Criando-os corretamente - Conselhos sobre a formação de crianças (parte 2)

 SÃO TEÓFANO, O RECLUSO



O Cristão Adulto

É possível descrever os sentimentos e inclinações que um Cristão deve ter, mas isso está muito longe de ser tudo que é necessário para o direcionamento de alguém para a salvação! A coisa realmente importante para nós é uma vida real no espírito de Cristo. Porém, simplesmente menciona-se isso e quantas perplexidades afloram, quantas orientações são necessárias como resultado, quase a cada passo!


É verdade que se pode saber o objetivo final do homem: Comunhão com Deus. E pode-se descrever o caminho para isso: Fé, andar de acordo com os mandamentos, com a ajuda da graça divina. Precisa-se somente dizer em adição: Aqui está o caminho; comece a andar!


Isso é dito facilmente, mas como fazê-lo? Para a maioria, o verdadeiro desejo de andar, está faltando. A alma, atraída por uma outra paixão, repele, teimosamente, qualquer força compelidora e qualquer chamado! Os olhos desviam-se de Deus e não querem olhar para Ele. A lei de Cristo não vai de acordo com o gosto de alguém. Não há disposição sequer para ouvi-la.


Pode-se perguntar: Como alguém atinge o ponto no qual o desejo de andar para Deus, no caminho de Cristo, nasce? Que faz alguém para que essa lei imprima-se no coração, e agindo de acordo com essa lei, aja como de si próprio, não coagido, como se essa lei não estivesse simplesmente nele, mas sim como se procedesse dele mesmo?


Suponha que alguém virou-se para Deus. Suponha que esse alguém chegue a amar Sua lei. É isso o verdadeiro dirigir-se para Deus, o verdadeiro andar no caminho da lei de Cristo? Ter-se-á sucesso somente porque desejamos que assim seja? Não. Além de desejo, deve-se ter a força e o conhecimento para agir. Deve-se ter sabedoria ativa.


Qualquer um que entre no verdadeiro caminho de agradar a Deus, ou quem comece com a ajuda da graça, a empenhar-se na direção de Deus no caminho da lei de Cristo, será, inevitavelmente, ameaçado pelo perigo de perder o rumo nas encruzilhadas. De perder-se e perecer, imaginando-se salvo. Essas encruzilhadas são inevitáveis por conta das inclinações pecaminosas e da desordem das faculdades presentes no ser humano decaído, e que são capazes de apresentar as coisas sob uma falsa luz, para lograr e destruir o homem.


A isso é acrescentada a adulação de Satã, que é resistente a separar-se de suas vítimas. Quando vê alguém de seus domínios ir para a luz de Cristo, persegue-o e coloca armadilhas de todos os tipos para recapturá-lo. Muitas vezes, de fato, consegue!


Conseqüentemente, é necessário para alguém que já tem o desejo de andar no caminho do Senhor, que lhe sejam mostrados todos os desvios possíveis nesse caminho, de maneira que o viajante, sendo antecipadamente prevenido, tenha a possibilidade de ver os perigos que possam ser encontrados, e saiba como evitá-los.


Essas considerações gerais, inevitáveis para todos os que estão no caminho da salvação, tornam indispensáveis certas regras orientadoras da vida cristã. Por essas regras, pode ser determinado como obter-se o desejo salvífico da comunhão com Deus e o zelo para manter esse desejo. Como alcançar Deus sem infortúnio no meio de todas as encruzilhadas que, nesse caminho, podem ser encontradas a cada passo. Em outras palavras, como começar a viver a vida Cristã, e, tendo começado, como aperfeiçoar-se nela.


A semeadura e desenvolvimento da vida Cristã, são diferentes da semeadura e desenvolvimento da vida natural, devido ao caráter especial da vida Cristã e suas relações com nossa natureza. Um homem não nasce Cristão, mas torna-se Cristão depois do nascimento. A semente de Cristo cai no solo de um coração que já está batendo.


O homem como nascido naturalmente, é machucado e hostilizado pelas exigências do Cristianismo. O começo de uma vida verdadeiramente Cristã em um homem é como um descanso, uma recreação, a aquisição de novas forças de uma nova vida, enquanto que, por exemplo, numa planta, o início da vida é o surgimento de um broto na semente; um despertar daquilo que parece ser forças dormentes.


Além disso, suponha-se que o Cristianismo é recebido como uma lei, em que é tomada uma resolução de viver-se uma vida Cristã. Essa semente de vida (a resolução) não é circundada num homem por elementos a ele favoráveis. Além disso, o homem todo, seu corpo e sua alma, permanece inadaptado à nova vida, insubmisso ao jugo de Cristo. Assim, desse momento em diante, começa no homem uma labuta suarenta, um trabalho para educar todo o seu ser, todas as suas faculdades, de acordo com os padrões Cristãos.


