Moisés e a visão de Deus


MANTZARIDIS Georges
tradução de monja Rebeca (Pereira)

A visão de Deus é apresentada nas Sagradas Escrituras de duas diferentes maneiras que aparecem mutualmente exclusivas. Algumas passagens caracterizam a visão de Deus enquanto uma impossibilidade. No livro do Êxodo, por exemplo, Deus diz a Moisés: “Não podes ver Minha Face; pois que homem algum pode ver Minha Face e viver” (cf. Ex. 33, 20) enquanto o salmista nota que Deus “faz das trevas Seu lugar oculto” (cf. Sl. 18, 11). No Novo Testamento, o Apóstolo e Evangelista João escreve: “Ninguém nunca viu a Deus”, e o Apóstolo Paulo ainda complementa que Deus é Aquele “Que ninguém nunca viu nem pode ver”.
Ao mesmo tempo, todavia, as Sagradas Escrituras também trazem detalhes de muitas teofanias. Por exemplo, Jacob diz: “Porque vi a Deus Face a face, e minha alma foi salva”. De Moisés temos o testemunho de que “o Senhor falou a Moisés Face a face, como um homem fala ao seu amigo”. Finalmente, Job, dirigindo-se ao Senhor, diz: “Ouvi de Ti com o ouvido, mas agora meus olhos Te contemplam”. No Novo Testamento, Cristo chama “os puros de coração” de bem-aventurados porque eles verão a Deus. O Apóstolo João ainda escreve: “Amados, somos filhos de Deus agora; ainda não se aparece o que seremos, mas sabemos que quando Ele aparecer deveremos ser como Ele, porque devemos vê-Lo tal como Ele é”.
Comentando acerca destas passagens, São Gregório Palamas nota que teologia coloca a visão de Deus como impossível, promovendo-a, no entanto, de forma simultânea. É considerada impossível porque Deus é inconcebível de acordo com Sua Essência. É ainda advogada porque Deus Se aproxima do mundo e Se faz, Ele-Próprio, aproximável através de Suas energias. Com isso, ambos aspectos não são contraditórios, antes obram em harmonia.
A falta de proximidade de Deus não pré-exclui a visão d´Ele. Bem como a visão de Deus não nega a inacessibilidade de Sua divina essência. Enquanto ser criado, Moisés não pode ver a pessoa do Deus incriado, sendo colocado “na fenda da rocha”, e coberto pela mão de Deus enquanto Sua glória passava; todavia, é-lhe concedido vê-Lo de costas. Ao sentir a presença de Deus, o profeta Elias, cobre sua face com seu manto. E por ocasião da Transfiguração de Cristo, os Apóstolos presentes “caíram sobre seus rostos, e tiveram grande medo” (cf. Mt. 17, 6).
A manifestação de Deus ao homem não está confinada a único modo ou significado. Tal como São Macário do Egito nota, Deus aparece a cada um dos Santos Padre “como quis e como se encontrava.” Sua aparição a Abraão, Isaac, Jacob, Noé, Daniel, David, Salomão, Isaías e a cada um dos santos profetas foram todas diferentes. Mesmo até as várias aparições de Deus à mesma pessoa não foram sempre da mesma forma.
O homem foi gradualmente iniciado à comunhão com Deus e à visão de Sua glória.
Finalmente, cada teofania no Antigo Testamento, enquanto manifestação pré-encarnada do Verbo de Deus, é destinada não somente à pessoa dentre as pessoas que viram a Deus, mas enquanto parte da economia divina e preparação de Sua vinda na carne.
