"Mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama..." Lc. 7, 47

ZIZIOULAS Metropolita Ioannis de Pérgamo
tradução de monja Rebeca (Pereira)



Meus amados, a graça de Deus nos reuniu a fim de que, este ano ainda, celebremos a santa comemoração de nosso inesquecível Staretz Sofrônio. Nós rogamos ao Senhor de tomá-lo na morada dos viventes, na comunhão dos Santos, lá onde a luz de Sua Pessoa reina, a Luz incriada, acerca da qual o Staretz nos instruiu por meio de sua palavra inspirada e pela sua própria vida. Nós pedimos igualmente ao Senhor de aceitar suas orações por nós e pelo mundo inteiro. O Staretz, de eterna memória, não deixou de orar pelo mundo inteiro, através de sua oração “hypostática”, a qual ele nos ensinou e que ele próprio praticava.

A perícope evangélica de hoje é consagrada à memória da venerável Megalomártir Eufêmia. Esta perícope é realmente muito remarcável e nos traz uma mensagem e um pensamento que nos reportam ao ensinamento de nosso inesquecível Staretz.

O Senhor foi convidado a jantar na casa de um fariseu, e lá aparece uma mulher conhecida por toda cidade, como uma pecadora. Ela se põe diante do Senhor, unge Seus pés com um perfume precioso, cobrindo-os de beijos, regando-os com suas lágrimas e os enxugando com seus cabelos; o quê não deixa de escandalizar o fariseu. “Se Este fora profeta, bem saberia que e qual é a mulher que Lhe tocou, pois é uma pecadora”. Um diálogo se estabelece, então, entre o fariseu e o Senhor, que nos aporta, meus irmãos, o que de mais comovente no Evangelho.

E respondendo o Senhor, diz-lhe: “Certo credor tinha dois devedores, um devia-lhe quinhentos dinheiros e outro cinquenta. E, não tendo eles com o que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual deles pois o amará mais?” Aquele que devia mais dinheiro, ou aquele que devia menos? Decerto, a resposta natural é: aquele que devia mais.

O Senhor volta-Se então para a mulher pecadora e diz ao justo fariseu que obedece às Leis e aos Profetas. “Vês tu esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; mas esta mos regou com lágrimas, beijou-os e mos enxugou com os seus cabelos. Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama”. Este ensinamento comovente do Senhor vai perturbar toda a civilização da época.

Para os gregos antigos, era impensável que pudéssemos amar um pecador, uma pessoa indigna de ser amada; o mesmo serve para os hebreus que seguiam o Mandamento: “Tu amarás o Senhor teu Deus e o teu próximo como a ti mesmo”. Tratava-se evidentemente de amar o justo e não o pecador. O Senhor vem e quebra toda a hierarquia dos valores que prevalecia e, penso eu, que prevalece até os dias de hoje em nossa maneira de pensar. O justo e o bom são dignos de serem amados, mas não o pecador. Pela primeira vez na história o Senhor derruba tudo isto e diz que amar o pecador é mais importante e mais considerável do que amar o justo e o bom. Por que então é assim? Experimentemos aprofundar um pouco este ensinamento do Senhor.

Primeiramente, tal como o próprio Senhor nos demonstrou, eis a maneira (divina) de amar de Deus, Ele próprio. É o amor de Deus que nos é manifesto na Pessoa do Cristo. Todo Evangelho, e particularmente a perícope que ouvimos, quer tornar evidente esta verdade comovente: Deus ama os pecadores e deu Sua própria vida por eles, Ele Se deu, Ele Próprio. Deus ama então os pecadores e nós nos perguntamos: Por que razão o amor de Deus é assim?

Uma primeira resposta à esta questão é que somente desta maneira que o amor de Deus se mostra livre. O amor é de rigor se amamos o justo ou aquele que não é digno de ser amado. Isto é lógico e evidente. Mas amar aquele que não é digno significa que nós o amamos livremente, sem nenhuma outra razão, sem nenhuma outra obrigação moral ou de justiça: este amor não deve nada.

Se nos perguntamos porque Deus ama os pecadores, nós diremos sem contradição alguma que não há resposta, mas que Deus simplesmente que amemos assim: de maneira livre. O amor pelos pecadores, o que também implica o amor pelos nossos próprios inimigos, é a expressão de uma grande verdade. O amor verdadeiro não é uma faculdade natural do homem. Ordinariamente, o homem só ama o que a sua natureza lhe diz (lhe dita) para amar.

Aqui, devemos discernir entre diversos tipos de amor: existe o amor pelos inimigos, existe o amor absolutamente livre e existe o amor que a nossa natureza nos dita. A mãe que ama seu filho o ama porque existe um laço natural entre eles: o instinto materno a guia na sua direção. Nossa natureza nos dita ainda outras sortes de amor: são amores “forçados”, por assim dizer, que não são livres. De outra parte, somente o amor pelos inimigos não é ditado pela natureza, mas antes procede da nossa natureza. Eis porque o amor pelos pecadores e pelos inimigos  é um amor que podemos chamar de “graça”: é um dom. Ele não é de forma alguma merecido. Se o amor da mãe pelo seu filho é natural, o amor de seu inimigo não o é. Se amamos o inimigo, que é pecador, lhe damos livremente deste amor, tal como Deus nos dá livremente do Seu. Ele nô-lo faz graça e dom. O Senhor deseja precisamente nos mostrar, através da Sua disposição para como os pecadores, que o seu amor para com cada um dentre nós não pode ser merecido. Nós devemos então, igualmente nos dar, uns aos outros, deste amor livre que recebemos como graça, deste amor que é absolutamente impossível justificar.

