Nosso Sacerdócio Real

PEREIRA monja Rebeca

“Porque todo o sumo-sacerdote, tomado dentre os homens é constituído a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados, e possa compadecer-se ternamente dos ignorantes e errados; pois também ele mesmo está rodeado de fraqueza. E por esta causa deve ele, tanto pelo povo, como também por si mesmo, fazer oferta pelos pecados.”
 Hb. 5, 1-3















Vemos aí a vocação sacerdotal na Igreja, ela é marcada pelo serviço e a intercessão do povo perante Deus. Tudo na Igreja tem o seu fundamento no Antigo Testamento, na Antiga Aliança, aliança esta selada entre Deus e os homens. O sacerdócio reflete o serviço de interceder pelo povo, por meio de ofertas, pela expiação dos pecados, pelas comemorações dos ciclos e das festas, pelos sacrifícios de suave aroma... todas aquelas leis e exigências descritas no Livro do Levítico (Terceiro Livro de Moisés). O Deus do Antigo Testamento é um Deus severo, Ele deve selar, marcar, educar, pedagogar o Seu Povo (eleito); Ele quer fazê-lo Seu; Ele lhe ensina como servir a Ele-Próprio. Primeiramente estabelece a relação com o homem por meio dos Patriarcas Abrãao, Isaac e Jacob. Ele pede obediência, fé, sacrifício, serviço, fidelidade, lealdade, dignidade, todos os atributos que fazem de nós homens de Deus, homens com Deus. Ele envia Profetas, estabelece Aarão como primeiro sacerdote, divide as tribos e dentre elas escolhe aquele que servirá, pelos séculos dos séculos, o Tabernáculo terrestre, a Tribo de Levi; Ele faz Sua morada dentre os homens, envia tábuas da Lei, prova a fidelidade do Seu Povo, castiga-o e ama-o, corrige-o, envia-lhes o alimento terrestre e celeste (prefigurando a Igreja, a comunhão, a eucaristia, a participação ao Corpo e Sangue do Filho e Verbo de Deus - a Sua Carne se mistura à nossa carne!), por meio de milagres vencem reis poderosos, converte a água em sangue, atravessam o Mar Vermelho a seco, conquistam a Terra Prometida, erguem um Tabernáculo, conhecem Reis, bem-aventurados justos exemplos. Este é o diálogo do Deus da Antiga Aliança. Ele pede com tamanha força este testemunho, ao homem é pedido o sangue, o sacrifício interno (e por tantas vezes também o externo).

Vemos nesta cronologia distante como um povo deve servir a Deus, como um sacerdote serve a Deus, como o povo serve um sacerdote, como um sacerdote serve um povo, para e por um povo: “Os sacerdotes levitas, toda a tribo de Levi, não terão parte nem herança em Israel: das ofertas, queimadas ao Senhor e da sua herança comerão. Pelo que não terá herança no meio de seus irmãos: o Senhor é  a sua herança, como lhe tem dito. Este será pois o direito dos sacerdotes, a receber do povo, dos que sacrificarem sacrifício, seja boi ou gado miúdo: que dará ao sacerdote a espádua, e as queixadas, e o bucho. Dar-lhe-ás as primícias do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e as primícias da tosquia das tua ovelhas. Porque o Senhor teu Deus o escolheu de todas as tuas tribos, para que assista a servir no Nome do Senhor, ele e seus filhos, todos os dias. E, quando vier um levita de alguma das tuas portas, de todo o teu Israel, onde habitar, e vier com todo o desejo da sua alma ao lugar que o Senhor escolheu. E servir no Nome do Senhor seu Deus, como também todos os seus irmãos, os levitas, que assistem ali perante o Senhor; Igual porção comerão, além das vendas do seu patrimônio” (Dt. 18, 1-8).

O sacerdócio de Melquisedeque é a figura do sacerdócio eterno de Cristo: Melquisedeque era rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, e que saiu ao encontro de Abraão quando ele regressava da matança dos reis, e o abençoou; a quem também Abraão deu o dízimo de tudo. Considerai pois quão grande era este, a quem até o Patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos. E os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a Lei, de tomar o dízimo do povo, isto é, de seus irmãos, ainda que tenham saído dos lombos de Abraão. (cF. Hb.7,1-2, 4-5).

É portanto assim ministrado a ordem do sacerdote. Cada qual têm sua parte: o povo oferece ao sacerdote, e o sacerdote que oferece (e intercede) a Deus pelo (em nome do) povo. Vemos aí a verdadeira noção do serviço, do serviço do homem, de todo homem que está em Igreja. Seja ele povo ou sacerdote, é-lhe pedido uma oferta, um sacrifício. O sentido de toda vida em Igreja se baseia nesta noção. A Igreja é o Corpo de Cristo que reúne em si todos nós, Ela é a nossa assembléia; não existe Igreja sem comunidade e não existe comunidade sem sacrifício.

