O REINO DOS CEUS NO DESTINO HISTORICO SERVIO

 JEVTITCH, Vladika Atanasije
traducao de monja Rebeca (Pereira)



O povo sérvio começou a formular sua identidade espiritual durante a era dos Santos irmãos Cirilo e Metódio (IX século), e seus 5 discípulos que deram continuidade ao trabalho (X séc.). São considerados os primeiros batizadores e iluminadores dos sérvios, bem como dos outros eslavos. O fruto de suas obras, colhido por mais de dois séculos desde Bizâncio/Bulgária até o Adriático, inclui a gradual cristianização dos sérvios, tanto nacional como individual, o aparecimento dos primeiros ascetas e Santos dentre os sérvios, e os primeiros movimentos da cultura sérvia tanto espiritual como secular.

Começando desde o tempo em que aceitaram a Ortodoxia e considerando a subsequente história e comportamento dos sérvios, é fácil discernir a natureza básica de sua identidade espiritual. Este ethos fundamental especialmente manifestado por si só desde o tempo de São Savas (XII-XIII sécs.) e foi revelado em sua plenitude na Batalha do Kosovo na decisão espiritual e histórica em escolher o Reino dos Céus. A indicação realizada aqui não busca referir somente a aceitação interna e completamente intangível, mas também da obediência historicamente tangível e concreta às palavras do Evangelho de Cristo: “Buscai o Reino dos Céus e a sua justiça, e todas estas coisas lhe serão acrescentadas” (Mt. 6: 33).

Esta preferência por valores espirituais torna-se uma parte inseparável da alma nacional sérvia, bem como a sua seiva nas fases iniciais da sua história. A primeira evidência disto aparece dentre os Santos sérvios, através dos quais o ascetismo, as virtudes e sofrimentos constroem uma escada ao Reino dos Céus para seu povo, exemplificando através de suas vidas, a maneira tanto como o mundo, o caminho da história, como os atos dos homens devem ser avaliados.

Graças à extraordinária pessoa de São Savas (1175-1235) e seus labores dentre os sérvios, a escolha cristã ortodoxa torna-se a auto-identidade inerente do povo sérvio. São Savas foi corretamente chamado como “Iluminador, o primeiro entronizado, o Mestre do Caminho que conduz à vida” – à verdadeira, espiritual e eterna vida – tal como expresso pelo poeta de Hilandar – o biógrafo Teodosije no Tropário de São Savas. Além do opulento tesouro espiritual, cultural e linguístico que ele deixou, São Savas iniciou a organização da Igreja Sérvia Autocéfala, que contribuiu num caminho essencial à tutela da independência nacional sérvia. Neste caminho, a fé cristã e a Igreja se uniram com o povo, e as verdades do Evangelho se tornaram as éticas da nação como um todo. Este desenvolvimento marcou fatalmente o curso da história da nação durante séculos.

Na história dos sérvios, tolerância tanto religiosa como nacional e o pensamento aberto eram bem conhecidos e atestados antes mesmo de São Savas, durante o tempo em que a Igreja cristã do Oriente e do Ocidente era única. Isto acontece especialmente em Duklija e no litoral. A tolerância religiosa dos governantes sérvios foi verificada pelo interessante fato de suas esposas e mães virem de dinastias de outras confissões.

Os Nemanjici foram edificadores e benfeitores de igrejas e monastérios pertencendo a outras confissões cristãs, permanecendo, no entanto, sempre firmes na fé do Cristianismo Oriental Ortodoxo.

A transfiguração espiritual da Sérvia na era de São Savas e dos outros membros da dinastia Nemanjic foi multifacetada. Em virtude do gênio criativo da Igreja e estado, foi enriquecido pela inclusão da cultura folclórica (o dia do Santo Patrono – Slava, costumes de Natal, o culto dos antepassados, etc...) bem como a cultura organizacional e arte da sociedade em largo (comunas, assembleias de pessoas eclesiásticas, comunidades, etc...). 

