O ensinamento cristão em sua dimensão ecumênica
YAZIGI Arcebispo Paulo
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Introdução
Porque
mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, e como a vigília da
noite. (Sl. 90, 4).
Todavia,
os acontecimentos importantes e os momentos de reconsideração e de
re-planificão dependem dos dias precisos que chamamos em geral ocasiões ou
festas. E cada vez que temos a necessidade de “renovar” tais acontecimentos
devemos encontrar a festa que lhe é conveniente.
Hoje,
e após 2000 anos do nascimento de Cristo, podemos encontrar no primeiro ano do
terceiro milênio a melhor ocasião para reler o passado à luz da vontade divina
e em todo “conhecimento” do Espírito de Cristo, com o objetivo de uma
planificação do trabalho missionário e de um melhor serviço do mundo, a fim de
que tal trabalho e tal serviço estejam em harmonia com seu século da mesma
forma com que a boa nova de Cristo estava em harmonia com seu século.
Donde
sonhar organizar uma conferência sobre o ensinamento religioso enquanto “nova
anunciação no seio do terceiro milênio ” é uma ocasião muito conveniente para
lançar um olhar aprofundado sobre todos os sujeitos propostos e tratá-los com a
seriedade e o cuidado que requerem.
O
sujeito proposto hoje, a saber “o ensinamento cristão na dimensão ecumênica”
nos incita a renovar duas coisas: a reativação de nossa herança passada, e o
renovo desta herança em longura e, se possível, em profundidade, notando por
vezes as diversas novidades que lhe foram adicionadas ao curso da história do
diálogo eclesial, os desenvolvimentos históricos e sociais e o trabalho
pastoral no seio de cada igreja, bem como a nova onda atual – a saber, a
mundialização.
Conhecer Deus
O
Novo Testamento nos mostra que existem três meios para conhecer Deus: A
consciência antes e fora da tradição abraâmica, a lei durante o Antigo
Testamento e dentre os descendentes de Abraão, e a graça após a Encarnação. O
Apóstolo Paulo nos fala expressamente daqueles que não têm lei, que realizam os
atos da lei segundo sua própria consciência. Junto a ele, o conflito entre a
época da lei “condutora” e a época da graça, onde o tempo dos “filhos” se faz
claro.
Cristo
viu na mulher curvada uma filha de Abraão, e em dado momento, tanto especial
como crítico Ele não deixou de conversar com a Samaritana, respondendo até à
pergunta da mulher Cananéia. A tradição cristã conhece o “verbo semear”. As
religiões, de acordo com suas expressões, são todas como filhos que Deus tem em
Sua mão e pelas quais Ele atira os homens a Si.
O
sucesso do Cristianismo consiste no fato de ele traçar a senda mais clara, mais
curta e mais segura. E isso nos pôe diante de uma grande responsabilidade, sem
nos conferir atitude alguma de arrogância. Face à plenitude dos tempos e à
realização da revelação divina na Encarnação de Jesus Cristo (aquele que Me
viu, viu o Pai) temos a palavra do apóstolo: “mal de mim se não evangelizo”.
Antes
de Cristo, existiram dois precursores: São João Batista, ou o Anjo que lhe
prepara o caminho dentre os judeus; e os filósofos também (segundo os Santos
Padres da Igreja) que lhe prepararam o caminho dentre as nações. Deste ponto de
vista, a sede humana pela Verdade é um dom divino para o homem plantado na
imagem de Deus e criado segundo ela.
A
ultrapassagem da consciência permanece fácil, e o temor de que a letra mata o
espírito na lei permanece possível. Assim, a idade da graça não tinha escapado
à influência das tendências humanas na interpretação da revelação divina que os
homens receberam. Um breve olhar sobre nosso mundo nos mostra que o fator
humano prejudicou por vezes – por ignorância ou por fraqueza – à tal revelação
que permanece sempre, e de certo modo, uma descoberta humana. A revelação
humana não é uma obrigação ou uma condescendência divina mas uma elevação
humana que requer a pureza de vida e a iluminação do espírito. O verdadeiro
conhecimento de Deus é o de viver com Ele até a união, e aqueles que podem
falar de Deus não são outros além de Seus amigos mais próximos.
A
última revelação divina, a Verdade absoluta, é o fim de contas, Jesus Cristo.
Aquele Que o Antigo Testamento apresentou enquanto Verbo disseminado e preparou
o caminho. O Espírito Santo continua Sua revelação e a constituição de Seu
Corpo Sacramental: a Igreja.
