O Messias - Rei e Salvador

MIEN Aleksandr
tradução de monja Rebeca (Pereira)


A religião de Moisés nasceu ao mesmo tempo que o conceito de salvação. Já o primeiro mandamento do Decálogo lembra que Iahweh salvou o seu povo que definhava na escravidão. Em geral, a maioria das pessoas de Israel tinha uma concepção extremamente concreta da salvação, como salvação dos inimigos, salvação das calamidades naturais. Os Profetas elevaram esta esperança, conferindo-lhe um conteúdo escatológico.

Segundo a Bíblia, o mundo se encontra há muito tempo em um estado de decadência e tem necessidade de ser curado. A vida do homem é breve com um sonho, é uma luta sem esperança, e o povo vive imerso na vaidade. Todo homem, dado que “nasce no pecado”, arrasta-se irremediavelmente até o túmulo. Este reino das trevas e do sofrimento é bem diferente do que seria o desígnio de Deus realizado...

A estas mesmas conclusões haviam chegado muitos filósofos do Ocidente e do Oriente. Eles julgavam que o homem era apenas uma marionete movida pelas paixões cegas e pelas circunstâncias. O destino, inexorável, dominava tudo, condenando o universo a se afainar girando eternamente no mesmo círculo.

A tomada de consciência da imperfeição do mundo gerou as mais diversas doutrinas sobre a salvação, que se resumem essencialmente em três tipos.

Para alguns, Platão, por exemplo, a saída é uma estrutura mais justa da sociedade; para outros, Buda, por exemplo, a solução é a fuga do mundo e a contemplação mística. Ambas as soluções baseiam-se em uma tese comum: nem o homem, nem a divindade têm forças para provocar mudanças substanciais  no sistema do mundo. Tudo o que se pode conseguir é um alívio parcial do sofrimento ou a esperança no fim da matéria. O terceiro tipo de soteriologia surgiu em Israel e na Pérsia. Só nas culturas destes países existia a convicção de que o mal pode ser superado, de que no futuro deve acontecer uma transfiguração, que é o fim último da vida do ser humano. Mas, se os persas julgavam que o Bem e o Mal são apenas os dois pólos opostos e equivalentes da mesma realidade, como que dois deuses antagônicos, os profetas bíblicos, ao invés, rejeitaram esta teoria sedutora. Iahweh manifestara-se a eles como Deus uno e único. Ele “não criou a morte”, e a sua vontade é conduzir o universo inteiro à harmonia plena.

Ao aceitarmos esta doutrina, somos obrigados a nos perguntar qual a origem da imperfeição, que está em contradição absoluta com o projeto de Deus. Segundo o que o Antigo Testamento ensina, ela é resultado da queda. O poder de Deus não é como o de um ditador; ele dá às criaturas a liberdade de escolher o próprio caminho. O mundo é chamado a entender por si mesmo, com a sua existência, que a verdadeira vida só existe junto de quem a dá, e que afastar-se dele significa cair no poço sem fundo do nada. Somente seguindo o desígnio de Deus com a própria vontade é que a criatura pode ser digna daquele que a plasmou.

Utilizando imagens da poesia oriental sacra, os autores da Bíblia pintam o espírito de destruição, que luta contra a sabedoria divina, sob a forma de uma serpente ou de um dragão indomável e rebelde, como as ondas do mar. Depois, a Escritura deu a este fluxo obscuro e perverso na criação o nome de Satanás, isto é, o adversário. Através dele, a “morte entrou no mundo”.

Em seu estado atual, a natureza não corresponde plenamente ao desígnio de Deus. Por isso é que nela grassam a destruição, a luta, a morte e a dissolução. Foi no meio deste mundo ambíguo e alterado que se sitiou, pois, o primeiro homem, que a Bíblia personifica na figura de Adão.

Ele era o reflexo de Deus no seio da natureza, uma “imagem” do próprio Criador.

Há muitos séculos, o autor dos Salmos, encantado com a grandeza de um céu noturno, não conseguia esconder a sua admiração: “O que é o homem, para que Tu dele te lembres? No entanto, puseste-o acima de toda criação...” No livro do Gênesis, fala-se do régio papel de Adão, do seu “poder” sobre as criaturas. Segundo as palavras da Bíblia, ele viveu no Jardim do Éden, querendo dizer que a proximidade de Deus o protegia do mal natural. Contudo, dotado de liberdade e poder, Adão cedeu à tentação de colocar a própria vontade acima da do seu Criador.

A Escritura traduz esta catástrofe espiritual ao relatar o pecado original: o primeiro casal humano deu ouvidos à voz da serpente e queria dominar o mundo independentemente do próprio Criador, o que significou querer “ser outros deuses”. Com isto, desfazia-se a primeira aliança entre o homem e Deus.