As maiores realizações arquitetônicas e artísticas em cem igrejas e monastérios sérvios, a literatura biográfica, a literatura liturgo-monástica, bem como a literatura do estado constitucional fizeram e fazem com que a “Svetosavlje” seja compreendida como uma experiência cristã autêntica da nação sérvia, ou ainda, tal como a Ortodoxia diz ser uma experiência histórica, uma nação como um todo. Dentre as muitas forças que contribuíram ao making off da vida espiritual da nação foram as Hagiografias Sérvias (as “Vida dos Santos”) da Idade Média. O primeiro a se pôr a escrever uma destas biografias foi São Savas, que escreveu a vida de seu pai, Stefan Nemanja – São Simeão o Miroblita. Ao mesmo tempo seu irmão, Stefan “o Primeiro-Coroado”, também escreve sobre a vida de seu pai Nemanja. Outros escreveram obras que se seguem. Incluíram a vida de São Savas pelos seus discípulos Domentijan e Teodosije, muitas biografias de Arcebispos e Reis sérvios, relatos sobre a vida de santas mulheres (Santa Anastásia, Santa Helena de Anjou, Santa Petka, Santa Eufêmia), relatos da vida de eremitas sérvios (São Prócoro, São Pedro de Korishka, Isaías de Hilandar) bem como a vida de mártires sérvios (São João Vladimir – antes do XI século – São Lázaro do Kosovo, os Neo-Mártires de Cristo, etc...). Em todos estes textos hagiográficos, que são concorrentemente históricos, pode-se encontrar o tema comum da opção pela liberdade espiritual e valores éticos que transcendem o desnudo nível histórico deste mundo e vida, fazendo penetrar a meta-história e escatologia. Os notáveis históricos são enquadrados num drama com um propósito distinto, a resolução fundada na liberdade de escolha na auto-determinação. A única escolha verdadeira está naquela, que através da auto-renúncia pessoal e sacrifício, aspira a algo de mais elevado, objetivos eternos – uma escolha que aspira ao Reino dos Céus. É neste espírito que São Savas foi louvado biograficamente por sua aceitação pessoal de valores espirituais e por seu serviço abnegado a Deus, ao próximo e a nação. O mesmo é verdadeiro para os reis e governantes sérvios, nenhum dentre eles foi louvado em suas biografias pelos combates e conquistas, mas primariamente, por sua piedade, dotes beneficiários e especialmente por seus zaduzbinarstvo (construção de igrejas, monastérios e instituições humanitárias com o intento de realizar a salvação pessoal e beneficiar seu povo de uma forma duradora).

É importante salientar que a característica significante da literatura hagiográfica sérvia é que o “serviço ao povo de uma pátria” é sempre entendido como o serviço ao “povo de Deus”, uma frase que não é definida pela nacionalidade, mas antes pela escatologia e a Bíblia – uma frase que incide sobre a elevação de um povo numa unidade de "aliança" que não se esforça em conquistar e dominar o mundo, mas na auto-abnegação e nos valores espirituais duradouros. Isto torna compreensível o fato de que tanto na consciência como na tradição viva do povo sérvio os ideais heróicos eram homens santos, emulados pelos próprios governantes.

“As palavras de Cristo na senda do sofrimento que conduz ao Reino dos Céus alcança – através da auto-negação espiritual dos primeiros Santos sérvios e através de descrições dos poetas – sua culminação no ato de martírio – morte do Príncipe Lázaro no Kosovo.”

