A VIA DA FELICIDADE

São NECTÁRIO de Egina, Metropolita de Pentápolis
tradução de monja Rebeca (Pereira)




Nada é maior do que um coração puro, porque tal coração torna-se o trono de Deus. Existe algo de mais glorioso do que o trono de Deus? Nada, é claro! Deus diz a respeito daqueles que possuem um coração puro: “Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo (II Co 6, 16)” Quem ousaria ainda afirmar que é mais feliz do que essas pessoas? Pois de que bens pretendem ser privados? Não encontramos todos os dons e benefícios do Espírito Santo em suas almas bem-aventuradas? O que lhes falta, por consequência? Verdadeiramente, não sofrem nada, pois guardam em suas almas a mais preciosa das riquezas: o próprio Deus. Como os homens se enganam quando ignoram a si mesmos quando buscam em outros lugares a felicidade: partindo para terras longínquas, percorrendo o mundo em numerosas viagens, sonhando com a riqueza e a glória, correndo atrás da fortuna e de prazeres vãos ou ainda desejando se apropriar das coisas deste mundo, que só proporcionam amargos amanhãs!

A edificação da torre da felicidade fora de seu próprio corpo equivale a querer construir um edifício que repousaria em fundações instáveis e abaladas por frequentes tremores. De certo, tal edifício terminaria um dia por se afundar completamente por si só.

Meus irmãos, a verdadeira felicidade só existe no interior de vocês mesmos e bem-aventurado é aquele que compreende isso. Procurem então em seu coração e gastem o tempo para refletir em seu próprio estado espiritual. Como é possível perder a confiança em Deus? As suas consciências se queixam por terem se afastado dos Mandamentos Divinos? Será que essa consciência os acusa de praticar a injustiça e a mentira, negligenciar seus deveres para com Deus e para com o próximo? Examine-a por consequência, escrupulosamente: pode ser que pensamentos e más paixões formiguem em seu coração e por isso vocês tenham se engajaram em caminhos tortos e insuperáveis... Infelizmente, aquele que negligenciou seu próprio coração privou-se voluntariamente de todos os bens para substituí-los por males infinitos. É assim que ele afasta a alegria para longe de si e ei-lo agora mergulhado na amargura, na tristeza e em toda sorte de inquietações. Sem a paz interior, ele é tomado por problemas e medo. O amor parte e a raiva se instala. Despojando-se dos dons e dos frutos que o Espírito Santo o ofereceu no momento de seu batismo, torna-se um familiar de tudo aquilo que faz do homem um ser miserável e deplorável.

Meus irmãos, o Deus pleno de misericórdia só aspira a nossa felicidade, tanto nesta vida como na outra. Foi por isso que Ele fundou Sua Santa Igreja. A fim de nos purificar, por meio dela, de nosso pecado, para nos santificar, para nos reconciliar com Ele, para nos cumular de Suas bênçãos celestes. E os braços dessa Igreja estão largamente abertos. Corramos depressa, nós que temos o coração pesado. Corramos a ela depressa e veremos que a Igreja nos espera para tomar nosso pesado fardo, nos colocar em confiança com Deus e preencher nosso coração com felicidade e alegria.

O SANTO BATISMO
Vós todos que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo (Ga 3, 27). Quanta verdade nestas palavras de São Paulo! Os batizados em Cristo deixaram a túnica do homem velho, maculada por paixões e desejos maus, para vestirem aquela do homem novo (renovado), ou seja, o próprio Cristo que agora vive no interior de seu coração. Pois a frase que revestiram não tem mais relação alguma com as vestes que trazemos. Trata-se aqui de outra realidade, uma realidade bem mais profunda, de alguma coisa mais essencial, e nada pode tomá-la de vocês. Pela afirmação de nossa fé e pelo batismo, recebemos realmente por vestidura o Cristo e nos tornamos os verdadeiros filhos de Deus, as moradas do Espírito Santo, os templos do Altíssimo. Somos chamados à santidade, à perfeição e à divinização pela graça que nos é assim conferida. Eis-nos então livres de toda corrupção, posto que revestidos de incorruptibilidade. Despojados doravante do homem do pecado, somos, em troca, revestidos do homem da justiça e da graça. Expulsamos a morte conquistando a vida eterna.