O pecado destruiu e enfraqueceu muitos dons do homem, espalhou-se como uma epidemia e fincou em todo lugar suas raízes venenosas. De “cultivador e guarda” da natureza, Adão tornou-se inimigo e violentador. As forças obscuras tomaram poder sobre todo o gênero humano, submetendo-o a elas e transformando a terra num inferno.

Contudo, como Satanás não conseguiu destruir por completo a feição do mundo, do mesmo modo as sementes do pecado não aniquilaram o anélito do homem por Deus, a saudade que sentia do que havia perdido.

A mensagem central da Bíblia encerra-se na declaração de que Deus não abandonou o mundo depois da queda. Ele chamou alguns justos que a ele se mantiveram fiéis, mesmo em meio à treva e à loucura, e através deles renovou a aliança com o mundo. Estes justos estão na origem do povo eleito, que veio a ser um instrumento de Deus para cumprir seu próprio desígnio. O sentido de tal eleição manifestou-se lenta e gradualmente à consciência de Israel. Desde o começo, o povo eleito devia apenas conquistar a confiança no Altíssimo, deixar-se guiar por ele. Geração após geração, os chefes, os profetas e os sábios reforçavam a fé no que devia vir e aprofundavam a compreensão do Reino. Eles sabiam que chegaria o momento em que o monstro do Caos seria vencido e cairia finalmente a barreira que separava o mundo de Deus (cf. Is. 27,1; Jo. 12,31). Esta reviravolta de toda a terra seria precedida pelo aparecimento do Messias. Ele devia ser descendente de David, da estirpe de Jessé, mas nasceria quando a dinastia real não tivesse o poder terreno: “Eis que desabrochará um rebento da árvore cortada de Jessé, um germe das suas raízes. E o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de inteligência, pousará sobre ele”.

O Messias existia em Deus desde sempre e, no futuro, o seu Reino “não terá fim”. A sua vinda restabelecerá o acordo entre os homens e a natureza, entre o mundo e o Criador.

Mas, a escatologia dos profetas não se limitava a esperar o Cristo. O “dia do Senhor”, dizia, será o dia da revelação total de Deus; então o mesmo Infinito entrará no mundo finito, o mesmo Imperscrutável será claro e evidente para os filhos dos homens.

Esta esperança, porém, não seria insolência e loucura? Deus é infinitamente superior a tudo o que ele criou, e “quem viu o Senhor não pode continuar em vida”. Os sábios da Antiga Aliança responderam também a esta pergunta e, segundo o seu ensinamento, existem faces do Inefável que, em certo sentido, estão voltadas para a criação e para o homem. Recorrendo a conceitos e símbolos humanos, estas faces de Deus podem ser definidas como Espírito, Sabedoria e Palavra do Senhor. Nela está contido aquele tanto de divino que é adequado à criatura. Por meio delas, o universo recebe vida e o Absoluto se revela ao homem.

Quando os profetas procuravam descrever a manifestação da Palavra ou do Espírito, eles descreviam um cataclismo cósmico que devastaria o céu e a terra. Do mesmo modo, a maioria dos profetas imaginava o Messias com um triunfador poderoso, cercado pelas milícias celestes. Poucos foram os profetas, como o segundo Isaías, que representaram o Messias em seu esplendor do poder e da glória.

“Eis o meu servo que eu elegi, o meu escolhido, aquele que a minha alma deseja. Eu lhe dei o meu Espírito e ele levará a justiça aos povos. Não gritará nem alçará a voz, não se fará ouvir por quem está na rua. Não quebrará um caniço recurvado, não apagará a pequena chama tremulante.”

Até a época evangélica, a fé no Messias-guerreiro causava muito mais impacto sobre o povo do que as ideias de um messianismo místico do tipo acima descrito por Isaías. Na época romana, o espírito bélico e revolucionário conheceu um acréscimo, a espera do Salvador tornou-se uma utopia política, inspirou os partidários de Judas da Galiléia.

Pode-se perguntar por que Jesus jamais condenou de modo explícito esta tendência. Provavelmente pelo fato de ela haurir as suas idéias-força dos textos proféticos e, naquela época, o povo ainda não estava em condições de distinguir na literatura bíblica entre o conteúdo sobre a manifestação de Deus e as metáforas tradicionais que este conteúdo assumia. Por isso, deixando imutável a forma das profecias, Cristo procurava sempre realçar o sentido espiritual delas e evidenciar o que é fundamental na escatologia bíblica. Quando se definia Filho do Homem, quando falava de si como de um proclamador de liberdade e cura, quando fazia entender a quem o ouvia ter estado em outro mundo “antes de Abraão”, queria confirmar com tudo isto que ele era aquele Mestre, cuja vinda fora predita pelos profetas.

E não só. Jesus Cristo também revelou algo que nenhum profeta havia anunciado. A manifestação de Deus cumpria-se nele, na sua pessoa de Messias prometido: o Infinito e Eterno adquiria semblante e voz humana, tornando-se “Filho do Deus Vivo” no carpinteiro de Nazaré.

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