Outra razão pela qual o amor pelos pecadores é tão importante no Evangelho, é que todos os homens estão em estado de pecado. O Fariseu não podia compreender esta verdade. Ele tomou suas distâncias em relação à esta mulher pecadora, dizendo: “Eu não sou tão pecador”. É o seu grande erro. Deus ama os pecadores porque Ele ama todos os homens, e porque eles são todos pecadores, pouco importa a sorte e a gravidade do pecado. Cada pecado é um inimigo para Deus, cada pecado nos faz transgredir a vontade de Deus, e não existe ninguém que não tenha transgredido de uma maneira ou de outra a vontade de Deus. Em consequência, Deus vem dar Seu amor aos pecadores a fim de manifestar Seu amor a todos os homens e nos lembrar que não devemos considerar ninguém como mais pecador do que nós.

Uma última razão pela qual Deus ama os pecadores é que Ele quer nos mostrar que só o amor pode corrigir. Nós temos o hábito de ter esperança e esperar que os homens se tornem melhores se eles forem punidos. Eis um grande erro de nossa civilização: não chegamos a compreender que toda medida proveniente da Lei e da justiça não pode tornar o homem melhor. O Apóstolo Paulo diz que “corrigimos” nosso inimigo dando-lhe de comer e de beber (Rm.12,20), o que quer dizer, amando-o. Quando, tal como nos diz ainda o mesmo Apóstolo, nós retribuímos com amor, que “corrigimos” com amor, o outro vê diante dele o que significa o verdadeiro amor, a verdadeira santidade, e desta maneira ele muda.

Existem, então, muitas razões pelas quais o Evangelho apresenta como noção central, como mensagem central, o amor dos pecadores e dos inimigos. Isto consiste igualmente um dos eixos fundamentais do ensinamento do Staretz (Ancião, segundo a interpretação terminológica da língua portuguesa) Sofrônio. Nós todos o sabemos. É o ensinamento que ele recebeu de São Silvano, que ele desenvolveu, e que consiste em que somente o amor pelos inimigos nos faz participar à santidade de Deus.

O Ancião Sofrônio era tão sensível a este sujeito! O amor por todos , mesmo pelos pecadores, é a consequência da oração “hypostática” acerca da qual ele tanto gostava de falar, quer dizer a oração do Cristo sobre a Cruz. Ele Se oferece a Deus Pai no lugar de todos os homens, de todos os pecadores, e os apresenta a Deus, diante de Seu Pai. Da mesma maneira, nós somos também, chamados a não excluir ninguém do nosso amor e de nossa oração, sobretudo os nossos inimigos.

O Ancião Sofrônio comparava a existência humana à uma pirâmide que o Senhor veio a derrubar. Na vida humana, tal como ela é vivida após a queda, aqueles que se encontram no cimo desta pirâmide dominam aqueles que se encontram mais abaixo. O Senhor vem quebrar esta ordem e diz que aquele que quer ser o primeiro deve servir a todos os outros, o quer dizer que o cume da pirâmide deve se pôr sob os outros.

É exatamente o que o Senhor fez sobre a Sua Cruz, e eis porque o ensinamento do Ancião se harmoniza tanto com o Evangelho que hoje ouvimos. Este ensinamento introduz o espírito de amor pelos pecadores e os inimigos na vida espiritual do homem. Ele torna-se, como nos diz o Ancião, a medida com a qual podemos avaliar o nível da nossa vida espiritual. Quem ama os seus inimigos, quem ama os pecadores, ama e realiza o segundo mandamento: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt. 19, 19), o que significa amar o seu próximo como a si-mesmo? Isto significa que, mesmo que nós nos amemos a nós próprios, ainda que sejamos pecadores, da mesma maneira nós amamos realmente o nosso próximo, ainda que ele seja, também pecador.

Meus irmãos, o amor verdadeiro é algo de muito difícil. Nós temos o costume de pensar que ele é fácil, no entanto o amor verdadeiro não é fundamentado nem sobre a justiça, nem sobre a lógica ou a moral, pois é o amor dos inimigos e dos pecadores. Eis porque São Silvano diz, e o nosso Ancião tanto nos explicou, que é somente com esta medida que nós podemos medir o grau (nível) de nossa semelhança a Deus. É na medida em que amamos nossos inimigos e os pecadores que realizamos nossa semelhança a Deus Seu Filho, Ele que Se ofereceu, Ele Próprio, pelos pecadores. Não há, no entanto, outra via pela qual alguém passa tornar-se santo e participar à santidade de Deus, nós podemos possuir todas as virtudes do mundo, mas se não amamos os inimigos e os pecadores, estamos longe de sermos salvos.

Que este ensinamento, meus irmãos, permaneça gravado em nossos pensamentos, pois ele se encontra no Santo Evangelho, assim como no ensinamento do nosso inesquecível Ancião Sofrônio. Nós podemos então estar seguros de que com este ensinamento nós temos nas mãos uma bússola infalível para nos guiar no caminho da Salvação.


Que a oração do nosso Ancião, que ele continua a oferecer por nós, nos conduza a este amor, que não é submisso a nenhuma necessidade ou lógica, e que seguindo esta via nós nos tornemos dignos de encontrá-lo no Reino de Deus, onde o amor de Deus reina para sempre, eternamente. Amém.

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