De fato: somos realmente conscientes do compromisso que tomamos diante de Deus por ocasião de nosso batismo? Será que compreendemos que Ele nos incumbe, doravante, de comportarmo-nos como filhos autênticos de Deus e verdadeiros irmãos de nosso Salvador? Compreendemos que nosso primeiro dever consiste em concordar nossa vontade própria à d’Ele? Que nos é necessário nos libertarmos do pecado? Que é imperativo nos saciar à caridade com todas as nossas forças, de toda nossa alma e todo nosso coração? Que nosso dever consiste em louvá-Lo e adorá-Lo e manter nosso olhar, com a maior impaciência, ao instante em que seremos definitivamente unidos a Ele? Fizemos nosso o pensamento de que nosso coração só pode doravante transbordar de autêntico amor, a fim de que jamais perca de vista o próximo? Enfim, estamos convencidos de que nossa única vocação é a de adquirir a santidade e a perfeição, de que somos ícones vivos de Deus, filhos e herdeiros de Seu Reino, o Reino dos Céus?

É em virtude de todas essas razões que nossa luta espiritual é uma obra constante, a fim de que sejamos dignos do chamado que Deus nos dirigiu, com o intuito de evitar a afronta de sermos repudiados em virtude de nossas ações. Sim, meus irmãos, tenhamos no coração o bom combate e nos entreguemos a ele vitoriosamente, com zelo e abnegação. Andemos com audácia, sem negligência, sem temor, sem cedermos e sem cessar diante das provações: Deus está conosco, Ele é nossa ajuda e nosso sustento, Ele nos fortifica e nos conforta no caminho da virtude.

O COMBATE ESPIRITUAL
O objetivo de nossa vida é a aquisição da perfeição e da santidade. É tornar-se (digno) filho de Deus e herdeiro de Seu Reino. Cuidemos em não nos privarmos dessa vida futura dando prioridade às coisas da vida presente. Não nos afastemos do objetivo e do sentido da vida verdadeira, privilegiando os cuidados e as tribulações que são inerentes ao mundo daqui de baixo. O jejum, as vigílias e a oração não podem, por si só, produzir os frutos esperados. Eles não constituem o objetivo verdadeiro, mas são meios para atingi-lo. Ornem também suas candeias com virtudes autênticas. Lutem sem cessar para arrancar as paixões que estão em vocês. Purifiquem seus corações de todas as manchas para que ele se torne a morada do Deus e que o Espírito Santo aí encontre espaço para preenchê-lo com Seus dons divinos.

Meus bem-amados, que todas as suas preocupações e seus cuidados tendam unicamente a isso, a esse objetivo citado, não o deixando de forma alguma. Em vista disso, que sua oração seja essencialmente dirigida a Deus. A cada instante de vossa existência buscai antes de tudo a Deus. Mas buscai-o lá onde Ele Se encontra: no interior de seu coração e unicamente lá. E quando o tiverem finalmente encontrado, permaneçam diante d’Ele com tremor e temor tal como os Querubins e os Serafins, pois assim seu coração se tornará o trono de Deus. Todavia, para encontrar o Senhor, humilhem-se mais baixo que a terra porque Deus vomita os orgulhosos enquanto ama e visita os humildes de coração. É por esta razão que Ele disse pela boca de Isaías (66, 2): “Mas o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito, e que treme em virtude de Minha palavra”. Combatam então o bom combate e Deus os fortificará, em retorno. Através desse combate localizamos nossas próprias fraquezas, nossas deficiências e defeitos pessoais. Tal combate incessante não passa de um espelho de nossa situação espiritual: aquele que jamais travou esse tipo de combate jamais será capaz de conhecer seu real estado interior.

Atenção ao que consideram “seus pequenos pecados”. Se por inadvertência alguém sucumbir a um pecado, sobretudo não se desespere: levante-se depressa, prostre-se diante de Deus, o único capaz de o sanar. Não se feche em sua tristeza, que só serve para cobrir seu orgulho. Os estados de tristeza exagerada e os momentos de desespero que nos sobrevêm fazem muito mal e acabam por se tornar um verdadeiro perigo. Geralmente, não passam de maquinações do diabo para colocarmos um termo ao nosso bom combate.

Encontramos também em nós fraquezas, defeitos e paixões cujas raízes são profundas, muitas deles são hereditárias. Não nos livramos disso usando expedientes espasmódicos, nem sucumbindo à ansiedade ou ao desespero, mas nos curamos deles por meio da paciência, da perseverança, da firmeza que nos impomos, da solicitude e da atenção. É verdade: a senda que conduz à perfeição é longa e árdua. Orem e peçam que Deus os conceda o dom da força necessária. Afrontem suas quedas com paciência e, uma vez de pé, não demorem, como o fazem normalmente as crianças, lamentando e se entregando a prantos, por vezes inconsoláveis. Permaneçam vigilantes e orem sem cessar a fim de não sucumbir à tentação. E se caírem em faltas antigas, sobretudo não se deixem abater pelo desespero, pois muitas dentre elas são naturalmente poderosas e é por hábito que as cometemos. Todavia, com o tempo e a perseverança, encontramos também o meio de vencê-las. Por isso, afastem-se do desespero!