É por isso que, enquanto nas plantas, o crescimento é o desenvolvimento gradual de faculdades, de maneira fácil e inconstrita, num Cristão é uma guerra consigo próprio, envolvendo muito trabalho, intenso e doloroso. O Cristão tem que dispor suas faculdades direcionadas, a algo para o qual não tem inclinação. Como um soldado, deve tomar cada palmo de solo, mesmo do seu próprio, e dos seus inimigos, por meio de batalhas, com a espada de duplo fio, forçando-se e opondo-se a si mesmo.


Finalmente, depois de longa labuta e exortações, os princípios Cristãos surgem vitoriosos, reinando sem oposição. Penetram na composição completa da natureza humana, dela deslocando demandas e inclinações hostis a eles próprios. Colocando-a num estado de impassividade e pureza, fazendo-a merecedora da bem aventurança dos puros de coração: Ver Deus neles próprios na mais sincera comunhão com Ele.


Tal é o lugar em nós da vida Cristã. Essa vida tem três estágios que podem ser chamados de:

1. Virar-se para Deus.

2. Purificação ou auto-correção.

3. Santificação.


No primeiro estágio, o homem vira-se das trevas para a luz, do domínio de Satã para Deus. No segundo, limpa a câmara de seu coração de toda impureza, de maneira a receber Cristo, o Senhor que está vindo para ele. No terceiro, o Senhor vem, toma Sua habitação no seu coração e comunga com ele. Esse é o estado da bem aventurada comunhão com Deus; objetivo de todos os trabalhos e esforços ascéticos.

 

Como Começa a Vida Cristã em Nós

Devemos tornar claro, para nós mesmos, quando e como a verdadeira vida Cristã começa, de modo a vermos se temos dentro de nós o início dessa vida. Se não a temos, devemos aprender como iniciá-la, já que isso depende de nós.


Ainda não é um sinal decisivo da verdadeira vida em Cristo, se alguém se chama de Cristão e pertence à Igreja de Cristo. "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no Reino dos Céus" "...porque nem todos os que são de Israel são israelitas" (Mt. 7:21; Rm. 9:6). Alguém pode ser contado entre os Cristãos e não ser Cristão. Isso é sabido por todos.


Há um momento, e é um momento muito notável, que é marcado profundamente no curso de nossa vida, quando uma pessoa começa a viver de maneira Cristã. Esse é o momento quando começa a estar presente na pessoa as características distintivas da vida Cristã. Vida Cristã é zelo e força para permanecer em comunhão com Deus, por meio de ativo atendimento de Sua santa vontade, de acordo com nossa fé em nosso Senhor Jesus Cristo e com auxílio da graça de Deus, para a glória de Seu santíssimo nome.


A essência da vida Cristã consiste em comunhão com Deus, em nosso Senhor Jesus Cristo, em uma comunhão com Deus que usualmente no início, está escondido não só dos outros, mas de nós próprios. O testemunho desta vida que é visível, ou pode ser sentida em nós, é o ardor do zelo ativo em agradar só a Deus de uma maneira Cristã, com total sacrifício e ódio de tudo aquilo que se opõe a isso. Assim, quando esse zelo ardoroso começar, a vida Cristã terá o seu começo. A pessoa, na qual esse ardor é constantemente ativo, é uma pessoa que está vivendo de maneira Cristã.


Nesse ponto, devemos fazer uma pausa e prestar mais atenção nessa característica distintiva.


"Vim lançar fogo na terra," diz o Salvador, "e que mais quero, se já está aceso?" (Lc. 12:49). Ele aqui está falando da vida Cristã, e diz isso porque o testemunho visível dessa vida é o zelo por agradar a Deus que está no coração pelo espírito de Deus. Isso é como fogo, porque, como este devora o material no qual se propaga, assim também o zelo pela vida em Cristo, devora a alma que o recebe. Da mesma forma que, durante o período do incêndio, as chamas tomam conta de todo o edifício, também o fogo do zelo, uma vez recebido, abarca e preenche todo o ser de um homem.


Em outra passagem, o Senhor diz, "... cada um será salgado com fogo" (Mc. 9:49). Essa é também uma indicação do fogo do espírito que, em seu zelo, penetra todo nosso ser. Assim como sal, penetrando em matéria decomponível, preserva a mesma de ser decomposta, também o espírito do zelo, penetrando todo nosso ser, bane o pecado que corrompe nossa natureza, tanto no corpo como na alma. Bane o pecado, mesmo dos últimos lugares onde estava instalado em nós, salvando-nos assim do vício moral e da corrupção.


