CATEQUESES DO METROPOLITA HILARION (ALFEYEV) - PARTE VI

ALFEYEV, Metropolita Hilarion
tradução de monja Rebeca (Pereira)



O universo
O mundo visível, segundo a Bíblia, foi criado por Deus em seis dias (Gn.1). Como entender estes “dias”? É difícil pensar que se tratam de seis dias ordinários, não seria porque o dia depende do sol e este aparece somente no quarto dia. Na linguagem bíblica a palavra “dia”, como remarcada acima, designa um intervalo de tempo que pode ser de uma longa jornada.

As primeiras palavras da Bíblia são “no princípio”, Deus criou o tempo, mas o “princípio”do tempo, como diz São Basílio não é ainda o tempo em si mesmo. O princípio é este primeiro e curto instante que une a vida criada à eternidade, pois que a partir do momento em que o tempo começa a decorrer, o universo deveria se submeter a suas leis, segundo as quais o passado não é mais, nem ainda o porvir e o presente é uma duração insaciável, fugindo sempre, que assim que começa já termina. E eis que o tempo aparece simultaneamente com o universo, esta curta duração do “princípio”, quando o tempo não era ainda e o universo ia ainda tomar nascimento, é como o penhor que a existência criada uniu-se a eternidade, e virá um dia onde, sua história uma vez atingiu seu deslace, reintegrará a eternidade. Pois a eternidade está ausente do tempo, e fora do tempo só pode existir para além do ser ou o não-ser. O universo, elaborado pela palavra criadora de Deus do não-ser ao ser, não desaparecerá no fim dos tempos, nem se escurecerá no nada, mas se unirá para além do ser e adentrará na eternidade. No entanto, a Bíblia fala do “princípio” que era antes do tempo, dando seguimento à hora da “dissolução”, o universo, ele, permanecerá. O tempo, este ícone da eternidade (“o protótipo do tempo foi a natureza eterna”, segundo Platão), se transfigure em eternidade, e o universo em Reino do século que há-de-vir.

“No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra era informe e vazia, existiam trevas sobre a face do abismo e o Espírito de Deus se movia acima das águas”(Gn. 1, 1-2). A “terra” do primeiro dia, segundo a expressão do Metropolita Filareto é uma “lacuna assombrosa”, uma matéria original caótica, tendo em si o penhor da beleza, da harmonia do mundo que há de vir. As “trevas” e o abismo sublinham a ausência de organização do material que escapa à vista. Acerca do Espírito Santo, diz-se que Ele “Se movia” acima das águas. Em outra passagem da Bíblia, este verbo designa o vôo de um pássaro sobre o ninho onde se encontram seus filhotes: “ (Dt. 32, 11). Assim o Espírito Santo protegia e animava a matéria, “movendo-se”por cima dela e insuflando o “sopro da vida”.

Os seis dias da criação
E disse Deus: "E disse Deus: Haja luz. E houve luz. E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas" (Gn 1,3-4). A luz do primeiro dia não é nem aquela do sol nem da lua, que aparecem somente no quarto dia, mas antes a Luz divina que se reflete sobre o ser criado. “Ele diz”, “Ele vê” são antropomorfismos que têm todavia um sentido profundo. O termo “Ele diz” designa a ação da Palavra Divina, uma das hipostases da Santíssima Trindade, e “Ele vê” visa a tomada de consciência e a finalidade do processo criador, a satisfação do artista em saber que o cosmos criado por Ele é realmente belo.

No segundo dia, Deus cria “o firmamento”, aquilo que é dotado de solidez, estabilidade, firmeza. No terceiro dia Ele cria o seco e as águas e traça uma separação entre elas. No quarto dia, Deus cria o sol, a lua e os outros luminares: a partir deste momento o mecanismo da jornada se põe em andamento, bem como a sucessão regular do dia e da noite. No quinto dia, sobre ordem Divina, o elemento aquático dá nascimento aos peixes e aos répteis, e o elemento aéreo aos pássaros. Por fim, no sexto dia aparecem os animais e o homem.

Não existe aqui necessidade de comparar a história da criação na Bíblia com as teorias científicas modernas sobre a origem do universo. O diálogo, que dura por certo tempo, entre a ciência e a teologia, ainda chegou a conclusões definitivas sobre a relação entre a revelação bíblica e os desenvolvimentos científicos. Todavia, é perfeitamente claro que a Bíblia não visa oferecer uma relação sobre a origem do universo, e isso seria fazer prova de ingenuidade em vez de engajar uma polêmica sobre o relato bíblico se o tomamos literalmente. As Santas Escrituras consideram o conjunto da história na perspectiva de uma correlação entre o humano e o divino. Os autores dos relatos bíblicos fazem geralmente uso de uma linguagem metafórica e simbólica e se fundam sobre os conhecimentos científicos de seu tempo. Isto não diminui em nada o teor da Bíblia como livro através do qual Deus fala à humanidade e Se revela em todo Seu poder criador.

O quadro da criação do mundo nos apresenta Deus em todo Seu poder criador. O universo criado por Deus tem a aparência de um livro que desvenda, diante daquele que o lê, a majestade de Deus. Ao contemplar o mundo material, os descrentes não percebem a imagem de uma beleza superior e imaterial: segundo eles, não existe no mundo nada de miraculoso, tudo é natural, ordinário. O livro do milagre de Deus se lê com os olhos da fé. Junto a Abba Antonio, eremita egípcio do IV século, chega um célebre filósofo que lhe pergunta: Abba, como podes viver aqui, privado da consolação que a leitura dos livros oferece? Mostrando com a mão o céu, o deserto e as montanhas, Antonio responde: Meu livro, ó filosofo, é a natureza e tudo de criado, e quando o tédio toma conta de mim, leio as obras de Deus.

Comentários