Por
tal razão, o conheciemnto de Deus está ligado essencialmente aos sacramentos
eclesiais (quer dizer à vida no seio da Igreja). O conhecimento de Deus possui
sempre este caráter de proximidade com Ele e não o caráter de ser assumido por
Ele. Logo, não existem verdades, mas antes uma única Verdade que é o Senhor
Jesus. No entanto, o homem inventou diversas aproximações e recorreu a muitos
meios para conhecê-Lo. De lá a aparição do termo “Ortodoxia” no Cristianismo,
no verdadeiro sentido do termo, não no sentido confessional. A catolicidade não
é um sujeito geográfico ou demográfico; ela não é muito menos um sujeito
político. A catolicidade significa a plenitude da Verdade, quer dizer o
contrário da heresia que significa omitir uma parte da Verdade. A catolicidade
significa precisamente a Ortodoxia.
OS
PRINCÍPIOS DO ENSINAMENTO CRISTÃO ECUMÊNICO
1- Ser católico – ortodoxo, quer dizer
refletir a imagem de Cristo de maneira completa e indivisa.
2- Admitir que as fórmulas da fé (as doutrinas)
e seus limites não são revelados e que não vem, majoritariamente, da Santa
Bíblia mas que elas são o fruto do pensamento humano e de seus ensaios assíduos
visando exprimir o segredo da economia divina como ela se revela através da
Santa Bíblia. Tal ensaio viveu em nossa história onde as civilizações, a
política e as condições humanas tiveram um papel importantíssimo. Para tal, o
processo de cristalização era e permaneceu muito crítico. Com efeito, as
doutrinas tentam aproximar a fé e a doutrina é ensinada no quadro da matéria
“história das doutrinas”. Isto nos torna responsáveis pela emergência das
fórmulas diferentes e nos leva a aceitar o diálogo ecumênico; o importante é
que a doutrina (ou fórmula) não prejudique à fé e, consequentemente, à salvação,
pois que estão diretamente ligadas à vida.
3- Levar em conta que a Verdade e as
fórmulas não são propriedades privadas; a Ortodoxia e a Catolicidade (no
sentido anteriormente explicado) são missões e não propriedades pessoais. Por
outro lado, herdamos muito geralmete tais fórmulas e temos somente o privilégio
de transmiti-las e por conseguinte, dialogar e assumi-las em toda abertura.
4- Diferenciar entre a tradição e as
tradições, entre a Verdade e suas expressões, entre a fé e suas fórmulas. A
tradição é o fato que temos recebeido do Espírito Santo para que Ele possa
obrar em nós e para que nós obremos com Ele. A fé é a vida em Cristo em todas
as suas dimensões. A tradição e a fé não mudam, mas as tradições e as fórmulas
estão sujeitas a todos os fatores relativos à história do pensamento humano, e
têm o direito à diversidade; por vezes, mesmo, é necessário que mudem. A oração
é decerto uma oração mas o tipo de sua melodia permanece uma escolha livre.
Devemos, logo, aceitar a diversidade das imagens de uma única Verdade. Este
fato se encontra presente desde o princípio do Cristianismo: os Evangelhos não
são exemplos vivos disso? Eles são diferentes um do outro mas refletem todos a
única Verdade. O conjunto dos Evangelhos dão ao fiel uma imagem mais clara do
mistério revelado e manifestado através da encarnação de Jesus Cristo.
5- Ler o outro não somente a partir de
nosso ponto de vista e nossas tradições mas a partir de seu ponto de vista e
suas tradições. Ler o outro como ele o quer e não tal como nós o imaginamos.
Quer dizer, é necessário permitir que o outro se exprima diante de nós e não valorizá-lo
segundo nossos pré-julgamentos positivos e negativos. O diálogo atual entre as
Igrejas Ortodoxas Orientais e a Igreja Ortodoxa revela uma situação bem parecida.
6- Não podemos falar de um diálogo e de um
ensinamento ecumênico enquanto mostramos somente as mínimas condições de
respeito e pratiquemos o proselitismo – com todo o mal-estar que encontramos ao
escutarmos esta palavra. A história de nossa Igreja no Oriente Médio conheceu e
conhece sempre sérios conflitos em virtude de tal atividade odiosa. O fim do
proselitismo é, logo, um gesto que testemunha da sinceridade o ensinamento
ecumênico; sendo também a condição pré-requisitada.
7- Faz-se necessário sublinhar, em nosa
realidade cristã no Oriente Médio, a maioria de nossos conceitos de fé comuns,
respeitando as causas de divergência que não são sempre doutrinais mas
históricas e de outros gêneros.
8- Levar em conta diferenças e assumir a
realidade, considerando-a como o meio mais honesto para melhorar nossa
situação. Devemos falar de tais diferenças e ver como cada partido as
compreende, ouvindo seus pontos de vista quanto à sua interpretação. Devemos
também prosseguir e transmitir todas as últimas atualidade do diálogo eclesial
a todos os níveis, e determinar quais são as dificuldades restantes e os meios
de resolvê-las.