O apóstolo Paulo comanda: "não extingais o espírito (1Ts. 5:19) e não sejais vagarosos no cuidado: sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor (Rm. 12:11). Comanda isso para todos os Cristãos, de modo que possamos nos lembrar que o fervor do espírito, ou empenho ativo, é um atributo inseparável da vida Cristã.


Em outra passagem, o Apóstolo fala de si próprio assim: "... esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp.3:13-14). E para outros ele diz: "correi de tal maneira que o alcanceis" (1Co. 9:24).

Isso significa que, na vida Cristã, o resultado do fervor do zelo é uma certa rapidez e vivacidade de espírito, com as quais as pessoas executam as obras agradáveis a Deus, desconsiderando-se, forçando-se e, voluntariamente, oferecendo como um sacrifício para Deus, todos os tipos de trabalhos, sem poupar-se.


Tendo um embasamento sólido em tal entendimento, pode-se facilmente concluir que um atendimento frio das regras da Igreja, como a rotina nos negócios, que é estabelecida pela nossa mente calculadora, ou como comportamento correto e digno e honestidade de conduta, não são indicadores de que a verdadeira vida Cristã esteja presente em nós.


Tudo isso é bom; porém, como não carrega em si o espírito de vida em Cristo Jesus, não tem absolutamente nenhum valor perante Deus. Essa coisas são então como as estátuas sem alma. Bons relógios também funcionam bem, mas quem dirá que existe vida neles? Dá-se o mesmo com o comportamento humano. "Eu sei as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto" (Ap.3:1).


Essa boa ordem na conduta de alguém pode, mais do que qualquer outra coisa, conduzir esse alguém ao logro. Seu verdadeiro significado (da boa ordem da conduta) depende da disposição interna desse alguém, pela qual é possível que existam desvios significativos das reais justiça e retidão, nos atos justos e retos praticados.


Assim, enquanto refreando-se externamente de atos pecaminosos, pode-se ter uma atração por eles, ou um gosto vindo deles no coração. Igualmente, praticando-se atos de justiça externamente, pode-se não ter nesses atos o coração. Só o zelo verdadeiro quer ao mesmo tempo, em que faz o bem, em sua totalidade e pureza, perseguir o pecado em suas menores formas. Procura o bem como seu pão cotidiano e combate o pecado como a um inimigo mortal.


Um inimigo odeia o inimigo não só pessoalmente, mas também seus parentes e amigos, seus pertences, sua cor favorita e qualquer coisa em geral que possa lembrá-lo. Assim também, o zelo verdadeiro em agradar a Deus persegue o pecado em suas menores lembranças ou marcas, em sua zelosidade pela pureza perfeita. Se isso não está presente, quanta impureza pode esconder-se no coração!


Zelo

Que sucesso se pode esperar quando não existe um zelo entusiástico pelo agradar Deus de maneira Cristã? Se surge algo que não dê trabalho, está-se pronto para fazê-lo; mas assim que um pequeno trabalho extra é exigido, ou então algum tipo de auto-sacrifício, imediatamente recusa-se, porque se é incapaz de fazê-lo. Portanto, não existe nada em que se possa confiar naquilo que move alguém para bons atos: a autocomiseração minará todas as fundações. E se qualquer outro motivo, além do já mencionado, surgir como causa dos bons atos, ele tornará esses atos, malignos.


Aqueles que expiavam por Moisés pouparam-se, porque tiveram medo. Os mártires, voluntariamente, foram para a morte porque estavam abrasados por um fogo interior. Um zeloso verdadeiro não faz só o que está de acordo com a lei, mas também o que foi aconselhado, seguindo cada boa sugestão que tenha sido impressa secretamente em sua alma. Faz não só aquilo que lhe foi dado fazer, mas age também como adquiridor de coisas boas. Está inteiramente envolvido com a única coisa boa que é sólida, verdadeira e eterna.


São João Crisóstomo diz: "Devemos ter fervor e muito fogo na alma em todo e qualquer lugar, preparado para estar armado contra a própria morte. De outro modo, é impossível receber o reino" (Homilia 31 sobre os Atos dos Apóstolos).


O trabalho de piedade e comunhão com Deus é um trabalho muito árduo e de muita dor, especialmente no início. Onde podemos achar força para suportar todos esses esforços? Com a ajuda da graça de Deus, podemos achá-la no zelo profundamente sentido.


