Eucaristia
SCHMEMANN Protopresbítero
Alexander
tradução de monja Rebeca (Pereira)
A Eucaristia é a Igreja que entra na alegria de
Seu Mestre. Entrar nesta alegria e ser dela testemunho neste mundo é, na
verdade, o próprio apelo dirigido à Igreja, sua leitourgia essencial, o
sacramento pelo qual “ela torna-se o quê realmente é".
A melhor maneira de compreender a Liturgia
eucaristica é olhá-la como uma estrada ou uma procissão. É a estrada onde a
Igreja entra na dimensão do Reino. Empregamos esta palavra “dimensão” porque
parece ser a melhor para indicar a maneira de nossa entrada sacramenta na vida
ressuscitada de Cristo.
Nossa entrada na presença de Cristo é uma
entrada numa quarta dimensão que nos permite pressentir a realidade última da
vida. Não é uma evasão do mundo. Antes a chegada ao ponto privilegiado de onde
nossa vista pode se imergir mais profundamente na realidade do mundo.
O pôr-se a caminho começa quando os cristãos
deixam suas casas e seus leitos. Em verdade, eles deixam sua vida no mundo,
neste mundo presente e concreto. Que tenham 30 km pela frente no carro ou somente
algumas passos a pé, já começam a colocar um ato sacramental, um ato que é a
condição primária para tudo que há-de-vir. Porque estão então a caminho para
contituir a Igreja, ou mais exatamente, para serem transformados em Igreja de
Cristo. Eram indivíduos, uns brancos, outros negros, uns ricos, outros pobres,
eram o mundo “natural”, uma comunidade natural.
E eis que são chamados a “se reunirem num mesmo
lugar”, a trazerem com eles o próprio “mundo”, a serem aquilo que não eram: uma
comunidade nova vivendo uma vida nova. Estamos bem para além das categorias de
adoração e de oração em comum. O objetico deste “reunir-se” não é simplesmente
adicionar uma dimensão religiosa à comunidade natural, de torná-la “melhor”,
mais responsável, mais cristã. O objetivo é o de realizar a Igreja, quer dizer
de representar, de tornar presente o Único em Quem todas as coisas têm o seu
fim, e todas as coisas tem o seu começo.
A Liturgia começa então, como uma separação
real do mundo. O Cristo que falamos não é deste mundo (cf. Jo. 8, 23; 18, 36),
após Sua Ressurreição, Ele não foi reconhecido, mesmo até pelos Seus
Discípulos. Maria Magdalena O tem como um jardineiro. Quando dois de Seus
Discípulos caminham em direção a Emaús, o próprio Jesus Se aproxima e faz rota
com eles, mas “eles não O reconhecem até o momento em que, tendo abençoado o
pão, o rompe e lhes dá a comer” (cf. Lc. 24, 15-16, 30). Ele aparece aos Doze
“estando as portas fechadas”. Torna-se, então, evidente que não se faz mais
necessário saber simplesmente que Ele era o filho de Maria. Não havia
materialmente nada que obriguasse reconhecê-Lo. Em outros termos, Ele não
“fazia parte deste mundo”, de sua realidade; e reconhecê-Lo, entrar na alegria
de Sua presença, estar com Ele queria dizer se converter a uma outra realidade.
A glorificação do Senhor não tem a evidência vinculativa e objetiva de Sua
humilhação e Sua Cruz. Só conhecemos Sua glorificação pela morte misteriosa nas
fontes batismais, pela unção do Espírito Santo. Ela só é conhecida na plenitude
da Igreja quando esta se reúne para encontrar o Senhor e partilhar Sua vida
ressuscitada.
