"MISERICÓRDIA QUERO E NÃO SACRIFÍCIO" - LIÇÕES DA PANDEMIA

TVOROGOV Bispo Pitrim 

tradução de monja Rebeca (Pereira)

Bispo Pitrim (Tvorog) de Zvenigorod, Reitor da Academia Teológica de Moscou em Sergiev Posad, infectou-se com o novo coronavírus na igreja, mesmo apesar da estrita observância das normas de higiene no interior da academia. Apresentamos aqui o relato da estória do Bispo, retirada de seu blog e página pessoal do FB sobre a propagação da infecção no interior das paredes da Lavra de Santíssima Trindade de São Sérgio (Radonéz) e na Academia (*que se encontra no interior da Lavra referida).

17 de Abril

Circulam rumores a meu respeito. Com o intuito de frear a propagação de falsas informações, venho vos informar que minha irmã e eu apresentamos um nível fraco de Coronavírus e hoje foi um marco de mudança na enfermidade – nossos sentidos de olfato retornaram. O que pode ser dito sobre esta infecção, baseado em minha experiência pessoal? É muito complicado e você nunca pode saber se isso irá poupar ou matar você. O pior é a tensão psicológica da espera.

É muito fácil ficar infectado. Eu me infectei na igreja, durante os serviços – visto que na Academia, observamos estritamente as normas de higiene. Fui infectado por gotículas no ar. Aqui está minha resposta para todos que insistem que é impossível ficar infectado na igreja. Com certeza que pode acontecer! Aos primeiros sinais leves da doença – aos quais em outros momentos eu não prestaria atenção – fiz um teste, que resultou positivo. E embora a Academia já estivesse em quarentena, entrei em isolamento estrito.

Desde terça-feira, eu e minha irmã estivemos lendo os Serviços de Quaresma de acordo com os textos publicados no website do Patriarcado. Lembramo-nos de nossa juventude! E agora continuamos a conduzir os serviços em reclusão. Enorme agradecimento àqueles que pensaram em colocar todo material dos serviços online! Bom, e o mais importante: tome cuidado de si-próprio e dos outros, e não deixem vossas casas. Existem muitas pessoas infectadas que sabemos oficialmente. Eventualmente, praticamente todo mundo vai ficar ou já ficou doente, mais a coisa principal para nós e não ficar doente ao mesmo tempo. E que Deus conceda que esta enfermidade passe em sua forma mais branda. Desejo a todos boa saúde! E saúdo-vos com o Grande e Santo Sabbat – o tempo de silêncio!

24 de Abril

Agora podemos tirar nossas primeiras conclusões acerca do Coronavírus que nos atingiu. O principal é o papel que nossa hierarquia tem em situações de crise. Durante os tempos de cataclismo, o Senhor dá sabedoria às pessoas por meio de seus governantes e autoridades. Nenhum sacerdote, Ancião ou Anciã, mesmo até os mais cheios da graça, clarividentes etc… pode saber completamente como devemos agir em momentos de desastre social e turbulência. O primeiro a determinar a ação correta é Sua Santidade, o Patriarca, e depois dele, os Bispos. As autoridades seculares também podem receber um discernimento de Deus sobre o que se precisa ser feito em uma ou outra solução sem saída. E quando as pessoas param de ouvir (de obedecer) as autoridades espirituais e seculares, mesmo que sejam assim guiadas pelas melhores das intenções, o caminho para o inferno se abre. A própria punição ocorre devido a um hábito profundamente enraizado de condenar as autoridades. E isso não desaparecerá se continuarmos a criticar nossos líderes até por seus erros, que são inevitáveis em tais circunstâncias.

Devemos ter entendimento, paciência e humildade. Bom, e o mais importante, arrependimento. Nós, meus amigos, nos tornamos muito mimados ultimamente; nos esquecemos do Deus Vivo, substituindo-O por frequentes Comunhões, Festas e Jejuns Agradáveis, Ritos, Procissões com Cruzes e Peregrinações. É claro que tudo isso é muito bom, mas qual é o objetivo? O objetivo é a nossa salvação. Então agora o Senhor nos fez retornar a este objetivo único em que nos devemos nos esforçar.

