Por que ser cristão?

MIEN Aleksandr 
entrevista por Mark Makarov, Moscou (1992)
tradução de monja Rebeca (Pereira)


O entrevistador é Mark Makarov, evangelista americano, animador de uma emissão de rádio com a participação telefônica ao vivo.

MAKAROV: Padre Alexandre, gostaria muito de lhe fazer uma pergunta que me foi colocada por vezes. É necessário ser cristão e, se a resposta for afirmativa, por quê?

MIEN: Só existe uma resposta a esta pergunta, penso eu, e ela consiste no fato de o mundo ter sempre buscado a Deus; é a condição humana normal de se engajar de uma forma ou de outra com aquilo que lhe é mais elevado, com um ideal – mesmo até quando o espírito do homem deforma ou minimiza o ideal ou o transforma em uma busca puramente civil. Tomemos a época do Stalinismo, do Maoismo ou de todo outro movimento em ‘ismo’ e veremos que quando privamos, pela força, o povo de sua busca de Deus, o povo reconecta sempre uma pseudo-divindade. A idolatria substitui a fé mas a aspiração instintiva a Deus permanece. No entanto, vejamos porque devemos ser particularmente cristãos.

MAKAROV: Talvez por causa da Bíblia?

MIEN: Todas as religiões têm seus livros sagrados, alguns são plenos de sabedoria, de poesia, se profundidade espiritual. Muitos livros sagrados do Oriente, por exemplo naqueles da Índia, o Mahabharata, a parte que chamamos de Bhagavad Gîtâ, sem esquecer os Sutras budistas, contêm um tesouro e conhecimento e são escritos magníficos. Então o que pode ter de outro?

MAKAROV: A arte cristã?

MIEN: Hoje na Rússia, as pessoas se tornaram entusiastas por nossa arte medieval. Eu mesmo a admiro muito, mas para mim se trata de um aspecto de nossa cultura espiritual. Se olharmos objetivamente, sem subjetividade, que não seja minha fonte pessoal, então a arte da Grécia antiga também é religiosa, a arte indiana é espiritual, (...) e as religiões são repletas de belíssimos edifícios antigos (e modernos) e assim o Cristianismo não pode se ostentar de um privilégio neste domínio. Logo, devemos nos perguntar, mais uma vez, por que o Cristianismo?

MAKAROV: A moral cristã?

MIEN: Sim, de acordo. Estou muito satisfeito pelo fato de em nossos dias os valores morais do Cristianismo sejam reconhecidos em nossa sociedade. Mas, devemos admitir que é tudo simplesmente falso e não passa de propaganda para sugerir que não existem valores morais fora do Cristianismo (...) não é o momento de enumerar os princípios morais de todas as sociedades, mas não restam dúvidas que se encontrará também todas as ideias fundadoras da ética nos escritos dos estóicos e dos budistas, bem como no Antigo Testamento que, ainda que tendo dado a luz ao Cristianismo, é em verdade uma religião pré-cristã. (...) Existe uma severidade no Antigo Testamento que certas pessoas na Rússia estimam ausente no Novo Testamento. No entanto, esta ideia é aberrante, pois nosso Senhor Jesus jamais foi sentimental, sendo na maioria das vezes severo em Seus Mandamentos. Devemos ler os Evangelhos com óculos de rosa para não ouvirmos dizer: “Ai de vós escribas e fariseus!” ou “Afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno!” (Mt. 23 13, 25, 41). Isto não inspira sentimentalismo.

É claro, a ética cristã tem seus traços particulares. Mas se alguém do exterior chegasse e fizesse uma comparação da ética cristã com aquela, digamos, dos estóicos – por exemplo, Épicuro, Epicteto e outros Sêneco, que viviam na época dos Evangelhos – esta pessoa encontraria muitas aproximações com os Evangelhos – ainda que os filósofos gregos jamais os leram.

Então, ainda, por que o Cristianismo? Devemos admitir no fim das contas a ideia do pluralismo religioso? A ideia que Deus Se revela podemos conhecer em não importa qual forma de religião? Neste caso, podemos fazer seu luto da unicidade do Cristianismo; seu luto da fé cristã.

