Starets Sofrônio de Essex - testemunho
MANTZARIDIS Georges
tradução de monja Rebeca (Pereira)
A pessoa do Ancião Sofrônio
imprimiu-se em minha consciência como aquela de um homem de Igreja
de primeiro plano tendo vivido e posto em prática a vida cristã
ortodoxa em sua plenitude teológica. E podemos compreender, de
acordo com o respeito que ele nos testemunhava, como e o quanto é
necessário respeitar-se a si-próprio, e respeitar os outros.
Podemos ressentir, segundo a liberdade que ele nos dava (fazia dom),
como e o quanto devemos estimar a liberdade de cada um. Através dos
horizontes que ele abriu diante de nós, podemos refletir acerca de
nossas possibilidades ilimitadas. Por meio de uma pequena intervenção
ou uma sugestão, ele pôde traçar uma via para toda uma vida. Antes
mesmo de nos conhecermos suficientemente nós mesmos e de termos
plenamente consciência de nosso caráter, o ouvimos nos dar
indicações ou exortações de uma importância crucial para nossa
conduta e percurso de toda a nossa vida.
Vendo milagres junto do Ancião,
não somente intervenções extraordinárias ultrapassando a natureza
como também curas, mas no entanto, tendo constatado principalmente
através da assistência e o acompanhamento que ele prodigalizou às
gentes em suas penas e suas dificuldades, quando até ele já sabia
que iriam talvez sofrer ao longo de toda vida, e que eles próprios
nem ainda imaginavam. Ainda que eu seja consciente de contravir ao
espírito e à regra de seu mosteiro, sinto-me em efeito levado a
dizer que conheço muitos de seus milagres incontestáveis.
Todavia, para seus herdeiros
espirituais e os continuadores de sua obra, os maiores milagres são
os escritos, os quais edificaram várias pessoas, dentre alguns,
conduzindo-os à vida monástica.
O Ancião Sofrônio fez realmente
a experiência da graça de Deus e, quando julgava necessário,
formulava a palavra de Deus de uma maneira responsável. Antes de
tudo, formula a teologia ortodoxa de uma maneira clara, atual e sem
desvios, no meio da incoerência e da confusão contemporânea.
Aos esforços impotentes do homem
de nossa época para se aproximar da verdade da pessoa e para
formulá-la, o Ancião Sofrônio oferece a resposta da teologia
ortodoxa tal como ele a viveu pela sua experiência própria. Indo
além do personalismo e do positivismo, e esbanjando facilmente os
limites da filosofia e da psicologia, ele via a pessoa humana em
comunhão não somente com as outras pessoas humanas, mas antes
também com a Pessoa absoluta em Deus.
O fundamento de sua vida e de seu
ensinamento foi a Revelação de Deus, que
começou no Sinai com o “Eu sou Aquele que Sou” (Êxodo 3, 14) e
finalizando com a vinda de Cristo e a descida do Espírito Santo. E
ele recusava o método filosófico do aproximar-se de Deus, que se
apóia na razão e aplica as categorias humanas à Divindade. Razão
pela qual era estrangeiro a todas as acrobacias teológicas e as suas
conseqüências antropológicas, que abundam junto aos teólogos
modernos.
As três Pessoas da Divindade, as
três Hypostases divinas não são simples representações, mas
antes as portadoras vivas de sua essência - não há nada fora da
Hypotase. É o primeiro e o último princípio que reveste todas as
coisas. É por meio desta concepção que estimaria poder justamente
qualificar o Ancião Sofrônio como teólogo
do princípio hypostático, do princípio da Pessoa. Este princípio
que se baseia na Trindade divina é o fundamento da deificação do
homem, pela abertura de sua pessoa ao Infinito divino.
O Staretz (termo
russo ou de caráter eslavo que designa Ancião) Sofrônio vivia em
presença de Deus. Eis porque se fazia tão próximo a cada um.
Quando lhe falávamos, estávamos certos de que nos compreendia
melhor do que nós próprios e que podia responder à todas as nossas
questões: caso ele não respondesse, compreendíamos logo que ela
estava mal colocada. Acontecia, por vezes, ouvirmos coisas que nos
deixavam perplexos. Mas, logo em seguida, nossas perplexidades eram
elucidadas, quer por meio de acontecimentos, quer por uma melhor
aproximação e um melhor conhecimento de nós próprios.