25 de Abril

A segunda e mais importante lição na pandemia. Fui enormemente criticado por alertar as pessoas a não se dirigem à igreja durante a pandemia. Meus críticos até exigiram “provas de ferro” de que eu tinha me infectado precisamente na igreja, e não em outro lugar.

No presente momento, a estória da infecção está exatamente estabelecida, e procurarei traçar suas origens. De acordo com um costume pessoal, servi todas as Liturgias durante a Grande Quaresma. Comigo serviram na semanas finais da Quaresma o Hierodiácono Inocêncio e o recém-tonsurado Monge Miquéias – monges bastante zelosos. Primeiramente foi o Padre Inocêncio a ficar doente, depois eu e em seguida Miquéias.

A primeira pessoa doente com COVID na Academia foi um estudante graduando que canta no Coro da Lavra. Elevado número de estudantes foram infectados doravante no Coro, onde dispomos de condições ideais para a propagação da infecção.

Os sacerdotes se colocaram e ainda se colocam em grande risco ao ouvirem confissões. Em maior risco estão aqueles que não evitam as pessoas, os que humildemente se oferecem como sacrifício à doença, com esperanças fracas de que os paroquianos doentes fiquem em casa. No entanto, suas esperanças não foram justificadas.

Grande Segunda-Feira da Paixão. Manhã. Os portões da Lavra da Santíssima Trindade de São Sérgio foram fechados. Diante deles se ergue uma multidão furiosa, pedindo que a Lavra fosse aberta. Os que protestavam se comportavam muito agressivamente, ofendendo e xingando. Vladyka Paramon abre a Lavra para todos na Grande Semana e Páscoa.

A pestilência começa na Grande Sexta-Feira da Paixão. Nossos melhores clérigos ficam doentes, alguns seriamente. Vladyka Paramon (Abade da Lavra) também adoece; eu também adoeço, bem como os Anciãos da Lavra e alguns na Academia. Na Grande Sexta-Feira da Paixão, propriamente, estávamos todos pregados à Cruz. E aos pés da Cruz, estava também a multidão, exigindo um milagre. O milagre, no entanto, não aconteceu.

Fomos criticados por abandonar o povo. Isso não é verdade. Só poderíamos responder de uma forma – adoecendo, para que vissem o nosso sofrimento, as pessoas pudessem ter piedade daqueles que ainda estavam saudáveis, em seus bispos, sacerdotes e chantres.

Acamados na UTI, morrendo de dores e sufocações (hoje vejo como estavam criticamente doentes os pacientes, gemendo de dores e falta de ar), estávamos pedindo silenciosamente aos nossos paroquianos: “Tende piedade dos doutores e do personal-médico – eles estão morrendo no ofício, não poupando a si-próprios. Tende piedade deles!

Quem vos guiará espiritualmente, quem vos dará Comunhão, quem vos tratará em vossas enfermidades, quem vos confortará com belos cânticos se uma porção de nós morre, e a outra torna-se inválida com os pulmões sequelados por fibrose?! Contraí a doença em forma branda, mas hoje o exame de scanner mostra fibrose parcial nos pulmões. E o que acontecerá com aqueles que foram atingidos criticamente? Nós – o clero e os servidores do altar – ficamos doentes com mais frequência do que ninguém. Tende piedade de nós! O próprio Senhor disse a todos: “Misericórdia quero e não sacrifício!”

***

Para nossa grande lástima, durante a Grande Quaresma e a Semana Luminosa ficamos sabendo de mortes de um número de clérigos conhecidos bem como de servidores da Igreja Ortodoxa, devido a complicações do COVID-19.

Um dos primeiros foi o diácono da ROCOR, o Diácono Alexander Gusev de Nevada.

Na Sérvia, o Bispo Milutin de Valjevo.

E na Rússia, muitos dos que conhecemos foram vítimas do vírus:

No Domingo, 26 de Abril, Sua Excelência o Bispo Benjamin de Zheleznogorsk e Lgov, repousou no Senhor.

