Ortodoxia eclesial e civilização ocidental hoje
YANNARAS Christos
tradução de monja
Rebeca (Pereira)
Um
olhar histórico para as condições nas quais se realizou a ocidentalização dos
países do Oriente ortodoxo, começando pela alteração da
consciência cultural grega depois da fundação do Estado moderno na Grécia sob o modelo da fundação da Rússia de Pedro, o Grande, no
século XVIII , permitiria evidenciar os maiores problemas que estão conectados
com a interpretação, com a presença e com o testemunho da Ortodoxia eclesial nos nossos dias.
A
distinção entre Ortodoxia e Ocidente não é mais facilmente discernível, não é mais
evidente. O Ocidente, que não tem mais fronteiras geográficas, está por toda
parte e representa na história a primeira civilização de dimensões realmente planetárias.
E civilização significa: pressupostos teóricos concretos de ordem ideológica ou
dogmática, que se traduzem conscientemente ou não em uma atitude de vida, em um
modo de vida cotidiana.
Hoje,
mesmo nos países chamados ortodoxos, a civilização é "ocidental", o
modo de vida cotidiano lança suas raízes na sua elaboração histórica, na
metafísica ocidental, que remonta a Santo Tomás de Aquino e Agostinho. Assim, a Ortodoxia parece se
limitar apenas a convicções pessoais, incapazes de influenciar a práxis da
vida, a encarnação histórica da verdade. A Ortodoxia se transforma em um
ensinamento abstrato, em um dogma desencarnado, em uma manutenção de formas
culturais e exteriores.
Mas,
mesmo que se trate de dados "objetivos" que especificam o problema, a
realidade da vida certamente não se esgota na fenomenologia dos sintomas. É
certo que a dinâmica da verdade eclesial pode permanecer à espera e aOrtodoxia pode permanecer em silêncio por muitas
décadas, até mesmo séculos. Mas a ausência de uma dinâmica histórica concreta,
a ausência de um testemunho atual da Ortodoxia que seja encarnado em uma
realização cultural concreta não significa a morte do gérmen da verdade
eclesial, nem a secagem da seiva que dela brota. Em algum lugar, a vida está em
secreta gestação, e, um dia, a semente enterrada levantará a rocha que a
sufoca.
Daqui
em diante, para a geração dos ortodoxos de hoje, há uma questão central à qual
o estudo e a vida devem ser consagrados: o debate entre Ortodoxia eclesial e a civilização ocidental, a análise
e a exploração das múltiplas extensões desse confronto. Enfim e principalmente,
devemos viver esse debate com um espírito humilde e crucificado, e procurar uma
solução encarnada nas manifestações hipostáticas vivas que são as pessoas dos
santos. Não nos esqueçamos de que o critério da Ortodoxia é a catolicidade
eclesial e que a medida da catolicidade é a realização dos dons da vida na
pessoa dos santos.
O
confronto entre a Ortodoxia e o Ocidente não é uma questão de antagonismos teóricos e
abstratos, nem o lugar de uma contestação histórica entre instituições. Por
isso, ele não pode ser evitado simplesmente com esforços fraternos de
reconciliação empreendidos pelas Igrejas cristãs divididas. As diferenças
teológicas em si não importam em primeiro lugar, mas sim as suas consequências
diretas sobre a vida e sobre a práxis histórica. A consciência ortodoxa deve ao
menos responder ao desafio do ateísmo e do niilismo ocidentais, que
literalmente varreram – e não por acaso – a cristandade que o Ocidente havia
feito uma "religião".
A
crítica da religião exercida pelo século das Luzes e pelo
liberalismo, pelo marxismo, pelo freudismo, pelo existencialismo ateu, pelo
agnosticismo científico, que parece ser de uma precisão implacável, parece ser
historicamente justificada. A questão então é: quais respostas de vida e qual
dinâmica de vida a consciência eclesial ortodoxa pode opor a essa crítica?
O
confronto parece ser terrivelmente ímpar: opõem-se, de um lado, as rígidas
estruturas de uma civilização que se impõe de modo onipotente sobre a
organização da vida humana; de outro, a consciência ortodoxa que se conserva a
muito custo na experiência litúrgica e no discurso teológico. Trata-se
verdadeiramente do "grão de trigo" enterrado que se decompõe debaixo
da terra: eis o que é a Ortodoxia hoje. Mas
essa morte constitui a esperança e a fé dos ortodoxos. O problema do testemunho
ortodoxo hoje é um problema de discernimento entre a morte vivificante do
"grão de trigo" e a corrupção sem esperança e sem saída que corrói abertamente
as estruturas da civilização da heresia.
Hoje,
o impasse da civilização ocidental não é mais de caráter teórico. Ela se revela
através da angústia e do absurdo do modo de vida cotidiano. Essa civilização do
"equilíbrio do terror", dos programas racionais que devem garantir a
"felicidade geral", essa civilização dos resíduos tóxicos, do
endividamento provocado pelo espírito consumista e pela subserviência da
existência humana às ideologias totalitárias chegou a ameaçar a vida, em escala
universal.
No
entanto, no coração dessa morte, a Igreja continua esperando pela ressurreição
dos mortos. Enquanto a tradição litúrgica ortodoxa é salvaguardada e
"funciona", mesmo que escondida em paróquias ou dioceses
desconhecidas, e enquanto o testemunho teológico se articula em torno do modo
de vida preservado pelo culto, uma cultura situada nos antípodas da civilização
ocidental sobrevive secretamente, e uma palavra universal, capaz de salvar o
ser humano, está se preparando com força.
fonte: http://www.ihu.unisinos.br/
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O
teólogo ortodoxo grego Christos Yannaras recebeu na Bréscia, Itália, no Centro Paolo VI, no dia
16 de junho de 2013, o Prêmio Internacional de
Filosofia/Filosofi lungo l'Oglio. O teólogo grego foi membro do comitê
de direção daRevista Internacional de Teologia Concilium, publicada pela
editoria Queriniana. É também um dos autores do catálogo da Queriniana com o
livro La
fede dell’esperienza ecclesiale. Introduzione alla teologia ortodossa (GDT
217), cujo título original é Ἀλφαβητάρι τῆς πίστης (Atenas, 1983). Ele é também um representante da teologia internacional
e, por isso, foi incluído na Antologia
del Novecento Teologico: apresentamos abaixo o texto inserido nessa
antologia.
Yannaras é filósofo e teólogo ortodoxo, professor emérito da Universidade Panteion de Ciências Sociais e Políticas, de Atenas, na Grécia, onde ministrou
um curso de apresentação da Ortodoxia no seu confronto com o Ocidente, que teve um grande sucesso em termos de
participantes e editorial no texto das suas palestras atenienses, publicado com
o título Abbecedario
della fede (1983).
Como escreveu o
prefaciador, Michel Stravou, da tradução francesa e
italiana, publicada sob o título La
fede dell’esperienza ecclesiale, para o teólogo neo-helênico,
"o termo 'Ocidente' não tem um significado
estritamente geográfico, mas designa a civilização moderna, que se impôs ao
mundo inteiro a partir da Europa ocidental"; e "o termo 'ortodoxo'
não é usado em sentido confessional restrito, mas sim no sentido de uma
referência constante à fé universal, 'católica', da Igreja indivisa. [...] Yannaras considera que uma verdadeira contribuição ao
esforço de reconciliação das Igrejas consistiria em trabalhar para fazer
emergir essa ortodoxia que se revela como uma ortopráxis através das pessoas
dos santos, dos sacramentos e da arte litúrgica, sinais da 'verdadeira
vida'".
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