Na pessoa do Ancião Sofrônio
podíamos reconhecer o guia experimentado, a testemunha viva do
conhecimento autêntico de Deus. O Ancião Sofrônio foi o “sinal
de Deus” para a sua geração, tais como o são os Santos na
história da Igreja. Seus escritos, tal como o seu ensinamento oral
têm o selo de uma autenticidade patrística e, ao mesmo tempo, uma
extrema atualidade.
Numerosos são aqueles que
sustentam, e não sem justificação, que conhecem antecipadamente a
resposta de seu Pai Espiritual às suas questões. O que não era o
caso com o Padre Sofrônio. Ele costumava dizer que necessário é
seguir “o Cristo que sobe ao Gólgota”. Esta exortação, por
vezes tanto geral como individual, dá a regra de vida e de conduta a
todo cristão. Cristo é a medida do homem, “o acontecimento sem
princípio do ser”. A vida de Cristo é um modelo a seguir para os
crentes. A observância dos Mandamentos precede o progresso
espiritual.
Ele via o homem como uma pura
potencialidade que pode, ao longo de sua vida, receber
progressivamente em si mesmo a totalidade do ser, divino-humano. A
autodeterminação do homem, qualquer que ela seja positiva ou
negativa, é uma pré-suposição por sua liberdade. Portanto, uma
autodeterminação positiva pressupõe uma compreensão correta do
modelo, uma visão justa de Deus e dos dogmas ortodoxos.
Para o Padre Sofrônio, dogma e
moral, fé e vida constituem uma única realidade. A verdadeira vida
cristã se fundamenta numa justa compreensão do Cristo e da
Santíssima Trindade. “Todo o desenrolar de minha vida em Deus,
escreve ele,
me levou a convicção de que a cada vez que a nossa visão
intelectual desvia-se da compreensão correta da Revelação, isto se
reflete inevitavelmente nas manifestações de nosso espírito, no
concreto de nossa existência cotidiana” (Arquimandrita Sofrônio,
Voir Dieu tel qu´Il
est, Genève: Labor et
fides, 1983, p.11).
A experiência vivida da Fé
conduziu-o à formação do que ele próprio chamava de “consciência
dogmática”. Esta conseqüência, que caracteriza os autênticos
“Anciãos” (os Startzy)
e os Padres da Igreja ortodoxa, torna-se um guia fiável na fé e na
vida dos cristãos.
Durante a segunda parte de sua
longa vida, o Padre Sofrônio, que vivia no coração do Ocidente
cristão heterodoxo e secular, conservou e expôs tanto a fé como a
vida ortodoxas de uma maneira autêntica e com força.
Ele tinha uma consciência
profundamente eclesial e uma firme ligação às instituições da
Igreja. Nenhuma amargura pessoal e nenhuma conjectura política ou
eclesial abalariam sua ligação aos guias da Igreja. Ele respeitava
os representantes da teologia e era vivamente interessado pela
educação eclesiástica.
Orava
sem cessar “com gemidos profundos” pela salvação da Igreja
perseguida da Rússia, sua pátria, bem como por toda Igreja
ortodoxa. Ele era como que apaixonado pela vida litúrgica. A uma
idade avançada, e mesmo até dois meses antes de sua morte,
celebrava ainda a Liturgia. Em poucas palavras, era um autêntico
homem de Igreja.
Respeitando e amando sinceramente
os não-ortodoxos, guardando, contudo, uma clara posição face aos
seus dogmas e suas divergências, ele encarnava o pensamento e a vida
autênticos da ortodoxia. Três coisas eram inconcebíveis para o
Ancião Sofrônio:
a)Uma
fé sem dogmas;
b)O
Cristianismo fora da Igreja;
c)O
Cristianismo sem ascese.
Ele assistia com uma grande
compaixão às lutas laboriosas e aos sacrifícios do homem nas
diferentes etapas da vida. Ele vivia seus sofrimentos. Ele
participava às suas angústias. Ele sofria de suas derrotas e
impasses. Por meios apropriados, cuidava em abrandar os sofrimentos
que via em torno de si. Mas, ao mesmo tempo, orava pelo progresso dos
crentes na única coisa que torna o homem digno de sua vocação e
que ele guardava no coração: a vida espiritual.