Paritr, chegar.... é o começo, a linha de
partida do sacramento, a condição necessária ao seu poder e à sua realidade
transformantes. A Liturgia Ortodoxa começa pela doxologia solene: “Bendito é o
Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em todo tempo, agora e sempre e
pelos séculos dos séculos.” Desde o ínicio, proclamamos a destinação: a rota
que conduz ao Reino. É para lá que vamos, não simbolicamente, mas realmente. Na
linguagem da Bíblia, que é a linguagem da Igreja, abençoar (bendizer) o Reino
não é somente o aclamar, mas anunciar claramente que ele é o objetivo, o termo
de todos os nossos desejos e interesses, de toda nossa vida, o valor supremo e
último de tudo aquilo que existe. Bendizer é aceitar no amor e avançar àqulio
que é amado e aceitado.
Assim, a Igreja é a assembléia, a reunião
daqueles que receberam a revelação do objetivo último de toda vida, e que o
aceitaram. Esta aceitação se exprime na resposta solene à doxolofia: Amém. É,
em verdade, uma das palavras mais importantes do mundo, pois que exprime o
consentimento da Igreja em seguir a Cristo em Sua ascensão ao Pai, e fazer
desta ascensão o destino do homem. É o dom que nos fez Cristo, pois que somente
n´Ele podemos dizer Amém a Deus, ou ainda, é Ele Próprio que é o nosso Amém a
Deus, e a Igreja é o Amém a Cristo. É sobre este Amém que se traça o destino da
raça humana. Ele revela que a caminhada a Deus já começou.
No entanto, só estamos no começo. Deixamos
“este mundo”. Reunimo-nos. Ouvimos a proclamação de nosso destino último. Dizemos
Amém à tal proclamação. Já somos a ecclésia, a resposta a este apelo e à esta
ordem. E começamos com as “orações e suplicações”, com um louvor comunitária e
jubilosa.
Mais uma vez ainda, faz-se necessário sublinhar
o caráter jubiloso da asembléia eucarística. Pois a insistência medieval sobre
a cruz, ainda que não seja errônea, só apresenta, todavia, um aspecto. A
Liturgia, antes de tudo, é a reunião (assembléia) jubilosa daqueles que vão
re-encontrar o Senhor ressuscitado e entrar com Ele na Câmara Nupcial. É esta
alegria da espera, e a espera desta alegria que se exprimem nos cânticos e no
ritual, nos ornamentos, nas incensações, no “esplendor” da liturgia que tão
geralmente denunciamos como sem necessidade, até mesmo pecadora.
Sem necessidade, decerto, ela o é, porque
estamos bem além das categorias do “necessário”. A beleza não é nunca
“necessária”, “funcional” ou “útil”. E tal quando, à espera de alguém que
amamos, colocamos uma bela toalha na mesa, a decoramos com velas e flores,
fazemos tudo isto não por necessidade, mas por amor. A Igreja é amor, espera e
alegria. Ela é o céu sobre a terra, segundo nossa Tradição Ortodoxa. Ela é a
alegria da infância recoberta, esta alegria livre, incondicional e
desinteressada, única capaz de transformar o mundo. Em nossa piedade adulta,
séria, pedimos definições e justificações e estas estáo enrraizadas no temor.
Temor da corrupção, das desviações, das “influências pagãs”, etc. Mas “aquele
que teme não está consumiro em amor” (cf. Jo. 4, 18). Por quanto os cristãos
amarem o Reino de Deus, e não se contentarem em discutir, o “representam” e o
significam, na arte e na beleza. O celebrante do sacramento da alegria se
apresenta revestido com uma casula esplêndida, porque inundado pela glória do Reino,
porque, mesmo numa forma humana, Deus aparece em glória. Na Eucaristia,
permanecemos de pé, em presença de Cristo e tal como Moisés diante de Deus,
estamos lá para sermos cobertos pela Sua Glória. O Próprio Cristo trazia uma
túnica sem costura que os soldados aos pés da Cruz não a rasgaram. Não a
compramos no mercado, mas com toda probabilidade, fora tecida pelas mãos
amantes de alguém. É verdade, a beleza de nossa preparação para Eucaristia não
tem utilidade prática.
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