Mas, retornemos à questão central: parece-me que nada pode demonstrar o caráter único do Cristianismo com exceção de Jesus Cristo. Estou convencido de que todos os fundadores de grandes religiões nos falam em verdade. Lembremos o que disseram.

Buda disse ter atingido um estado de despojamento completo após longos e difíceis exercícios. Podemos crer nele? Sim, podemos. Era uma personalidade fora do comum e realizou isto com certeza.

Os filósofos gregos falam da dificuldade intelectual de atingir a ideia de Deus e do mundo espiritual. Isto é verdade. Ou então Maomé. Que dizia que diante de Deus sentia-se como um nada, que Deus o havia tomado e que diante de Deus ele não passava de um mosquito. Podemos crer nele? Mas é claro que sim!

Ou então: Somente dentre estes mestres, aquele que fala em seu próprio nome como Deus Ele-Próprio: “Mas Eu vou digo” (Mt. 5, 22) ou como está escrito em João: “Eu e o Pai somos Um” (Jo. 10., 30). Nenhum destes grandes mestres das religiões do mundo jamais disseram algo parecido. Esta é então a única ocasião na história em que Deus Se manifesta em toda Sua plenitude por uma pessoa real. É isto que encontramos nos Evangelhos.

Jesus, o predicador da moralidade – é um mito histórico. Não O teríamos crucificado somente por isto. Jesus, o Messias, auto-proclamado? Por que então não crucificamos Bar-Cochba, que também dizia ser o Messias? E existem muitos falsos Messias! O que tinha em Jesus que provocava tanto amor e tanta raiva? “Eu sou a porta”, dizia Ele, a porta à eternidade (cf. Jo. 10, 9). Parece-me que tudo que tem valor no Cristianismo o tem pelo fato de provir de Jesus Cristo. O que não é de Cristo poderia muito bem ter vindo do Islão ou do Budismo.

Cada religião é um caminho a Deus, uma especulação concernindo Deus, uma aproximação humana a Deus. É um vetor que se dirige ao alto. No entanto, o advento de Cristo é a resposta, um vetor vindo do alto em nossa direção. Por um lado, um acontecimento situado na história, por outro, algo que ultrapassa completamente a história. É a razão pela qual o Cristianismo é único, porque Cristo é único. Eis a minha resposta à questão.

MAKAROV: Pensemos agora aos auditores que numa encruzilhada se perguntarão: “E então, mas como verificar que Cristo era realmente aquilo que Ele dizia ser? Como posso ter a certeza de que a Bíblia diz a verdade? Como posso me situar face a diversas religiões? Qual será a minha resposta aos meus pais ateus ou aos meus professores ateus, o que direi aos devotos de Hare Krishna que dançam nas praças? Por que deveria vir a Cristo? Simplesmente porque o Padre Alexandre Men ou Mark Makarov ou alguém mais pensa que a Bíblia diz a verdade? Como posso saber se eles têm razão?

MIEN: Bom, no caso de uma pessoa que já tenha uma ideia do que é a religião, a minha resposta poderia muito bem vir a ser o quê disse: podemos acreditar em todas as religiões. Se cremos que Deus Se revelou a Maomé porque fazer uma exceção para o fundador do Cristianismo e rejeitar o que Ele disse? Se cremos que Deus Se revela, então Ele o faz de diferentes maneiras a todos e a cada um em particular. E eu creio que Deus está obrando em todos os grandes mestres e não existe possibilidade para dizer: “Mas rejeitamos este Jesus Cristo”. Não, eles são todos verdadeiros e isto quer dizer que Jesus diz a Verdade quando fala de Si-mesmo: “Eu e o Pai somos Um” (Jo. 10, 30).

