Escatologia e moral segundo São João Crisóstomo
YAZIGI Arcebispo Paulo de Aleppo
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Fiel exageta da Bíblia e também exemplo de
vida em Cristo, São João Crisóstomo, é certamente o melhor intérprete desta
vida, também dita moral cristã.
Por “vida em Cristo” entendemos preliminarmente
uma vida cujas perspectivas ultrapassam os limites e definições deste mundo
para atingir aquelas da escatologia. Esta perspectiva escatológica implica
consequências imediatas para toda Teologia, a Cosmologia, a Economia e a
Antropologia da Igreja Ortodoxa. Caso contrário, a própria escatologia se
apresenta junto a São João Crisóstomo exatamente como um diálogo entre a
filantropia de Deus e a liberdade do homem. Graças a esta perspectiva, o Santo
Padre faz figura de profeta do amor e doutor da liberdade. O amor e a liberdade
são os dois traços característicos e os dois privilégios da teologia ortodoxa,
diferenciando-a da teologia e da vida ocidental, tanto no domínio do dogma como
naquele do ethos.
O Deus Uno, que não tem necessidade de nada e
que ama o homem, cria o mundo e dele Se ocupa com desinteresse e “filantropia”.
Esta filantropia divina constitui o fundamento que permite à moral cristã de
vizualizar com otimismo e de conceber positivamente a criação e a economia
divina. Assim, o homem não se encontra mais no caos do mundo que o precedeu,
como um ser insignificante, mas antes como um rei. A criação é a serva e é esta
diaconia que lhe dá seu sentido. Eis
porque a criação segue o homem e seu futuro depende da perfeição do homem. O
homem adquire seu valor próprio mas não como um elemento da criação, antes como
um ser criado “segundo a imagem e semelhança de Deus”. Ele não foi criado
perfeito e imortal mas como um ser mortal que aspira à perfeição; pois que a
perfeição dada desde o início não saberia ser uma virtude. No entanto, o homem
assim criado não era uma criança inocente mas um ser capaz de atingir, com a
ajuda divina, a perfeição e a imortalidade.
O fato de o estado presente do homem diferir
de seu estado primitivo é devido exclusivamente à sua queda. A vontade de Deus
é absolutamente boa; o projeto escatológico de Deus é positivo e não significa
fatalismo (Είμαρμένη); a existência do diabo não significa imposição de sua má
vontade. Contrariamente, o mal é sem existência e se introduz na criação como
um parasita. A mortalidade não mais agridde a vontade humana. A má utilização
da liberdade constitui a única causa da queda, esta consideração é fundamental,
pois que o retorno do homem à sua destinação primária pressupõe o bom uso de
sua liberdade.
A queda do homem faz, decerto, retardar sua
perfeição imediata, bem como seu atingir à imortalidade; mas a filantropia de
Deus, agindo como um medicamento, faz com que as consequências da queda sejam
transformadas em medidas de tratamento terapêutico e de cura para o homem
decaído. Assim, fora deste aprofundamento escatológico, a morte, o penoso trabalho,
a escravidão, etc, são elementos que fazem medo, que conduzem o homem ao incentivo
e ao pecado pelo qual se instala o reino de Satã.
Neste estado “contra natureza”, o homem que
pode viver segundo a carne, pode igualmente viver segundo o espírito. A vida
dos Santos demonstra que o combate entre a carne e o espírito é um combate
moral e não ontológico e que o retorno consiste na “opinião” (έν τή γνώμη) e se
obtém pela “vontade” (προαιρέσει). A vista escatológica da fé e da liberdade
curam a fraqueza da natureza humana e reconduzem o homem no caminho da
perfeição.