Neste espírito Stefan Nemanja segue seu filho São Savas abandonando o trono para ingressar na via monástica. Eles foram seguidos por toda a “Santa Dinastia” de governantes sérvios das Casas dos Nemanjici, Lazarevici e Brankovici bem como uma multidão de líderes da Igreja – Arcebispos e Patriarcas, muitos dentre os quais são venerados como Santos e outros morreram como mártires. Estas santas pessoas deixaram aos sérvios o legado e a identidade histórica de fidelidade duradoura a Svetosavlje – já aceitaram a ética de justiça do Evangelho e o caráter cristão e os ideais de liberdade e amor. Tudo isto é corroborado por toda tradição folclórica sérvia – tanto escrita como oral – poesia folclórica e histórias, provérbios e ditados, costumes e atos heróicos e tipicamente decisões altruístas tomadas por indivíduos e suas grandes comunidades, em toda nação, em certos momentos críticos de sua história. Estas são qualidades distintivas cristãs e qualidades humanas da alma de nosso povo – prontidão em auto-negação, sacrifício, sofrimento, resistência, perdão e aprisionamento pela justiça e a liberdade.

Outro componente da identidade espiritual sérvia é o zaduzbinarstvo, que é mais uma indicação tanto da direção como do degrau de crescimento espiritual do povo. A origem do zaduzbinarstvo pode ser traçada para os sérvios mesmo antes de São Savas (a igreja de Ston, erguida por Mihailo, Rei de Zeta no XI século, ou a igreja-gruta dos primeiros eremitas sérvios), mas isto se desenvolveu especialmente desde o tempo de Stefan Nemanja, São Savas e demais Nemanjici, e seus herdeiros tanto no interior da Igreja como do Estado. As zaduzbinas eram erguidas não somente por governantes sérvios e arcebispos, mas também por duques, sacerdotes, monges e pessoas comuns. Todos eles ergueram igrejas, monastérios e instituições caritativas como sua própria, bem como para a nação – são obras realizadas tanto para a glória de Deus e o benefício do mundo. No entanto, estas obras e o intento por trás delas superou a história para apontar significativamente aos valores espirituais duradouros do Reino dos Céus.

O espírito do povo sérvio de doação (o espírito de zaduzbinarstvo) é bem atestado pela riqueza das igrejas e monastérios, preservados no território sérvio. Isto é válido para as zaduzbinas da era da família Nemanjic como para aquelas construídas mais tarde, nos períodos dos Lazarevic e Brankovic (XIV-XV séculos), e também para aquelas erguidas mesmo até no período da ocupação turca e posteriormente. Todo um aglomerado de igrejas e monastérios preservados até os dias de hoje numa relativamente pequena área da Sérvia – resquícios sobreviventes de um passado glorioso e uma grandeza histórica – evidencia, de forma vívida, que a construção de igrejas e monastérios era tida como a "única coisa necessária" (Lc. 10: 42), a que os sérvios se dedicavam em primeiro lugar. Fato bem colocado pela escritora Isidora Sekulic: “os sérvios não têm castelos de nosso passado, mas igrejas e monastérios semeados por toda parte; As igrejas e monastérios serviam de moradas a todos – governantes e pastores, letrados e iletrados, heróis e plebeus.”

O espírito ortodoxo de zaduzbinarstvo explica um reconhecimento característico da identidade sérvia: através de todos os séculos do passado, e até os dias de hoje, a vida espiritual e histórica dos sérvios está centrada em torno e toma parte na e no interior de suas igrejas e monastérios. Eles foram e permaneceram os centros para assembleias nacionais e colheitas, para auto-exame e validações e os fundamentais epicentros de fé no grande destino da nação. Sem estes lugares santos, o povo sérvio não poderia ser o que ele é; não só a nível do lugar que ocupa no seio da Ortodoxia, mas para com o Cristianismo em geral.

A escolha espiritual do povo sérvio pelo Paraíso sobre a terra foi manifesta mais plena e evidentemente na fatídica escolha na histórica Batalha do Kosovo em 1389, na qual os sérvios enfrentaram os turcos no Campo do Kosovo. Esta escolha foi feita por soldados e mártires, liderados e comovidos pelo exemplo do Santo Príncipe Lázaro, que morre, ele próprio, enquanto mártir. Esta exaltada tragédia cristã foi logo em breve escrita e cantada na Igreja Sérvia e pelos poetas folk. Disto se origina o conceito da escolha do Kosovo. George Trifunovic, renomado erudito e autoridade no que concerne a tradições do Kosovo dentre os sérvios observa: “As palavras de Cristo sobre o caminho do sofrimento que conduz ao Reino dos Céus alcança – através de auto-negação espiritual dos primeiros santos sérvios - seu apogeu no ato de martírio do Knez Lázaro em Kosovo.