Moisés não foi o primeiro nem ainda a única pessoa a ver a Deus no Antigo Testamento. O Próprio Deus dirige-Se a Moisés, dizendo: “Eu sou o Senhor. Apareci a Abraão, Isaac e Jacob como Seu Deus, mas não lhes revelei Meu Nome.” Assim, mesmo durante a primeira manifestação de Deus a Moisés, Ele Se apresenta como o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Nesta aparição, na forma de sarça ardente, Moisés deseja se aproximar. Mas, assim que ouve a voz de Deus da sarça, ele vira seu rosto, tomado de temor. Quando Deus anuncia a Moisés que Ele o enviará a libertar seu povo do Egito, Moisés pede que Ele o revele Seu Nome, para que possa identificá-Lo aos israelitas. Em seguida, Deus responde: “EU SOU Aquele que SOU (…). Deves dizer aos filhos de Israel que AQUELE QUE É me enviou a vós.” Dessa forma, Moisés se torna a primeira pessoa que vê a Deus e a quem Deus Se revela Ele-Próprio enquanto Aquele que É, quer dizer, enquanto uma Pessoa ou Hypostasis. Deus também manifesta-Se Ele próprio a Moisés ao lhe dar a Lei, bem como durante sua jornada à Terra Prometida. Em verdade, Moisés foi sustentado durante toda sua longa jornada pela companhia pessoal de Deus. Finalmente, Moisés é apresentado com a pessoa que viu a Deus mesmo durante o período do Novo Testamento, ao aparecer junto com o Profeta Elias por ocasião da Transfiguração do Senhor. Como notado, em verdade, Moisés aparece como um representante da morte, enquanto Elias representa o vivente. Ao mesmo tempo, Moisés também representa a Lei enquanto Elias representa os Profetas. Moisés morre sem alcançar a Terra Prometida, à qual Josué, filho de Num conduz o povo de Israel. De forma similar, a Lei veio como uma sombra sem manifestar o Reino de Deus, na qual Jesus Cristo inaugurou no mundo. Elias não morreu, antes foi transladado à verdade eterna. Similarmente, a profecia não foi ab-rogada, antes cumprida enquanto verdade irrefutável. A visão de Deus não é um fenômeno mundano na vida e existência da pessoa que O vê, mas antes uma realização pessoal. Antes, a visão de Deus vem como um resultado do movimento de Deus em relação ao homem. Enquanto experiência que traz o homem criado e finito em contato com o Deus incriado e transcendente. Isto se torna claro mesmo até no caso de Moisés, que “tendo sido provado por Deus e demonstrando-se grande em fé por sofrer muitas tentações com paciência, torna-se o liberador e o líder e o rei de Israel.” Em verdade, Moisés, após seu 40 anos de estadia no Egito, passa ainda 40 anos no exílio a fim de preparar e guiar o povo para os próximos 40 anos.
De acordo com São Gregório de Nissa, esta série de teofanias levou continuamente Moisés a um mais elevado conhecimento de Deus. Moisés, de início vê Deus “no fogo”, em seguida “nas trevas”. Assim, quanto mais ele se torna próximo de Deus, mais ele compreende que a natureza divina estava além da visão. Finalmente, ele retorna ao tabernáculo feito sem mãos, que constitui o fim de suas sucessivas elevações a Ele.
E este tabernáculo feito sem as mãos, segundo o qual ele foi chamado para construir o tabernáculo feito com as mãos, é Cristo, que ergueu “entre nós o mesmo tabernáculo”.Tal teofania, todavia, tem profundíssimas consequências tanto para a alma como para o corpo. O esplendor interno adquirido é também expresso no corpo da pessoa que vê Deus. Quando Moisés desce do Sinai com as tábuas da Lei depois 40 dias, o povo ficou impressionado comsua face, que irradiava da visão de Deus e de seu diálogo com Ele. 
Por fim, Deus, Que não é visto nem mesmo pelos anjos, torna-Se visível ao homem enquanto o Verbo Encarnado através de Seu nascimento da Virgem. A preparação para a recepção e visão de Deus era mais profunda e mais extensiva que a história de Israel e as provações de cada um daqueles que viram a Deus. Tal preparação era, essencialmente, levada ao alto ao curso de toda história da humanidade até tal ponto, e é por isso que a Mãe de Deus é referida como “a causa de tudo que veio antes d’Ela”. A angústia da Virgem, profetizada pelo Simeão que acolhe o Cristo no templo, ultrapassou aquela de qualquer pessoa que viu a Deus. Tal angústia, todavia, derrotou a morte uma vez por todas e para todos, trazendo-nos a inegável alegria da ressurreição. Simeão experimentou o ante-gosto de tal alegria, ao carregar o Verbo Encarnado, observando a morte com equanimidade.