Perdemos também o Arcipreste Alexander Ageikin e o Arquidiácono Evgeny Trofimov da Catedral de Elokhov da Teofania em Moscou. O Padre Alexander morreu com a idade de 49 na Terça-Feira Luminosa e o Padre Evgeny com a idade de 61, no Sábado Luminoso.

Aos 29 de Abril, o Arcipreste Mitrado Giorgiy Breyev, Reitor da Igreja da Natividade da Deípara região de Kryalsky, Moscou, repousa com a idade de 83. O Padre Giorgiy era um Pai Espiritual respeitadíssimo e Confessor do clero da região Noroeste de Moscou. Ele deu início ao seu serviço à Igreja com tenra idade, restaurando dois templos em Moscou: o primeiro dedicado à Fonte de Manancial em Tsarytsino e o segundo, a sua igreja da Natividade da Deípara em Krylatsky. Primeiramente em Tsarytsyno e depois em Krylatsky, o Padre Giorgiy cultivou um batalhão inteiro de novos sacerdotes que passam doravante a servir em igrejas recém-construídas nessas regiões densamente povoadas.

Na Diocese de Minsk, o sacerdote Genádio Butko da Igreja Ortodoxa da Bielorússia, repousa aos 29 de Abril com a idade de 57 anos, depois de uma séria enfermidade causada pelo coronavírus. Ele deixa quatro filhos: Oksana, Valery, Anna e Konstantin.

Um graduando do Seminário de Sretensky, Mikhail Petrukhno, morre por ocasião da Radonitsa, aos 28 de Abril. Sua mãe diz que ele começou a ter febre alta somente 05 dias antes de seu repouso, e arde literalmente como uma vela.

Não sabemos precisamente o número daqueles que foram ou estão infectados com o COVID-19 na Lavra da Santíssima Trindade de São Sérgio, na Academia, na Lavra das Grutas de Kiev, na Lavra de Pochaev, no Convento de Diveyevo, no Monastério de Sta. Elisabeth em Minsk e em outros monastérios e paróquias no território canônico da Igreja Ortodoxa Russa, mas muitos se encontram enfermos.

Glória seja dada a Deus, a maioria dos monges da Lavra de São Sérgio já se recuperaram, bem como Sua Eminência o Arcebispo Jonas de Obukhov da Igreja Ucraniana Ortodoxa, o abade do MonasTério da SS. Trindade-São Jonas em Kiev.

O Bispo Paramon (Golubka), abade da Lavra de São Sérgio, está hospitalizado com dupla pneumonia, em condição estável.

Também hospitalizado com COVID-19 desde 24 de Abril temos o Metropolita Dionysiy (Porubai), Abade do Monastério de NovoSpassky em Moscou. O referido Metropolita é o chefe da delegação patriaRcal e primeiro-vigário do Patriarca Kirill. Segundo o site patriarcal, está em condições estáveis. Alguns monges deste monastério também se encontram enfermos com coronavírus.

O Bispo Tomé (Moslov) de Pavlovo-Posadsk, apontado para a Catedral de Elokhov da Teofania no lugar do falecido Padre Alexander Ageikin, foi igualmente hospitalizado e apresenta um quadro estável.

O Arcipreste Alexander (Shargunov), com a idade de 79, se encontra na ITU, em situação crítica, com uma alta probabilidade de infecção de coronavírus. Conhecido sacerdote de Moscou e Reitor da Igreja de São Nicolau em Pyzhi. Também se encontram enfermos o Diácono e os dois servidores de altar. Seu filho, deputado do estado Sergei Shargunov, pediu publicamente que as pessoas orassem por seu pai. O Padre Alexander corre duplamente o risco de vida – em virtude da idade e por ter lutado contra o câncer. Pessoas próximas a ele comentaram não oficialmente que seus paroquianos imploravam para que servisse a Páscoa, e ele o fez contra seus próprios sentimentos.

Oremos pelo repouso daqueles que partiram e pela saúde daqueles que ainda se encontram infectados.

Senhor, tem piedade da Tua humanidade que sofre! Amém!