Os sérvios não se renderam aos turcos em 1389, nem aceitaram o status de vassalos, mas escolheram lutar, até, enquanto povo, desenvolveram bem os valores espirituais em todas as esferas da vida – Igreja, estado, cultura e arte. Consciente deste fato um homem que possui valores espirituais não pode ser um escravo, ele escolhe aceitar o auto-sacrifício e a morte, que não é considerado uma derrota, mas a emergência do idealismo espiritual – uma fonte de nova vida e jamais rompida esperança no triunfo final da justiça e da verdade, destes valores que pertencem ao Reino dos Céus.

Os sérvios, obviamente conscientes de sua desvantagem estatística, decidiram lutar. O cerne principal desta aceitação de uma luta desigual é a escolha, uma livre, ainda que fatídica decisão de lutar em vez de render-se. “Kosovo, 1389, foi uma afirmação definitiva da identidade cristã do povo sérvio; experimentado como o triunfo do martírio e de certa forma como uma derrota. O fato da nação sérvia toda-abençoada coroada com a coroa do martírio foi lirilizado em hinos de vitória com resplendor e alegria. Isto significa o triunfo do espírito sobre o corpo, da vida eterna sobre a morte, da justiça sobre a injustiça, do sacrifício sobre a avareza, do amor sobre o ódio e a força. Isto é o que o Kosovo sérvio significa quando cantado na poesia folk épica inspirado por este acontecimento monumental e histórico” (Dimitrije Bogdanovic). “A escolha do Kosovo foi sem sombra de dúvidas a escolha pela liberdade na mais difícil e destrutiva maneira, mas o único seguro caminho” (Zoran Misic).

A ética do Kosovo enquanto pacto nacional da história sérvia foi expressa por um contemporâneo destes eventos, o Patriarca sérvio Danilo III, ao louvar o Príncipe Lázaro e os mártires do Kosovo com as seguintes palavras em 1393: É melhor escolher “a morte com honra e sacrifício do que a vida com vergonha; morramos então, para vivermos para sempre”.

Tanto estes como outros escritos litúrgicos e de culto similares sobre o Príncipe Lázaro enquanto mártir e Santo, no qual seu martírio foi exaltado tanto como um ideal histórico como meta-histórico, torna-se em breve a fonte e inspiração de bem conhecido ciclo de poesia épico do Kosovo. Isto se faz especialmente evidente no poema “A queda do Império Sérvio” no qual o defeito físico sérvio é transformado numa vitória espiritual, uma filosofia cristã do sacrifício trágico convertida numa base moral da mentalidade do povo. Foi isto que fez o Kosovo torna-se e permanecer, dentre os sérvios, o local em que seu destino histórico foi “determinado”, quer dizer onde eles foram espiritualmente orientados na convicção de que a ressurreição da liberdade e uma nova vida somente podem ser realizadas através de sofrimento e sacrifício. Kosovo foi experimentado novamente e por muitas vezes é re-experimentado como nosso Gólgota, mas também como o mais certo caminho que conduz à Ressurreição.

O que permitiu os sérvios expressarem sua escolha espiritual e manifestar a alta ética do Kosovo foi o fato de estarem enraizados na tradição animada e a criativa presença do hesicasmo, que na verdade é o espírito da Sérvia de Lázaro. As igrejas e os monastérios sérvios foram centros de hesicasmo. Com isto em mente, podemos concluir que a Sérvia dos Lazarevici foi em espírito como a zaduzbinarska Sérvia dos Nemanjici. Nas zaduzbinas (monastérios) viveram aqueles que aspiraram ao hesicasmo e seus muitos discípulos. Influenciavam não somente as pessoas, mas também as coortes dos nobres sérvios, e especialmente a coorte do Príncipe Lázaro e seus herdeiros, os déspotas sérvios. Apesar da desintegração política gradual do estado enfraquecido, o hesicasmo produziu um verdadeiro renascimento espiritual na cultura, na arte e na vida religiosa.