A ORAÇÃO
A tarefa primária do homem é a oração. Enquanto imagem de Deus, o homem tem sede d’Ele e é com paixão que se esforça em se elevar até Ele. Quanto mais o homem ora, mais despoja sua alma de todo desejo mundano e mais ele ascende aos bens celestes. E ainda, quanto mais ele se despoja dos prazeres desta vida, mais ele desfruta da verdadeira alegria que vem do céu. Só é possível testemunhar isso através da experiência adquirida. Deus permite toda oração que Lhe é oferecida de maneira correta, quer dizer, desde que a formulemos em estado de consciência de nossa imperfeição e de nossa indignidade. Também é necessário renegar totalmente o mal que está em nós e nos submetermos aos Mandamentos Divinos. Isto exige que sejamos humildes e que sem tréguas nos lancemos ao verdadeiro labor espiritual.

Endereçam a Deus todos os seus cuidados. Ele é a sua Providência. Não tenham medo, não deixem o problema se instalar: Deus perscruta as profundezas ocultas de suas almas e responde aos seus desejos à maneira d’Ele. Peçam também, não percam a coragem e admitam que não têm o direito de se lamentar quando sua esperança não é cumprida. As vias do Altíssimo nos são desconhecidas, por isso permaneçam serenos e incessantemente dirijam seu olhar a Ele. Somente o Senhor nos conduz à perfeição, vindo habitar em nós cada vez que nos conformamos à Sua vontade. Não queiram realizar, custe o que custar, os seus próprios desejos, mas antes os preceitos d’Ele, da mesma forma que os Anjos o praticam nos Céus com justiça. Assim, se Cristo não reside em nós, nossas orações e pedidos permanecem vãos, sem sentido.

A PAZ
A paz é um dom divino, ricamente distribuído a todos aqueles que estão reconciliados com Deus. A paz parece a luz, ao contrário do pecado, o qual se assemelha às trevas: um pecador jamais pode ser artesão da paz. Lutem contra o pecado e não fiquem perturbados pelo despertar de vossas próprias paixões. Se saírem vencedores, esse despertar de paixões se transformará em alegria e paz. Se sucumbirem (e faça que não seja assim), então tanto a tristeza como a confusão tomaram lugar. E se ainda, depois de terem travado um rude combate, o pecado vença momentaneamente, persistam, ao contrário, em sua luta. No fim das contas, sairão vencedores e pacificados. “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12, 14). A paz e a santificação são duas condições necessárias para aquele que busca com zelo a Face de Deus. A paz é o fundamento sobre o qual se constrói a santificação. Não há santidade alguma num coração confuso e colérico. A cólera, quando perdura em nossa alma, torna-se causa de raiva e de inimizade. Eis porque é conveniente reconciliar-se depressa com seu próximo. Para não serem privados da graça divina que santifica nossos corações! Aquele que está em paz consigo mesmo, pacifica também os outros e permanece na paz de Deus.

O AMOR (ÁGAPE)
A cada dia, peçam a Deus que Ele os conceda a graça do dom de amar. Preservem com toda vigilância necessária a qualidade de suas relações com os outros e sejam testemunhas de seu respeito para com elas, pois são “imagens” (ícones) de Deus. Não se deixem surpreender pelo único espetáculo da beleza do corpo: quando o coração não está aquecido pela oração pura, o amor se contenta somente com o carnal, o que, consequentemente, torna os pensamentos confusos, reduzindo o coração a cinzas. Aquele que permanece na guarda para que o dom do amor seja preservado em sua pureza, não cairá na emboscada do maligno, que consiste em transformar, passo a passo e sem ruídos, o amor defendido pelo Evangelho em amor puramente sentimental.