Um comerciante, um soldado, um juíz ou um estudante têm trabalhos a fazer, os quais são cheios de cuidados e dificuldades. Como eles se sustentam no meio de seus trabalhos? Por entusiasmo e amor pelos seus trabalhos. Também, da mesma forma, não é possível sustentar-se com nada diferente no caminho da piedade. Sem entusiasmo e amor, estamos servindo a Deus num estado de morosidade, aborrecimento e falta de interesse.. Um animal, como a preguiça, também se move, mas com dificuldade, enquanto que para a veloz gazela ou para o ágil esquilo, o mover-se e movimentar-se é prazeroso. O zelo no agradar a Deus é o caminho para Deus que é cheio de consolações e que dá asas ao espírito. Sem zelo pode-se arruinar tudo.


Deve-se fazer de tudo para a glória de Deus, desafiando o pecado que habita em nós. Se não for assim, faremos tudo somente por hábito, porque parece "próprio," porque é assim que sempre foi feito, ou porque é do jeito que os outros fazem. Devemos fazer tudo que podemos, do contrário faremos algumas coisas e negligenciaremos outras, isso sem contrição nenhuma, ou mesmo sem nem ter consciência do que omitimos. Devemos fazer tudo com atenção e cuidado, como se todas fossem nossa tarefa principal. Do contrário, faremos tudo simplesmente como ocorrer.


Assim, está claro que, sem zelo, um Cristão é um pobre Cristão. É entorpercido, fraco, sem vida, nem quente nem frio, e esse tipo de vida, não é vida em hipótese alguma. Sabendo disso, empenhemo-nos em manifestarmo-nos como verdadeiros zeladores dos atos bons, de modo que estejamos de fato agradando a Deus, sem manchas nem máculas, ou qualquer outra dessas coisas.

Portanto, um testemunho verdadeiro da vida Cristã é o fogo do zelo ativo pelo agradar a Deus. Chega-se agora à questão: Como esse fogo é aceso? Quem o produz?


Esse zelo é produzido pela ação da graça. No entanto, não ocorre sem a participação de nossa vontade livre. A vida Cristã não é vida natural. Esse deveria ser o modo pelo qual a vida começa: como numa semente, o crescimento se inicia quando os nutrientes e o calor penetram no broto que está escondido dentro dela. Assim, a força de vida restauradora aparece. Do mesmo modo, também em nós, a vida Divina começa quando o Espírito de Deus penetra no coração e estabelece lá o início de vida de acordo com o Espírito. Limpa e junta, em um só, todos os traços obscurecidos e quebrados da imagem de Deus.


Um desejo e uma busca livre surgem (por uma ação de fora); então a graça desce (através dos Mistérios) e, unindo-se com nossa liberdade, produz um zelo poderoso. Mas não permitamos que ninguém pense que pode ele próprio dar nascimento a tal poder de vida. Deve-se orar por isso e estar pronto para recebê-lo. O fogo do zelo com força, isso é a graça do Senhor. O Espírito de Deus, descendo no coração, começa a agir nele com zelo que é, ao mesmo tempo, consumidor e totalmente ativo.


Para alguns aparecem os pensamentos: é necessário existir essa ação da graça? Não podemos, realmente, praticar bons atos por nós próprios? Afinal de contas, praticamos esse ou aquele bom ato, e se vivermos mais, praticaremos mais alguns. É, talvez, muito rara a pessoa que não levante questões como essas. Já outros dizem que, por nós próprios, não podemos fazer nada de bom. O que se trata aqui, não é só a questão de bons atos isolados, mas de dar renascimento a nossa vida completa, para uma nova vida, para a vida na sua integralidade, para uma vida que pode conduzir à salvação.


De fato, não é difícil fazer-se algo, que é até mesmo muito bom, como os pagãos também o fazem. Deixemos que alguém, intencionalmente, defina para si próprio o rumo de fazer o bem continuadamente, e que defina a ordem desse caminho, segundo o que é indicado nas palavras de Deus, e que não seja só por um mês ou por um ano, mas pela sua vida toda, e coloque como regra permanecer nessa ordem sem flutuações. Então, se ele permanecer fiel a isso, permitamos que se gabe de sua força. Caso contrário, é melhor que cale sua boca.


Quantos casos existiram no passado e no presente de um autoconfiante começo e construção de uma vida Cristã! E todos terminaram e continuam terminando em nada.


O homem constrói um pouco de sua nova ordem de vida, e joga isso fora. Como poderia ser diferente? Não há força. É característico somente da força eterna de Deus sustentar-nos imutáveis em nossa disposição, no meio das incessantes ondas das mudanças temporais. Por isso, devemos ser preenchidos com abundância com essa força. Devemos pedir por ela e recebê-la em ordem, e ela nos levantará e nos retirará da grande agitação da vida temporal.

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