Hesicastas levaram as flâmulas da resistência face aos adversários e não pereceram passivamente. Esta resistência foi primeiramente em força de espírito, na filosofia cristã de vida, e na filosofia universal, tudo isto fortificou extraordinariamente a auto-consciência ortodoxa do povo sérvio, cujos valores ultrapassaram todas as tentações do tempo. O hesicasmo era entendido como a vida do mundo e do homem numa maneira que conecta a lacuna transcendente entre este mundo e o próximo; o que tornou a experiência do destino humano otimista. Isto não negligenciou o drama da história viva, mas transfigurou a vida amarrando-a valores perenes, enfatizando o triunfo da morte de um mártir pelo Reino dos Céus. Assim, o hesicasmo encontra em si mesmo as funções da Igreja e defesa nacional, muito importante para a resistência espiritual do povo sérvio.

Foi, graças a esta escolha, que o povo sérvio, durante o tempo da escravidão turca após o Kosovo, reviveu repetidamente o trauma do Kosovo, a escolha sacrificial em abraçar o lote mais difícil, a dramática realidade de portar a sua cruz. Mesmo durante estes tempos, nos quais o sucesso histórico não pode ser visto, os sérvios mantiveram com fé seu “destino”, ao pacto do “Kosovo”. Mesmo apesar de terem perdido a Batalha do Kosovo para os turcos no Campo do Kosovo, os sérvios resistiram seu vencedor por mais meio século e durante um breve período alcançaram a independência. Durante o governo do Déspota Stefan Lazarevic e a era dos Brankovici (XV séc.), o povo sérvio construiu muitos e marcantes zaduzbinas – igrejas e monastérios, mostrando mais uma vez que a edificação destes era por eles considerado como a obra mais importante. Estas zaduzbinas cruzam os rios Sava e Danúbio, onde os sérvios gradualmente migraram e para onde trouxeram e perpetuaram sua cultura e culto de venerar seus Santos, dentre os quais estão os mártires do Kosovo.

Em seguida à queda final para os turcos (XV séc.), o povo sérvio não abandona sua memória histórica, nem perde sua identidade espiritual, mas resistem com força à Islamização e com a fé e a esperança dos mártires, resistem perseguições, perda de propriedades, profanação de seus locais sagrados, e o martírio de seus patriarcas, sacerdotes, monges e outros líderes. O que salvaguardou a integridade da espiritualidade sérvia durante séculos de escravidão foi a Ortodoxia e a tradição histórica sérvia, ambos concentrados no Patriarcado Sérvio e nas igrejas e monastérios – as zaduzbinas. A primeira insurreição dos sérvios veio com a renovação do Patriarcado de Pec em 1557, sob o Patriarca Makarije Sokolovic, anteriormente monge no Monastério de Mileshevo, local de repouso dos restos mortais de São Savas, durante 3 séculos – um local de peregrinação comum e fonte tanto de inspiração espiritual como nacional para os sérvios durante todo este período de servidão. O culto de São Savas, com seu corpo incorrupto no Monastério de Mileshevo e o culto de São Lázaro do Kosovo, com seu corpo incorruptível no Monastério de Ravanitsa foram as duas fontes imperecíveis de inspiração religiosa e nacional.

