SOBRE A ENCARNAÇÃO DE JESUS CRISTO


WARE Kallistos 
traducao de monja Rebeca (Pereira)



...se não houvesse acontecido a queda, o que teria acontecido? Se o homem não tivesse jamais pecado, teria Deus, ainda assim, escolhido tornar-Se homem? Deve a encarnação ser considerada simplesmente como uma resposta à situação lamentável do homem decaído ou, de alguma maneira, serve aos propósitos externos de Deus? Não deveríamos olhar para além da queda e ver no Deus feito homem a realização do verdadeiro destino do homem? Visto nossa situação atual, não estamos à altura de dar uma resposta definitiva a essas perguntas e a essa hipótese. Vendo as conseqüências da queda, não podemos imaginar claramente qual teria sido a relação de Deus com a humanidade se não houvesse acontecido a queda. Os escritores cristãos, em geral, têm preferido limitar suas discussões sobre a encarnação ao contexto da queda do homem. Alguns - tais como Santo Isaac o Sírio, e São Máximo o Confessor, arriscaram-se a encarar essas coisas numa perspectiva mais ampla. A encarnação, diz-nos Santo Isaac, é o acontecimento mais feliz e o mais alegre que a raça humana jamais conheceu. Porque, então, dar como causa para esse feliz acontecimento, um fato que poderia não ter acontecido, e que com certeza não deveria ter acontecido jamais? Não seria injusto? Santo Isaac apressa-se: vejamos o fato de que Deus tenha Se revestido de nossa condição humana não somente um ato de “restauração”, não somente uma resposta  ao pecado do homem, mas também - e fundamentalmente - um ato de amor. Mesmo que não tivesse havido a queda, Deus, e Seu amor transbordante e sem limites, teria escolhido identificar-Se com Sua criação fazendo-Se homem.

Vista sob este ângulo, a encarnação de Jesus Cristo representa bem mais do que uma redenção da queda, bem mais do que a restauração do homem ao seu estado original no Paraíso. Quando Deus faz-Se homem, é o começo de uma era fundamentalmente nova na história do homem e não um simples retorno ao passado. A encarnação faz o homem passar para um novo registro, a um estado mais elevado do que o primeiro. Não é senão em Jesus Cristo que vemos reveladas as plenas possibilidades de nossa natureza humana. Até que Ele nascesse, nós ignorávamos ainda o verdadeiro sentido de nossa condição. O nascimento de Cristo, dizia S. Basílio, “é o aniversário de toda a raça humana”. Cristo é  o primeiro homem perfeito. Perfeito não unicamente no sentido potencial, como Adão em sua inocência antes da queda, mas no sentido da “semelhança” totalmente realizada. A encarnação, então, não é somente um antídoto contra os efeitos do pecado original, mas uma etapa essencial da viagem do homem indo da imagem divina para a semelhança divina. A verdadeira imagem e semelhança de Deus é o próprio Cristo. Eis porque desde o primeiro momento da criação do homem à imagem de Deus, a encarnação de Cristo esteve mais ou menos subjacente. A verdadeira razão da encarnação não repousaria, então, na condição pecadora do homem, mas em sua natureza não decaída, enquanto ser criado à imagem divina e capaz de entrar em união com Deus.

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