
sonho à realidade, da corrupção à eternidade. O martírio do sangue selava a
salvação imediata e verdadeira, a aquisição “palpável” de Deus. O sangue
fecundou as entranhas da Igreja que concebem os Santos e, mais do que qualquer
outra coisa, a perseguição tornou autêntica a vida dos filhos da Igreja que, ao
darem seu sangue, herdaram o céu.
A Igreja viveu com entusiasmo a
palpitação (do coração) dos mártires, mesmo se ela conhece o drama do turbilhão
das perseguições. A Liturgia dita dos Santos-Apostólos convida o povo a
comemorar especialmente os santos mártires, a fim de que sejam julgados dignos
de “tornarem-se participantes de suas lutas”. Pois a Igreja acreditava que
“quando o Espírito Santo está em algum lugar, ele é seguido de perto, como por
uma sombra, pela perseguição e pela luta (22)”. Lá onde se encontra o martírio,
lá está o Espírito.
Quando, por benevolência divina, as
perseguições tomaram fim, as almas inflamadas pelo Reino de Deus, viraram-se a
partir de então exclusivamente em direcção à vida ascética. O que os mártires
realizavam durante a noite precedente ao dia em que receberiam a coroa do
martírio, quer dizer, o jejum desde a tarde, a vigília, a ação de graças e a
espera, jubilosa, da grande hora, isto os monges “chamados ao martírio
invisível (23)”, como o diz Santo Isaac o Sírio, o realizavam a cada dia e à
cada noite, sem serem perturbados, pois a Igreja, livre agora, organiza
melhor seu gênero de vida.
Lá onde de revelam personalidades
capazes de conduzir almas a Cristo, lá desenvolvem-se uma quantidade de
comunidades monásticas.
O martírio quotidiano dos monges, é
uma incessante participação à morte de Cristo e aos sofrimentos dos heróis da
fé, pelos quais eles obtiveram o direito ao triunfo dos Santos. A ascese, a
obediência, os diversos combates, a kênose
e a verdadeira humildade são os instrumentos deste martírio. A cela é a
arena. Os monges por crerem que “devem atingir a morte como uma transferência à
Vida (24)”, lutam como mortos para o mundo, “túmulo anterior ao túmulo (25)”,
tendo por baluarte seu mosteiro.
Todos os monges, “tal como homens
que portam seu sangue em suas mãos (26)” eram muito amados e respeitados pela
assembleia do povo – assim como ainda em nossos dias - , reavivando sua fé,
fortificando seu espírito e o excitando à paciência do Senhor, que os torna
dignos de “se unirem ao coro dos mártires e de se comunicarem familiarmente com
os Anjos (27)”.
De forma manifesta, o martírio da
vida monástica – mesmo se ele não implica a efusão do sangue, que torna a vida
monástica perfeita -, é a consequência da vocação monástica, a realização da
vida ascética criada a partir de inumeráveis e diversas formas de ascese, que
dependem do desejo, do carácter, da liberdade interior, dos conhecimentos, das
circunstâncias, das condições de vida, etc., da ascese e, evidentemente, da
formação dada por seu Pai Espiritual, assim como do discernimento deste.
O monge, desencarregado dos
cuidados, das “aflições”, da “opressão” da alma, que provocam as condições de
vida e os problemas do mundo, encontra a via fácil e livre que conduz a Deus,
na santa hesyquia e no seio de uma família monástica apropriada, tal como pela
situação espiritual adequada. Ele se entrega então à uma ascese mais intensa, à
renúncia e à divina conversação. As discórdias, as preocupações, os cuidados
que afetam obrigatoriamente todo o homem no mundo, lhe são afastadas, ele pode
então fazer tudo, até mesmo esforçar-se em encontrar ainda outros meios de submissão voluntária a fim de obter a perfeição em
Cristo.
Aquilo que, objectivamente, não é
necessário ou é facultativo para o secular, a consciência do monge o torna, por
amor, subjectivamente obrigatório. Eis porque Teodoro Studita diz: “Perseveremos,
meus irmãos, no martírio contínuo da consciência... pelas lágrimas, pela
atenção, pela suplicação, pela compunção, e por meio de outras pequenas mortes
do corpos (28)”.
Pela experiência o monge conhece
aquilo que os Padres viveram, o que quer dizer, “ quando o coração está
afligido, as lágrimas transbordam (29)” para a vida eterna do Espírito, e
oferecendo desta maneira o seu sangue, ele recebe o Espírito (30).
Opostamente, quando o sofrimento
cessa, abalando também a esperança, a certeza, a segurança, a relação com
Cristo. Posto que a finalidade da ascese monástica é Deus, o monge não conhece
outro fim ou outra medida em sua ascensão e em sua deificação (31), “nem de
perfeição à perfeição (32)”. Somente o martírio o faz imitador e companheiro de
Deus.
Por consequência, tornar-se monge é
o princípio da entrada no martírio à vida da consciência. O monge, certamente,
se rejubila nos combates – mas jamais ele está contente – pois estes se
desenvolvem segundo a obediência e as possibilidades da pessoa que amou e
escolheu árduos caminhos (33).