A importância da renovação do Patriarcado de Pec e o concomitante reavivamento das tradições religiosa e histórica manifesta ele próprio na Sérvia rebeliões no fim do século XVI. Depois da poderosa expansão ocidental do Império Turco (sob Suleiman o Magnífico) – assim que o Império Turco começa a enfraquecer (especialmente depois de sua derrota na Batalha de Lepanto em 1571) – os sérvios começam a insurgir e se aliam a nações do Oriente Cristão na guerra da cruz contra o crescente. Durante a Guerra Austro-Húngara (1593-1606), os sérvios simultaneamente se levantaram em dois lugares: primeiro no Banat (1594) sob a liderança de Teodoro, Bispo de Vrshats, onde os sérvios ornaram suas bandeiras com o ícone de São Savas e em seguida em Herzegovina, sob o Metropolita Vissarião. Ambas estas rebeliões foram rápida e sangrentamente suprimidas. As represálias turcas que se seguiram foram especialmente dirigidas contra as zaduzbinas sérvias – os monastérios e igrejas, dentre os quais o primeiro foi o Monastério de Mileshevo, saqueado na sexta-feira Santa de 1594. Sob ordem do sultão, pelo encargo do Grande Vazier Sinan Pacha (um albanês islamizado), foi levado o corpo de São Savas desde o Monastério de Mileshevo, através da Sérvia, a ser queimado em Belgrado, na colina do Vratchar, aos 27 de Abril (maio10), 1594. Todavia, este ato bárbaro e malevolente – no lugar de intimidar as pessoas escravizadas mas invictas, - inflamou-os com o espírito de São Sava e do ethos de Kosovo.

Dos três Patriarcas sérvios que governaram o povo sérvio e a Igreja na era da pira de Vratchar, dois em cada três morreram como mártires sob as mãos dos turcos: Patriarca Jovan Kantul (1614) e Patriarca Gavrilo Rajic (1659). O próximo grande Patriarca foi Arsenije III Carnojevic (1674-1706), que, depois da derrota turca fora de Viena (1683), ajudou de todo-coração a abrangente revolta do povo que, com mais 20 000 homens, ingressou o Exército austríaco em sua unidade sul. Com a ajuda destes lutadores sérvios, Kosovo foi liberto completamente até Prizren e Skoplje. Mas quando a unidade austríaca foi derrubada em Katchanik (1690), o Patriarca Arsenije foi forçado a mover seu povo (mais 30 000 famílias) para o norte, com o intuito de escapar das represálias turcas. Chamamos este acontecimento de “A Grande Migração” (historicamente chamado), os sérvios tomaram o corpo do Santo Grande Mártir Lázaro do Kosovo consigo à suas novas terras (primeiramente Sentandry e Budim e depois ao recém-construído Monastério de Ravanitsa no Srem). Assim, a veneração de Lázaro e o pensamento de aliança do Kosovo em libertar e recuperar os lugares sagrados da pátria de seus inimigos foram reforçados, espalhando-se à diáspora sérvia. Este foi o tempo em que as crônicas e genealogias foram recopiadas, os primeiros Srblhaks (Livros de Serviços Litúrgicos dedicados aos Santos Sérvios) impressos, e o tempo em que os monges e guslars (poetas sérvios) andaram pelo povo, conduzindo-os e acendendo a memória de seu passado dentre eles.

Quando uma nova guerra austro-turca eclode em breve (1718-39), os sérvios da Antiga Sérvia e Kosovo revoltaram-se novamente contra os turcos, desta vez sob a liderança do Patriarca Arsenije IV Jovanovic. Belgrado foi liberada por um curto espaço de tempo, e alguns sérvios erigiram uma igreja no Vratchar, em comemoração à incineração das relíquias de São Savas lá. Esta pequena igreja existe até 1757, altura em que os turcos a destroem – mas o local foi bem-lembrado e esta memória se passa de uma geração à outra. Logo depois disto, o Patriarcardo de Pec foi abolido pelos turcos (1766), mas isto novamente não pode extinguir o espírito da Igreja Sérvia e o pensamento sérvio. No fim deste século, os sérvios levantaram-se mais uma vez (Kocina Krajina) e novamente, havendo derramamento de sangue, esta revolta representou outro exemplo de auto-sacrifício na parte da nação sérvia. Na aurora do XIX século, a escolha sérvia do Kosovo aparece novamente, esta vez sobre o grande Vozd Karadjordje Petrovic – e este tempo é marcado como a primeira “Ressurreição da Sérvia”. Os insurgentes sérvios foram inspirados pelos Santos sérvios e os mártires do Kosovo a lutarem pela liberdade. Neste tempo o povo sérvio em todas as terras sérvias levantou-se para lutar pela liberação da Sérvia e os sérvios, mesmo apesar da circunstância histórica e sua impossibilidade - pois que o Império Turco era ainda um forte poder europeu. No entanto, a revolta na Sérvia foi conduzida pela crença da justiça dos Céus, e neste espírito, Karadjordje colocou a venerável cruz em suas bandeiras, sob as quais estavam Igumenos, monges, sacerdotes, os Arciprestes Atanasije de Bukovica e Matej Nenadovic, o sacerdote Lucas Lazarevic e outros ainda.