9- Ligar a doutrina à nossa vida e
atualizar tal doutrina mostrando o efeito das diferenças – onde se encontram –
sobre o processo da salvação e vida em Cristo. O ensinamento ecumênico deve
evitar as discussões estéreis. De fato, não se trata aqui de um debate
filosófico mas de um diálogo de vida. Para isso o ensinamento cristão deve
abordar as questões de vida contemporânea e tratar os desafios do tempo
presente baseando-se sobre a fé e sobre os diferentes pontos de vista que lhe
são relativos. De fato, é-nos muito evidente nos dias de hoje que as posições
das diferentes igrejas quanto as questões vitais mais importantes e mas
sagradas, tais como a guerra, o matrimônio, a organização da família, e a
dor... não sejam idênticas e nem unificadas. E tudo isso provêm da diferença
dos backgrounds do ensinamento e da interpretação do Espírito de Cristo por
conceitos e idéias divergentes. O estudo de divergências ou convergências
doutrinais levando em conta atualidade e a especificidade de cada época separa
a doutrina da vida e do ensinamento, e de lá, endereça os pensamentos do homem
e não os toca por sua particularidaed pessoal.
10- Insistir sobre a realidade do Evangelho
enquanto Boa Nova salvadora e não como ensinamento moral, ou como relatos sobre
a vida de Cristo, que aceitam os métodos de interpretação diversificados ou
divergentes. O Evangelho é a Boa Nova que anuncia a morte do Senhor e Sua
Ressurreição a fim de que morramos e ressuscitemos com Ele. Tal é a única boa
nova que não deixa de se renovar e que o ensinamento cristão ecumênico deve
portar e chamar todo mundo a assumir. O ensinamento cristão deve transformar o
homem de “cristão indiferente”, ainda que argumentativo, em “embaixador” de
Cristo junto ao mundão.
Quando
o caráter didático e exegético torna-se nosso interesse primordial, as
argumentações e os desacordos abundam, e isto é fruto de um ponto de partida
errôneo. No entanto, quando o ensinamento religioso se reveste de um chamado
para “realizar os sofrimentos de Cristo em nossos corpos”, os pontos de vista
divergentes se convergem e isto é fruto de um ponto de partida autêntico e mais
correto.
11- Preocupar-se em despertar a consciência da
necessidade de unidade cristã e do diálogo interno face à responsabilidade
comum que é a predicação externa, a qual deve ser assumida pelos cristãos face
aos desafios postos pelo ateísmo contemporâneo e a terrível mundialização.
O
ateísmo contemporâneo não consiste em negar a Deus, pois isto é o ateísmo
passado. A indiferença é o deus do ateísmo contemporâneo e o néo-epicurismo na
cristandade é seu cancer: Deus não está no Seu céu enquanto estamos em nosso
mundo. Confessar que Deus existe sem crer que Sua existência seja nossa vida
não é nada além do que matar Deus implicitamente.
A
mundialização é uma arma aguda de dois gumes que pode ou mundializar a Igreja
ou cristianizar o mundo. Os meios de comunicação, a fusão das correntes
diferentes, e a rapidez da comunicação lançaram o conflito rápido e livre entre
as civilizações. Os cristãos não podem, neste tempo onde tudo visa acabar com
as civilizações, mergulharem em seus conflitos internos e esquecerem sua
responsabilidade de ser sal para o mundo e candeia acessa que deve iluminar
tudo.
Sublinhar
a necessidade de evangelização e a propriedade das questões humanas no
ensinamento cristão, orientar o desenvolvimento cultural, controlar as
explosões de novos e gigantescos saltos científicos confiando-os nos limites do
bem moral benéfico; controlar a loucura humana para a criação e a tornar sacralmente
não destrutiva, tudo isto reduz e miniminiza os argumentos que visam escavar no
passado para ai encontrar razões para a disputa, esquecendo-se do apelo divino incessante
à historização do porvir humano. Não temos hoje necessidade de reler a história
mas antes escrever a história do porvir humano e planificá-la. Nossas
divergências doutrinais são importantes e respeitadas mas elas são ao mesmo
tempo uma lição de que a história nos dá a fim de redigir o porvir mundial e
cristão de maneira a que seja mais próximo do desejo de Jesus, ou ainda de
fazer aceitar sua missão a nós confiada, a saber: ensinar e batizar todas as
nações, de estar “neste” mundo não sendo “deste” mundo, e enfim, de ser um como
Ele e o Pai são Um. Amém.
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