O DISCERNIMENTO
Eu os aconselho a cultivar a razão e a sabedoria em todas as circunstâncias e a evitar os excessos de todos os tipos. Sigam em frente com discernimento. Da mesma forma, não enfraqueçam seus corpos impondo-lhes excessos intransponíveis. Lembrem-se que a ascese do corpo tem por único objetivo ajudar a alma a atingir a perfeição. A única via possível de adquiri-la é o bom combate de alma. Assim, não estiquem a corda mais do que o necessário. Saibam que Deus não impõe restrições ao distribuir Seus dons: o que recebem d’Ele é gratuito porque Sua misericórdia é sem limites. Não visem mais alto ainda entregando-se a grandes atos de ascese se, a priori, não possuem essas virtudes, sem as quais correrão os riscos de se afastar na elevação e na audácia. Quanto mais desmoronamos nas paixões, mais corremos o risco de nos enganar. E como isso acontece com os imbecis e pretensiosos! Àqueles que estão despojados de suas paixões, os dons da graça divina são distribuídos enquanto recompensa, em toda discrição e quando menos esperam.

A ARROGÂNCIA
A arrogância da razão se assemelha ao orgulho satânico que renega a Deus e blasfema contra o Espírito Santo. É por isso que dificilmente a curamos. Em contrapartida, o orgulho do coração não é produto do orgulho satânico, o qual tem sua origem em diversas situações, através de múltiplos acontecimentos: riqueza, glória, honras espirituais e físicas (inteligência, beleza, força, postura...). Tudo isso atinge o cérebro dos insensatos e eles caem na vaidade sem ceder ao ateísmo. Geralmente o Senhor se apieda deles e usa de Sua pedagogia para que se tornem novamente racionais. Seus corações, então, graças à contrição, deixam de correr atrás de glórias vãs e acabam por se curar. Parece-me justo dizer que toda nossa atenção espiritual deveria se concentrar sobre a necessidade de neutralizar em nós a arrogância e o orgulho bem como seus frutos. Se ao contrário, os substituímos pela verdadeira humildade, então estamos seguros de possuir tudo. Pois lá onde existe a humildade em Cristo também se reúnem todas as virtudes que conduzem diretamente a Deus.

A NOBREZA CRISTÃ
Os cristãos devem, segundo o mandamento de Cristo, tender à perfeição e à santidade. A perfeição e a santidade começam primeiramente por cavar um profundo sulco na alma para, em seguida, impregnar nossos pensamentos, nossos desejos, nossas palavras e nossos atos. Dessa maneira, tudo que preenche a alma também transborda exteriormente no caráter do homem, por inteiro. Assim, todos nós devemos nos comportar com delicadeza. Que nossas palavras e ações transpirem a graça do Espírito Santo, do Qual somos portadores no fundo de nossos corações. Logo, toda nossa vivência testemunhará aquilo que é glorificado, ou seja, o Nome de Deus. Quem mede suas palavras, também mede seus atos. Quem dá atenção ao que fala, dá atenção também ao que empreende, jamais ultrapassa sua medida e decência. Pois que as palavras vãs engendram a raiva, as inimizades, as tristezas, as disputas, os problemas de todos os gêneros, bem como as guerras. Logo, delicadeza e profundo respeito! Que nunca saia de seus lábios palavras que magoem, palavras que não foram antes salgadas pela graça de Deus. Que as palavras pronunciadas em nossa boca sejam cheias de bondade como se viessem do próprio Cristo e que sejam o reflexo da maneira com a qual cultivamos nossa própria alma.

A DOXOLOGIA
O dever do cristão é sempre dar glória a Deus, tanto em seu corpo como em seu espírito. De qualquer forma, ambos são propriedades de Deus e, em virtude disso, não temos o direito nem de desonrá-los e nem de corrompê-los. Todo ser que se recorda que seu corpo e seu espírito pertencem a Deus é tomado de piedade e de temor místicos em virtude disso, o que vem a contribuir para que seja preservado do pecado, permanecendo em constante relação com Aquele que é a própria causa de sua santificação, o Senhor nosso Deus. Por isso, o homem dá glória a Deus tanto com seu corpo como com seu espírito cada vez que se recorda que fora santificado por Deus e que está de certa forma unido a Ele. Isso é possível cada vez que ele concorda sua própria vontade com aquela de Deus, a fim de que suas ações sejam praticadas em conformidade aos preceitos divinos.

Então, ser agradável a Deus é testemunhar que não vivemos mais para nós mesmos, mas antes para Ele. É construir o Reino dos Céus sobre a terra. Tudo se torna pretexto para glorificar o Nome do Senhor e fazer brilhar aqui em baixo o fulgor da verdadeira Luz, doce e jubilosa tal como proclamamos na celebração do Serviço de Vésperas: “Phôs hilarion… Luz jubilosa da santa glória do Pai imortal, santo e bem-aventurado Jesus Cristo…”! Se tomarmos realmente a decisão de agir assim, nos tornaremos o verdadeiro caminho que conduzirá diretamente a Deus todos aqueles que ainda não O encontraram ou conheceram.

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