Imediatamente após a liberação da Sérvia, finalmente completada por Milos Obrenovic e os governantes futuros, o tradicional espírito sérvio de zaduzbinarstvo foi renovado, e foi então que teve início aos preparativos para a construção de uma igreja-memorial em honra de São Savas no Vratchar. No dia do 300º aniversário da incineração de suas relíquias uma “Sociedade de Construção da Igreja de São Savas no Vratchar” foi formada e em apenas 7 dias esta sociedade ergue a pequena e temporária igreja no Vratchar – dedicada aos 27 de Abril (10 Maio) de 1895.

As Guerras dos Bálcãs de 1912 interferiram e interromperam as preparações para a construção de uma igreja maior. Os séculos – o antigo pacto Kosovo e sua escolha mais uma vez sustentaram os sérvios que engajaram o conflito. Através de seu grande auto-sacrifício e heroísmo, finalmente conseguiram abolir o jugo turco – que os escravizou por mais de meio-milênio – e libertaram a tão mártir terra do Kosovo.

Na Primeira Guerra Mundial, a Sérvia foi mais uma vez colocada numa situação de completa desvantagem, mas, por mais uma vez, recusaram aceitar o ultimato Austro-Húngaro, escolheram o Reino dos Céus e aceitaram o conflito com o poderoso Império de Hapsburg, tal como David contra Golias.

Depois da guerra e a criação da Iugoslávia (1918), a iniciativa para a construção da Igreja de São Savas no Vratchar foi renovada, conforme o antigo espírito de zaduzbinarstvo. Os mais proeminentes porta-estandartes deste espírito neste tempo foram o Rei Petar I (exemplificado por sua zaduzbina, a Igreja do Santo Mártir Jorge em Oplenac) e o Patriarca Varnava Rosic.

Somente duas décadas depois vieram os trágicos acontecimentos da II GM e na véspera de seu martírio, os sérvios por mais uma vez revelaram que a escolha do Kosovo pelo Paraíso sobre a terra estava muito mais viva neles do que quando, depois da Iugoslávia ser chantageada a concordar com o Pacto Tripartite, com o os Poderes Axis fascista, ela rejeita tal Pacto (Março 27, 1941). Patriarca Gavrilo Dozic dirige-se ao Radio Belgrado e proclama, em nome do povo sérvio que: “Escolhemos mais uma vez o Reino dos Céus, quer dizer o Reino da verdade e da justiça de Deus, da liberdade e unidade do povo. Este é um ideal eterno, levado no coração do homem e mulher sérvios, mantido em chamas nos lugares santos de nossas zaduzbinas ortodoxas – os monastérios e igrejas...”

Assim, mais uma vez, fatos provam que o ideal da escolha do Kosovo está sempre presente no destino histórico do povo sérvio. Esta vez a escolha sérvia pelo Reino dos Céus foi paga por centenas de milhares de vidas sérvias inocentes cuja “culpa” somente reside no fato de pertencem ao povo ortodoxo sérvio de São Savas. A Igreja que vem sendo erguida sobre as cinzas das relíquias queimadas de São Savas no Vratchar (em Belgrado) é, por estas razões, e ao mesmo tempo, um monumento ao povo mártir do grande pacto do Kosovo.

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