A visão de Deus engendra temor nos seres humanos. Os três discípulos do Senhor que estavam com Ele por ocasião de Sua Transfiguração sentiram um temor esmagador ao ouvirem a voz da nuvem que dizia: “Este é o Meu Filho Bem-Amado, em Quem Eu Me comprazo”. Da mesma forma, os soldados que vão prender Cristo no Jardim do Gethsemani, ao ouvirem-No dizer, “Sou Eu”, espantam-se e caem por terra”.
São Gregório Palamas, que é referido no serviço litúrgico a ele dedicado como “outro Moisés, digno das trevas divinas no Athos”, conecta a visão de Deus com a experiência do mistério da cruz. E isto não está limitado aos Santos da Igreja, mas se estende a todos os justos do Antigo Testamento, a todos os amigos de Deus. A cruz de Cristo, segundo este santo, “já estava presente dentre nossos antepassados antes mesmo de se ter concretizado, em virtude de que seu mistério já estava sendo operado neles”. Assim, para Moisés a cruz foi fazer sair seu povo do Egito e se direcionar lá para onde Deus o conduzia. Tal como foi a cruz para Abraão deixar sua terra natal, sua família, e sua casa para seguir a direção de Deus. Este mistério da cruz, em outras palavras, estava em processo nestas situações, da mesma forma que São Paulo sugere em suas palavras: “o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo”. “O mundo foi crucificado para mim” é o primeiro estágio do mistério da cruz. O segundo estágio deste mistério é nossa crucificação para o mundo. Durante tal estágio, nossa mente carnal morre e, como poder da manifestação e visão de Deus, a lei do pecado deixa de operar em nossos membros. Aqueles que consideram o Senhor são liberados das vestimentas de pele, na qual o pecado age, tal como vemos no caso de Moisés, que tira suas sandálias ao aproximar-se da sarça ardente.
Liberação das paixões e da mente carnal transforma aqueles que vêem a Deus em pessoas universais, que abraçam todo mundo com eles próprios e estão prontas a oferecem-se eles próprios aos outros. Assim, Moisés propõe sua própria perdição com aqueles dentre os israelitas que pecaram se Deus não os perdoasse, enquanto Simeão reconhece o Cristo bebê no templo como o Salvador de todos os povos, aceitando pacificamente sua própria morte. Finalmente, o Apóstolo Paulo ora para ser afastado de Cristo, a Quem ele ama muito, a fim de salvar seu companheiros. E os ascetas do deserto, ao atingirem a visão de Deus, espontaneamente oram pelo mundo.
As teofanias do Antigo Testamento são usualmente interpretadas pelos Padres da Igreja como aparições da segunda pessoa da Santíssima Trindade, que prepara o caminho e prefigura Sua Encarnação e Sua gloriosa manifestação. A glória de Deus, que é apresentada aqui enquanto luz, nuvem e coluna de fogo, trevas, tempestade, e uma brisa suave, brilha também no Tabor como uma luz inaproximável. Antes da Encarnação e da instituição do mistério da Santa Eucaristia a luz incriada iluminou extremamente aquele que viram a Deus, ao ponto de que agora foi implantada naqueles que crêem e existe neles, ilumina-os desde o interior.
Deus Se revela Ele Próprio com as teofanias do Antigo Testamento, declarando “Eu Sou”. A teofania do Novo Testamento, que tem lugar através da encarnação do Verbo de Deus , foi cumprida com a palavra assegurada de Cristo, “Eu estou convosco”, e com a co-existência de Deus e do homem, que nos torna deuses em todas as coisas, “sem identidade de acordo com a essência”. Da mesma forma, as visões de Deus por parte dos Apóstolos de Cristo, bem como pelos santos da Igreja, são mais perfeitas do que aquelas do Antigo Testamento. Tais visões de Deus não revelam simplesmente o Deus pessoal ou hypostaticamente, mas, juntamente com Deus, nos eleva ao nível da verdadeira personalidade ou hypostasis. Elas são visões do Deus Que vemos enquanto pessoas atuais e nos tornamos doravante com Ele e membros da comunhão de glorificação.

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