Eis porque São João Crisóstomo põe o acento
sobre a educação tanto quanto sobre a vontade, levando em conta que uma forma a
outra. Uma educação correta pode oferecer ao homem o discernimento do “bem” e a
sabedoria salvadora da serpente. O conhecimento do bem é fácil, pois a virtude
existe “por natureza”, enquanto o mal é “contra natureza”. A consciência ensina
o homem os primeiros elementos da virtude somente; a Lei mais exige e pune do
que ajuda; a obra de Cristo constitui o “pleroma”. Ela é superior pelo fato,
não somente de revelar a verdade graças à qual o homem não segue mais um
mandamento, mas imita Cristo; esta Verdade abole igualmente o mal supremo que é
a morte; no que concerne Cristo, em Seu nascimento da Virgem pelo Espírito
Santo – como segundo Adão e como uma nova criatura -; no que concerne o homem,
na cruz. Quanto à Ressurreição de Cristo, ela constitui, para João Crisóstomo,
uma abertura aos últimos fins. Ao demonstrar que a morte é um sono e que o inimigo
foi vencido, abrem-se então as vias à aquisição das virtudes superiores; eis a
primeira ressurreição do mundo, sua ressurreição moral. Por este fato, São João
Crisóstomo justifica a Ressurreição de Cristo. Todavia, a imitação e a
apropriação da morte e da ressurreição de Cristo só são obtidas para o homem no
batismo, uma primeira vez, na comunhão aos Santos Mistérios, em seguida e de
maneiras repetidas. A nova moral da Igreja, fundada escatologicamente sobre a
Ressurreição, é superior à antiga tanto do ponto de vista das novas virtudes
como de seus métodos terapêuticos mais eficazes. Assim, para atingir o mesmo
objetivo, a moral cristã emprega, decerto, a razão, o temor do castigo ou a
esperança da recompensa, mas prefere antes de tudo o amor perfeito e a lei da
liberdade.
Esta perspectiva escatológica da Igreja
Ortodoxa Oriental, tal como desenvolvida por São João Crisóstomo, considera a
vida presente de uma parte como tempo favorável (καιρόν ευπρόσδεκτον) pela cura
e a perfeição, de outra parte como uma vaidade etorpez em virtude de seus
prazeres e sua vã glória; a vida presente é um albergue ou uma rota e não “a
cidade de nossa morada”. Esta rota é “a via estreita”. Mas, suas penas são
vistas numa perspectiva escatológica, como meios terapêuticos e não como um
castigo, como uma aprovação, um testemunho escatológico e uma glória. Com suas
penas, o fiel obtêm a aliança do Espírito Santo, da mesma forma que sua virtude
lhe traz a alegria. Tal panoplia, a virtude, é obtida pela sinergia da graça
divina e a liberdade humana. A graça tem o papel inicial do convite mas sem
abolir a livre vontade do homem. Por outro lado, por meio de suas obras, o
homem manifesta a livre aceitação ao convite. Comparadas à graça, as obras são
de um valor mínimo quanto ao papel desempenhado; mas têm o mesmo valor que a
graça quanto à necessidade de sua existência; sendo assim indispensáveis. A
ascese estende a corda no vento do Espírito. A humildade é o prefácio à
verdadeira virtude, enquanto o amor desinteressado é seu próprio objeto.
Graças à perspectiva escatológica, a prática
da virtude pode ser realizada de várias maneiras. Enquanto o monaquismo, sendo
vida angélica e primícia (άρραβώνας) dos últimos fins, é a maneira por
excelência, o fiel pode atingir o objetivo final de outra forma, mas com na
mesma plenitude. O casamento é louvável; considerado como um método
escatologicamente terapêutico pelo amor e a obediência salutares. A paternidade
e a maternidade são, antes de tudo, espirituais. A mãe é considerada segundo o
modelo da mãe dos mártires, por exemplo, a mãe dos Macabeus; mãe, é aquela que
gera “filhos de Deus” em seu reino. A educação das crianças não pode ser nada
além da formação de “filósofos” dirigidos ao céu.
Nesta mesma perspectiva escatológica, as
diversas estruturas da vida social são vistas como uma “ascese” e não como uma
“violência”; elas visam o “amor” e não somente a “necessidade”. Assim, o valor
fundamental do trabalho é o valor espiritual, antropológico e social.
Necessário seria então manter a superioridade do espírito sobre a matéria. Sob
um ângulo escatológico, a “riqueza” é a própria “pobreza em espírito”. É neste
caso somente que os bens tornam-se meios de ascese e de amor. Consequentemente,
a esmola repousa sobre a própria natureza da riqueza; é uma ascese que purifica
aquele que dá, sem deixar de render serviço ao que recebe. Da mesma forma, o
degrau mais elevado das esmolas é o conselho espiritual. O poder político não
se opõe à Igreja, ele é considerado como um “servo de Deus”. Eis porque seu
lugar e aquele do servo diante de seu mestre.
Assim então, estes fundamentos escatológicos
definem as noções mais fundamentais da vida cristã e funcionam da mesma maneira
em todas as soluções morais do Cristianismo. Quando estes fundamentos
escatológicos são esquecidos, o dogma e a vida são igualmente alterados.
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