Vida cristã
MIEN Aleksandar
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Desde a manhã da Ressurreição, os séculos passaram num relâmpago.
Impérios surgiram e se foram, civilizações inteiras desapareceram;
revoluções militares, convulsões sociais e políticas mudaram a própria ordem do
nosso mundo. Mas aquela pequena comunidade de pescadores fundada pelo judeu
Jesus, da aldeia de Nazaré, a sua Igreja, permanece de pé até hoje, como um
rochedo firme no meio de um mar em contínuo movimento.
E aquele credo, professado nos primeiros dias por poucas dezenas de
pessoas, move hoje um bilhão de habitantes do nosso Planeta, que falam as mais
variadas línguas, e deu origem a inumeráveis formas de cultura.
Quando o anúncio do Evangelho, qual suave brisa, irrompeu no cadente
mundo antigo, trouxe esperança aos degradados e aos desesperados, deu novo
alento e vida. O Cristianismo fundiu em si a sabedoria de Atenas e as
expectativas do Ocidente ao sonho romano de uma pax universal; condenou os
opressores, elevou a mulher e uma dignidade nova, provocou a erradicação da
escravidão...
Mais tarde, foi ele a base da civilização e da cultura dos jovens
Estados do Ocidente, que os romanos chamavam “bárbaros”, induzindo a força
bruta a ceder à autoridade moral e espiritual. Aos poucos, o “fermento” cristão
tornou-se, na Europa e no Novo Mundo, fonte de um novo dinamismo que marcou
profundamente a cultura desses continentes.
Ao longo da História, a figura de Jesus Cristo atraiu a si pessoas
aparentemente bem diferentes: dos escravos de Roma a Dante, de Dostoiévski aos
pastores nômades africanos. Ele infundiu coragem aos mártires do Coliseu e
força aos seus confessores do século XX.
Em cada época, o homem descobriu meios inesgotáveis de criatividade no
Novo Testamento e, se os primeiros seguidores de Jesus Cristo eram simples
pescadores galileus, depois, prostraram-se diante da sua cruz os espíritos mais
elevados de todos os povos. A sua revelação iluminou o pensamento de Agostinho
e de Pascal, o amor a ele fez surgirem os maciços das catedrais levantados
pelas mãos do homem, guiou o estro criativo de poetas e artistas, suscitou as
harmonias de sinfonias e corais. A imagem do Filho do Homem inspirou as obras
de um Andrej Rublev, de Michelangelo, de Rembrandt. No alvorecer do Terceiro
Milênio, o Evangelho, que narra a vida terrena de Cristo, está traduzido em mil e quinhentas línguas
e é lido em todo o mundo.
Mesmo quando muitos cristãos esqueceram “de que espírito”eram e a sua
traição aos mandamentos do Mestre armou contra Igreja uma multidão de inimigos,
o Evangelho continuou a agir nas pessoas, às vezes de modo imperceptível. Os
mais sublimes ideias humanos de justiça, fraternidade, liberdade, abnegação e
dedicação aos outros, a fé na vitória final do bem, o valor da pessoa humana,
em uma palavra, tudo o que se opõe à evangélica, embora, às vezes, de modo
inconsciente.
Tempestades e vendavais abateram-se sobre a Igreja. O amor pelo poder
dos seus hierarcas e o ainda vivo paganismo das multidões, as seduções do mundo
e o fanatismo ascético, os ataques dos seus inimigos declarados e os pecados
dos cristãos, os dissídios e os cismas, tudo isto muitas vezes parecia pôr em
risco a própria existência da Igreja. Mas ela resistiu firme, superou todas as
batalhas e as crises da sua História.
O mistério dessa sua resistência está na própria pessoa de seu fundador,
no Filho do Homem, o qual, como diz Paulo, “ontem, hoje e pelos séculos é
sempre o mesmo”, reside nos dons do Espírito, que ainda desce sobre aqueles que
lhe são fiéis.
O intelecto humano almeja a grandeza exterior, prostra-se diante da
força visível, mas não é o que o Evangelho oferece ao homem. “Nós pregamos um
Messias crucificado, e isto é um escândalo para os judeus e um absurdo para os
gregos” dizia Paulo. O Cristianismo anuncia a todos como salvador um Deus
humilhado, um Deus que se fez pequeno aos olhos “deste mundo”.
Quem quer que tenha encontrado Jesus Cristo sabe que o homem não é um
viajante solitário que a ninguém pode chamar no deserto negro do cosmo, mas um
filho de Deus, que com ele toma parte na realização dos seus desígnios eternos.
“Aquele que é a Palavra”, feito homem na Terra, revelou aos homens a alta
predestinação deles, consagrou e animou a natureza humana, semeando nela a
semente da imortalidade. Na pessoa de Jesus de Nazaré, o Criador sagrado e
inefável aproximou-se de nós, o que enche a vida de alegria, de beleza, de
sentido. O “silêncio terrível do nada” não mais existe. Em tudo está a luz de
Cristo, o amor do Pai...
Com efeito, não é uma doutrina, nem uma teoria, mas o próprio Cristo que
renova continuamente o Cristianismo e o conduz para a eternidade.
Os séculos passados, desde aquela manhã da Ressurreição na Judéia, são
apenas o prólogo da plenitude humana e divina da família de todos os homens, o
princípio daquilo que Jesus lhe prometeu. A vida nova que o Cristianismo
suscitou deu apenas os primeiros, às vezes ainda fracos, brotos; a religião da
boa nova é a religião do futuro. Contudo, o Reino de Deus já existe na beleza
da criação e onde triunfa o bem entre os homens, nos autênticos discípulos do
Mestre, nos santos e nos verdadeiros cristãos, em todos aqueles que querem
segui-lo até o fim...
Dá também a nós, ó Mestre, a força da Tua fé, a firmeza da Tua
esperança, o fogo do Teu amor por Ti. E quando, perdidos nos trajetos da vida,
pararmos sem saber para onde ir, concede-nos também a nós que vislumbremos nas
trevas o Teu rosto. Em meio ao estridor e à balbúrdia da nossa era tecnológica,
tão potente, mas ao mesmo tempo tão pobre e sem força, ensina-nos a distinguir
o silêncio da eternidade, e dá-nos que nele reconheçamos a Tua voz, que ouçamos
as Tuas palavras que ainda hoje nos devolvem a coragem: “Eu estou convosco
todos os dias até o final do mundo”.
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