É uma luta dura e difícil. É
uma luta que ultrapassa a natureza humana. A experiência pessoal do
Ancião fazia hesitar em revelar as grandes dificuldades, pois ele
temia a fraqueza humana. Todavia, o desejo de partilhar com cada um
os grandes dons que havia recebido de Deus levava-o a orar sem cessar
pelo mundo inteiro e pelo Adão total.
A morte é o objetivo essencial
para o qual se dirige a luta espiritual do homem. Mas, impossível é
ganhar o combate apoiando-se unicamente nas forças humanas. A
vontade humana, só, não chega nem a entrar ai. É uma luta que se
realiza e se conduz pelo encontro de duas vontades: aquela de Deus e
aquela do homem.
O Padre Sofrônio ligava
indissoluvelmente a luta espiritual e toda vida do cristão, por
conseqüência, à experiência vivida do conteúdo da fé. A luta
espiritual não é um luxo, e ela não se leva em margem à vida da
Igreja. Ela se desenvolve no centro mesmo da vida eclesial,
constituindo-se como a característica essencial. É uma luta
cotidiana contra o pecado e pela santidade. Ela consiste num esforço
cotidiano para se abandonar nas mãos de Deus e cumprir Sua vontade:
“Oremos para que este dia inteiro seja perfeito, santo, vivido em
paz e sem pecado...Confiemos-nos nós mesmos uns aos outros e toda a
nossa vida a Cristo nosso Deus” (Cf. Liturgia, Oração Litânica).
Em uma última análise, aquele
que segue o Cristo em Sua subida ao Gólgota luta para atingir o
Inaccessível. Todavia isto não justifica nem o medo, nem a
pusilanimidade e em permite rebaixar o objetivo buscado. O próprio
Cristo disse: “Tende coragem, pois Eu venci o mundo” (João 11,
30). Esta vitória fora realizada por Cristo enquanto homem. Tal como
o Padre Sofrônio o sublinha fortemente, o Cristo-Homem representa a
plenitude da natureza humana. A vida do Cristo deve se repetir de uma
maneira ou de outra na vida de cada cristão.
O objetivo final para cada
cristão é a semelhança a Cristo. Aquele que se torna semelhante a
Cristo segundo o Seu exemplo terrestre se assimila também a Ele no
plano divino. O Padre Sofrônio insistia: esta assimilação não
deve nos admirar e não devemos nos considerar como seres fracos aos
justificarmos assim nossas diversas maneiras de transgredir a vontade
de Deus. Com tal mentalidade, recusamos na realidade de seguirmos “o
Cristo subindo ao Gólgota”.
A semelhança ao Cristo pressupõe
o arrependimento. Alguns associam o arrependimento a um estado
preparatório, próprio aos degraus inferiores da vida espiritual, e
eles preferem se ocupar com a divinização do homem, considerando
essa então como o objetivo de uma teologia elevada. O Staretz
Sofrônio pensava diferentemente. Ele insistia no fato de que o
caminho à deificação é aquele do arrependimento, e que nada não
permite melhor conhecer Deus com Pai além do arrependimento. É um
caminho sem fim, porque o seu fim é a perfeita semelhança com o
Cristo.
No fim de sua vida, o Ancião
Sofrônio chegou a ser o Pai Espiritual mais idoso da Igreja
Ortodoxa. Ele dispunha de um profundo conhecimento do homem e de uma
rica experiência espiritual, cujas raízes se encontravam na Santa
Montanha (Monte Athos), onde ele havia vivido durante mais de vinte
anos como cenobita, eremita e Pai Espiritual, iniciado à visão da
luz incriada. É desta maneira que ele podia ultrapassar sua reserva
e falar das maravilhosas visitas de Deus ao curso de sua vida de uma
maneira que relembra São Simeão o Novo Teólogo. Sua contribuição
à teologia e a fraternidade monástica que ele reuniu constituem um
depósito precioso para seus filhos espirituais e para toda a Igreja
Ortodoxa.
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