E tudo isto o monge considera como
uma “leve tribulação momentânea (34)”, que lhe trará a vida eterna. Não que ele
seja justificado pelos combates ou que ele tenha conseguido “alguma coisa”,
pois “isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se
compadece (35)”. O que nos convém é
sofrer e querer.
Toda façanha é um presente de Seu
amor. Por meio de toda esta ascese, aquele que luta exprime somente o seu
desejo de escapar à lei do pecado dos primeiros pais e às suas consequências,
atingindo em imediato a bênção e a graça de Deus. Da parte do homem, ele
próprio, nem força nem orgulho, ele está no “estádio” e as coroas estão no céu
com Deus.
Animado por este pensamento, o
monge converte as noites em dias portadores de luz par a alma, lutando para
ganhar o favor de Deus, para que, qualquer que seja o dia escolhido por Deus,
nesta vida ou após desenlace dos laços humanos, seus olhos recebam o carisma
“de fixar e observar a contemplação celeste (36)”.
Nestas fatigantes trevas de sua
pobreza, o monge luta e vive com a invencibilidade e a ignorância de deus que
por amor excessivo permanece oculto. Ele está convencido de que ele é verme e
parasita (37). Mas ele crê em Deus e lhe pede de vir em auxílio de sua incredulidade.
Ele crê que ele, pecador, que ele continua a pecar, que ele o mais pobre de
todos os homens, verá em maior escala o
que viram os profetas e os reis.
Desta forma, pelo clamor que brota de
suas numerosas provações: “Senhor, Jesus Cristo...”, ele manifesta toda a
agonia do homem caído e a esperança na comunhão à divina luz dispensada em
profusão. Eis a linguagem que Deus conhece e compreende, e a partir da qual Sua
criatura se entende com Ele.
O monge está plenamente feliz pois
comunga assim com Deus, ele não faz depender sua paciência às visitas divinas e
às transformações espirituais, pois o seu bem não é posterior a Deus, nem
anterior a Deus, mas somente Deus.
Deus todavia – é quem responde, segundo
nosso coração, ao que nós O pedimos –
partilhando-se, agindo em nós, em nosso espírito, nossa alma, nosso corpo,
fazendo-nos conhecer também Seus segredos e aqueles de nossa natureza, aqueles
que são e que serão. E pouco a pouco nós distinguimos os traços de sua presença
e aprendemos como é necessário compreender a “natureza dos seres. (38)”
Nossa vida torna-se um banquete de
Deus. “E eles permaneciam no lugar de Deus pois que comiam e bebiam. (39)” Se
Moisés e seus companheiros “permaneciam no lugar de Deus pois que comiam e
bebiam”, como pode ser possível que o homem não coma e nem beba, ele que quase
da mesma maneira, permanece diante de Deus? Maiores serão os seus sofrimentos,
maiores as consolações do Espírito farão rejubilar sua alma (40).
O que decorre disto é que o martírio
monástico é uma elevação laboriosa a Deus, um amor e um desejo da ascese até à
morte, desejo que exprime e provoca as recompensas e os dons da Graça divina.
O que dizeis vós? Isto não vale a pena,
segundo a voz profética, “de santificar esta guerra (41)”, de se erguer como os
combatentes de Deus, subindo todos a Ele, tal como homens de guerra?
Antes de terminar, eu estimo necessário
adicionar à estas palavras o eu se segue.
Indubitavelmente o martírio na
hesyquia é buscado pelo monge, como um meio que conduz a Deus. Mas nós formamos
aqui um congresso monástico. Alguns dentre vós vêm de mosteiros – mais
precisamente athonitas -, enquanto outros vivem, lutam, têm fome, sofrem,
vigiam pelo rebanho de deus, na Igreja que combate no mundo.
O sujeito de nossa conferência é o
monaquismo e o martírio. Estas palavras são então válidas para todos, para os
monges que vivem nos mosteiros e para os hieromonges, não é?
Sim, sem dúvida alguma, elas são
válidas, mesmo se ontem ao meio-dia, durante nossa conversação surgiram alguns
problemas e oposições.
Se os primeiros vivem em um local
natural de seus combates, os segundos todavia, os hieromonges, vivem a Igreja
pastoral no mundo. Eles vivem um martírio ao fazerem pastar as almas dos redis
de Deus.
Estes também são amantes do martírio,
eles cobiçam o sofrimento e o labor e se preparam a um martírio de um novo
gênero. Não sendo estimulados pelo ardor do trabalho e as necessidades
materiais, é-lhes necessário ver, como objeto de seu martírio, a absoluta
necessidade de uma organização de seu tempo e uma tranquilidade suficiente para
as santas lutas espirituais de suas vidas pessoais. Ainda, é-lhes necessário
prever, em seus trabalhos pastorais, “o fracasso” que não tarda a surgir.