No entanto, no caso de uma pessoa sem sensibilidade religiosa alguma, eu responderia então com as palavras do Evangelho – lembrai-vos do que os Discípulos disseram a Natanael: “Vem e vê” (Jo. 1, 46). Quer dizer, cabe a nós ver e sentir, experimentar (fazer a experiência). Os matemáticos não podem demonstrar a beleza da Nona Sinfonia de Beethoven ou de um grande quadro, ou da “Trindade” de Roublev. Devemos, primeiramente, ouvi-lo, vê-lo, encontrar interiormente – dessa mesma forma devemos buscar o Cristo e tentar encontrá-Lo. Sem este encontro, nenhum sistema de provas não poderá convencê-lo, o sistema permanecerá esquemático e sem vida. Cremos em Cristo não porque nos disseram que devemos crer, mas porque estas palavras nos convidam a “vir e descobrir”.

A fé vem ao receber a palavra, diz o Apóstolo Paulo. Lembrai-vos da reação dos samaritanos quando a mulher lhes diz: “Eis um homem que me disse tudo que tinha feito”. Eles estavam maravilhados, mas quando se dirigiram eles mesmos e que eles ouviram Jesus, então concluíram: “Agora compreendemos, não pelo fato de nos teres dito, mas por causa de nossa experiência pessoal” (Cf. Jo. 4, 42).

Eis a aproximação científica, verdadeiramente científica. É um fato que a ciência sem a experiência não pode avançar muito longe. No que concerne a crença religiosa, a experiência tem um papel enorme. Trata-se, todavia, de uma experiência interior, espiritual. Eis a realidade que os seres humanos devem fazer a experiência. Se queremos exprimir uma opinião sobre tal realidade sem ter tentado encontrá-la, só poderemos fundamentar nossa opinião sobre informações parciais. Só podemos ver Jesus com o coração, não podemos aprender cientificamente nada sobre Ele, por meios estritamente exteriores; o fato de Ele ter verdadeiramente existido, Seu meio e por ai vai... São questões importantes, mas secundárias à fé.

MAKAROV: O que dizer a estas pessoas – e elas são numerosas – que absorveram a educação atéia a tal ponto que ao nos escutar, elas pensam: “Seria muito bom que tudo fosse como você diz, mas é claro que todo mundo sabe que não existe Deus algum!”

MIEN: Eu penso ao contrário, todo mundo sabe precisamente o contrário. Como disse no início, o número de pessoas que deixaram a Deus e se viraram a adoração de ídolos demonstra que o mundo não pode existir sem Deus – incidentemente, Mao Tse-Tung compreendeu muito bem isto. Deus é ponto de partida de tudo. Os seres humanos vivem neste mundo somente porque creem num sentido do mundo. Albert Einstein disse que aquele que não crê no sentido da existência não está apto à vida. Logo, os ateus que dizem não crer no sentido da existência, nas profundezas de suas almas, em seus sub-conscientes, creem, mas enterram suas crenças sob outras etiquetas.

As pessoas têm sede de água porque isto é uma necessidade – é um fato objetivo. Eles têm necessidade de alimento – é um fato objetivo, como muitos outros – e não tem nada de imaginário. Se as pessoas sempre têm sede de encontrar um sentido superior à existência e venerar este sentido, de orientar suas vidas em função deste sentido, isto quer dizer que esta necessidade não é uma patologia, mas a condição normal da humanidade.

Quando olhamos para trás, vemos que sempre, ao longo dos séculos, Deus estava presente de uma forma ou de outra. Acabo de pensar no fundador do positivismo, Augusto Comte. Ele rejeitava os valores superiores, embora não de forma agressiva, e ele falava de Deus como qualquer coisa de desconhecível e ao sujeito do qual não podíamos dizer nada. Ele morre de joelhos diante de um altar, mas este altar era a poltrona onde se sentava a mulher que ele amava, que estava morta. Ele prodigalizava respeito e veneração a esta poltrona. Ele foi, incidentemente, o primeiro a propor a ideia e um templo dedicado à humanidade – o ‘grande ser’ – a parte da grandiosa na humanidade, que deveria ser venerada. Se examinamos a história de todas as pseudo-religiões, veremos então que este sentido do sublime é verdadeiramente inextinguível, essencial à humanidade. (...)

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