É esta conexão de amor, humildade, disponibilidade, de santa “tolerância” e extrema (e talvez plena) liberdade que a Igreja pede a cada um de nós. O homem tem corpo e alma. Ele só vive porque e enquanto tem o sôpro da vida: a alma. E uma alma não sabe viver só, ela precisa, tem necessidade de amor e de amar, pois ela foi criada para ser eterna! Só pode amar aquele que tem a quem amar, só aquele que está em uma comunidade. E estando em uma comunidade, ele automaticamente aprende o que é sacrifício. “Não há amor lá onde não há sacrifício”- frase de um grande Hierarca e Santo de nossa época, Nikolai Velimirovitch. Aprendamos com a Cruz do Senhor que nos liberta de toda queda e paixão. Ele que Se entrega nas mãos dos judeus, Sua gente, Sua raça, e aceita ser crucificado por nós, e pelos nossos pecados, por todos os nossos pecados, pelos pecados de cada homem e de todos os homens. Ele, que não conheceu pecado! Quão grande amor é este sacrifício e quão grande certeza de imortalidade ele nos ensina. Só este amor é Verdade e Vida. Este Amor é o próprio Cristo. Que cada serviço, sacrifício e oferta seja fundado neste amor que nos garante a imortalidade, a Vida Eterna junto do Amor Eterno.

O homem, no entanto, precisa de parâmetros terrestres, palpáveis, visíveis, simples e concertos que o ajudem a concretizar este sacrifício, serviço. A Igreja, desde a sua fundação enquanto Templo terrestre, feita de pedra e Pedras (Pedro) – homens – por meio de sua sabedoria revela cada e todas as formas de fazer arder em cada coração a chama deste amor. A nós, basta-nos alimentá-lo por meio de nossos sacrifícios, serviços e ofertas pessoais e comunitários. Tantas simbologias, significados, e símbolos em tantos ofícios, comportamentos, organizações... mas, no entanto, tudo é plenamente selado na Verdade primária e fonte de todas as coisas. A Igreja nos ensina a servir nossos sacerdotes, ela nos ensina que cada oferta, seja ela uma oração, um coração contrito, seja ela um dízimo, uma garrafa de óleo para fazer arder as lamparinas, ou ainda a lágrima de uma alma angustiada, uma ação de graças, um simples gesto tal como aquele da viúva que deita dois óbulos na arca marca o nosso serviço, o nosso sacrifício, a nossa oferenda.

Não há fórmula, nem limite para este amor que se sacrifica porque serve. A oração é justamente esta oferta, é ela o ato de ofertar, de dispôr-se a dar (-se). Enquanto a Igreja, Casa de Oração, é o local concreto (não espaço nem geográfico, antes a assembléia) onde dirigimos esta oferta. Esta relação com o Tabernáculo do Antigo Testamento e a Igreja do tempo que se chama hoje marca a dinâmica da nossa fé, porque inabalável no decorrer da eras, gerações e épocas. Só a liberdade que a Espírito Santo faz insuflar nos filhos de Deus pode tornar sempre possível nossa Igreja viva, plena e sempre a mesma (em essência). Falo de liberdade porque só pode servir aquele que é livre, aquele que livremente escolhe o serviço, que quer servir, que quer oferecer, que quer se sacrificar, que quer dar a vida pelo próximo, que quer amar; que quer a imortalidade. E porque ele quer, ele luta por isso... ele combate.

A vida espiritual do homem é um combate e uma conquista. É-lhe necessário sempre lutar pelo que ele assume, pela palavra que ele dá, pela vocação que ele escolhe, pelo amor ao próximo, pela ressurreição dentre os seus pecados. Amor também é combate, é-nos preciso lutar pelo que amamos, e é nesta medida que alcançamos a graça de tudo suportar e de querer se sacrificar por todos.

Importante é realizar que dispôr-se a orar é em verdade oferecer, fazer uma oferta, uma oferenda; e a Igreja é o local onde concretizamos este ato de amor. Seria estranho limitar a oração a um rosário bem rezado ou a um tropário bem entoado, um oficio de vigília ou até mesmo se restringir a Sagrada Liturgia. Liturgia é algo de supremo, algo de pleno; ela é oração por excelência, exemplo de sacrifício, de oferta, de sacerdócio, de amor divino, de ação de graças. O quê não quer dizer que a recíproca seja verdadeira: que orar é somente estar em Liturgia. Orar é dispôr-se a oferecer, a ofertar, a se sacrificar. E é na oração comunitária que aprendemos toda plenitude do Povo de Deus, porque vivemos pela prática este convite à santidade que a Igreja faz a cada um de nós, comunitária, pessoal e hierarquicamente. Sirvamos pois à Igreja, à sua Hierarquia, aos santos Bispos e clérigos, às ordens monásticas, aos fiéis irmãos nossos aqui hoje presentes e àqueles que já partiram antes de nós. Estejamos em comunhão de Igreja com toda a Criação. Ser cristão é ser sacerdote, porque Cruz é servir.

“E assim, todo o sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar os pecados; mas Este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os Seus inimigos sejam postos por escabelo de Seus pés. Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados. E também o Espírito Santo no-lo testifica, porque depois de haver dito: Este é o concerto que farei com eles depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei as Minhas Leis em seus corações e as escreverei em seus entendimentos; acrescenta: E jamais Me lembrarei de seus pecados e de suas iniquidades. Ora, onde há remissão destes, não há mais oblação pelo pecado. Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela Sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa. Retenhamos firmes a confissão da nossa esperança; porque fiel é o que prometeu”. – Hb. 10, 11-23.

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