Fracasso não porque não sejam capazes de conseguir, mas porque – diríamos nós –
a missão do obreiro espiritual na Igreja é de fracassar para que o poder de
Deus seja revelado.
Elias o zeloso foi enviado para
testemunhar da verdade e proclamar o Deus vivo. E qual o fruto de sua missão
pode este profeta ver? A maneira como Deus o elevou, antes mesmo que ele
tivesse terminado sua obra, é certamente maravilhosa, todavia era também –
poderíamos dizer – uma morte, era o anúncio de sua substituição por um outro
profeta. Mas é justamente pela semente de seu testemunho que Deus o havia
enviado.
São João o Precursor deu testemunho
da verdade e blasfemou a iniquidade. E portanto a iniquidade continuou até
nossos dias e parece reinar, e ele perdeu sua cabeça. Ele falhou, mas no
entanto continuou a ser o Precursor de Cristo, o cume dos profetas.
Onde estão as inúmeras Igrejas
apostólicas que os Apóstolos fundaram no Oriente? Onde estão as conquistas e os
milagres que tantos santos realizaram? O
que veio a ser dos predicadores dos milhares de predicadores da Palavra divina?
O mundo continua a girar na lama do pecado.
É realmente necessário saber que
nossos filhos, nossos rebanhos, todos aqueles por quem nos afligimos e
lutamos, viverão no pecado de seus corações, viverão as paixões nas quais vive
a sociedade inteira. Todavia eles sobreviverão na eternidade quando Deus lhes
arrebatar no instante determinado para cada um, que só Ele conhece.
Deus é Aquele que dá a vitória,
mesmo se nós somos incessantemente atormentados, e é Ele quem ganha os homens,
não em virtude de nossos próprios esforços, mas pelo meio que Ele revela a
Isaías, a quem Ele profetisa, predizendo-lhe o fracasso: “assim santa semente
será a firmeza dela. (42)” Quer dizer Sião. É com se Ele lhe houvesse dito: “Tu
fracassarás. O mundo, à hora em que ele comer minha palavra e ou o pão que Eu
lhe der, Me blasfemará, ele Me renegará e ele clamará “some, Deus!” Mas em
Sião, pelo poder do Espírito, Eu coloquei uma semente santa e viva a qual será
sua estela posta como um memorial, a base, a raiz, o tronco, o germe poderoso
que suportará através dos séculos a torrente do pecado e o cataclismo de todo
mal. Ele manterá o “resto” de Israel e o transformará na Igreja de Deus, Pai
dos que foram salvos”.
Este germe é mantido vivo e
trata-se da vida monástica, coluna da Igreja e estela recordando os julgamentos
de Deus nos corações dos homens e os julgamentos daqueles que podem pedir a
Deus, prescrições que geralmente ignoram até o momento onde, diante deles e de
maneira evidente, eles descobrem a vida monástica.
Deus honrou a vida humana com a
vida monástica e é graças à ela que o mundo permanece firme. “Por eles – os
monges – o mundo está consolidado e a vida humana foi honrada (43)”.
Eis porque é-nos necessário ter
mais confiança naquilo em que professamos, revestindo nosso raso, quem que nós
somos, do que em nós próprios, tão grandes e fortes que nós somos ou
acreditamos ser.
Se desejamos fazer algo que seja
nosso, que o seja somente de nos rejubilarmos, posto que fomos também julgados
dignos de sermos monges e, por consequência, co-herdeiros dos santos que
sofreram o martírio. Não nos inquietemos pelas cargas que nos são impostas,
quaisquer que elas sejam. Não nos esqueçamos que a nossa vocação é um
chamamento ao martírio. Deus cuida de nós e de todos aqueles que nos são confiados.
É difícil ao Deus que embriaga a terra, de embriagar também o coração dos
homens que formam Sua Igreja, tal como Ele embriagou nossos próprios corações?
CONCLUSÃO
E agora é nos necessário concluir.
Eu gostaria de formular um simples pedido a todos nós: tenhamos confiança em
Deus, guardemos a memória de Deus e um amor doloroso para com Ele. O que somos
nós? E o que é Ele? Todos os homens, o mundo inteiro, e nós todos em toda a
imensidão de nossos corações, com nossos combates e nosso amor, não podemos
chegar nem mesmo à altura “de um dedo do pé de Deus”, nem à infâmia de Sua
santidade.
Confessemos, então a nós próprios,
que nada somos. Isto equivale ao martírio de ser esmagado pelo passo do amor de
Deus, na pressão da ascese da vida monástica repleta de delícias de Cristo, de
ser transformado no vinho novo que faz rejubilar o Senhor, e convertido no
mistério de uma vida nova.
Homilia apresentada no Congresso Monástico e realizada na Metrópole de
Tessalónica aos 11-13 de Maio 1980, esta conferência nos fala do martírio
quotidiano dos monges como uma incessante participação à morte de Cristo e aos
sofrimentos dos heróis da Fé, sofrimentos estes, que conduzem ao triunfo dos
Santos.
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