Ao encontro da Festa da Dormição da Toda-Santa


TUPANJIN sacerdote Dražen
tradução de monja Rebeca (Pereira)


No calendário do ano litúrgico da Igreja Ortodoxa se aproxima a memória da Dormição da Toda-Santa Deípara, celebrada aos 28 de agosto, de acordo com o novo calendário. Primeiramente, vale lembrar que a própria maneira de nomear a festividade, quer dizer a terminologia de dormição não significa assunção, ou subida em nosso uso moderno, mas preserva-se a antiga forma eclesiástica de assunção, que denota um sono, quer dizer, a memória do evento em que a Mãe de Deus adormece no Senhor. Em outras palavras, o dia da Dormição é a lembrança da morte de Maria, a Mãe de nosso Salvador, e a morte é muitas vezes referida como sono na linguagem bíblica (Mt 9:24; At 7,60; 1 Cor. 15: 10).

Deve-se fazer atenção à representação iconográfica da cena da Dormição em que uma das peculiaridades no ícone da festa é que esta morte é retratada visualmente, ao contrário, por exemplo, da cena da morte de Cristo (ou a descrição literária do martírio vitorioso de Estevão nos Atos dos Apóstolos – At. 8: 2) – ainda que acontecimento de alegria. Isto em si indica algo sobre a experiência que, em conexão com a morte da Mãe de Deus, a Igreja experimentou, assim como a experiência de Sua personalidade na piedade eclesiástica e sua teologia, sem a qual (teologia) não haveria nem a primeira, pelo fato de a Revelação de Deus, para medida de nossa compreensão, torna necessária a realidade de interpretação. O próprio Senhor e Seus Apóstolos, bem como os Padres da Igreja, assim como todos os outros que pregaram e aqueles que pregam hoje, demonstraram tal abordagem, sabendo que a fé vem do sermão e o sermão da Palavra de Deus (Rom. 10:17).

Além disso, a formulação do ciclo da Festa da Mãe de Deus por parte da tradição da Igreja é um testemunho importante em interpretação teológica, sem a qual suas festas não poderiam ser encontradas no curso do ano litúrgico da Igreja. Consequentemente, é também um forte argumento contra os assim chamados "piedosos" que injustamente subestimam a teologia contrastando-a com a tradição piedosa como se não fossem realidades mutuamente penetrantes na mesma atmosfera abundante da revelação da nova vida em Cristo. Estes, por meio de slogans mais ou menos conhecidos e semelhantes, do tipo "deixe a teologia de lado, isso é totalmente acadêmico, abraçe a piedade e a oração, os serviços litúrgicos e o jejum", de fato testemunham o horizonte preocupantemente estreito de entendimento por parte dos fiéis que temos a oportunidade de conhecer na igreja ou na paróquia que, por causa de um tipo cristão de religiosidade, negligenciam o mandamento fundamental de amar a Deus com todo o seu entendimento (Mt. 22,33; Mc. 12,30; Lc. 10,22). Este amar a Deus com seu entendimento é um conteúdo indispensável da experiência cristã da própria vida, para cuja correta compreensão da personalidade da Virgem Mãe de Deus, visa a partir da perspectiva do entendimento conciliar (sobornost) da Igreja, é imensurável.

O que torna a Festa da Virgem Maria, assim como a Dormição, irresistivelmente inspiradora e atraente ao pensamento, repousa sobre o fato de que as fontes para estabelecer o ciclo de Suas Festas não se encontram descritas nos textos do Novo Testamento. Descrições de alguns dos eventos de Sua vida que a Igreja celebra: os nomes dos pais, a concepção de Sant’Ana, a Natividade, a Apresentação no Templo de Jerusalém e, finalmente, a Dormição, não fazem parte do corpus do texto do Novo Testamento. Tendo em mente que Ela é uma personalidade bíblica do Novo Testamento cujo papel é particularmente proeminente nas descrições do Nascimento e aflição-paixão de Seu Filho (diferentemente de outros lugares onde ela é mencionada relativamente raramente comparada a, digamos, Pedro e os Discípulos), e que festas estão relacionados a outras figuras bíblicas que podemos encontrar diretamente no texto da Escritura (por exemplo, o nascimento de João, decapitação de João, as veneráveis ​​cadeias de Pedro, etc.) são ainda mais desafiadas pela questão do lugar, papel e compreensão de tais festas. É claro que seu posicionamento exige uma interpretação teológica que moldou a experiência e formou uma theotokologia, a palavra da Igreja acerca da Theotokos, da Deípara e sua expressão litúrgica - festas. O que essa deliberação, juntamente com seus resultados, diz ser grande, e diz respeito literalmente a todos nós cristãos, porque fala da possibilidade de união com Cristo, da cristificação, ou, com base nas palavras de uma das formulações de São Paulo - revestir-se de Cristo (Gal. 3:27). É, portanto, um testemunho da possibilidade de ser um com Cristo por Sua misericórdia e vontade, no mistério da Igreja. (Jo .17, 11, 21-22).

Com tudo isso em vista, não é incomum que os Padres da Igreja tenham formado o ensino acerca da Mãe de Deus e Suas festas inventivos, como uma reflexão sobre a vida de Cristo. A descrição viva da Dormição é tão irresistivelmente reminiscente das descrições do Evangelho da Ressurreição, especialmente nos pontos relativos a seu túmulo vazio e a ausência do Apóstolo Tomé, que, como é bem conhecido, testemunhou de maneira especial a Ressurreição do Senhor. Esta é a mesma matriz vivificante que faz da Mãe de Deus e, portanto, da Igreja de Seu Filho, autênticas testemunhas da Ressurreição e da vida nova. Da mesma forma como Seu Filho era visto pelos olhos da fé apostólica como o Novo ou o Último Adão (1 Co. 45-49), Sua Mãe era vista como a Nova Eva pelos olhos da fé dos primeiros Padres da Igreja (Irineu de Lyon, Justino o Mártir …). A isto se pode acrescentar a interpretação de alguns teólogos ortodoxos contemporâneos (John Ber) que vê a cena do Evangelho na qual Jesus aufere o cuidado de Sua Mãe ao discípulo que amava (Jo. 19: 26-27) como expressão da genialidade teológica do escritor do quarto Evangelho, que sob a cruz não é somente (e cujo nome não é mencionado) o apóstolo João, mas toda Igreja enquanto discípulo amado. A Igreja, portanto, que se torna Ele – o Cristo – pelo mistério de Sua união, dada pelo Espírito de Deus pelo Pentecostes e cuja Mãe é misteriosamente a Mãe de todos os que se revestiram de Seu Filho. (Uma interpretação semelhante pode ser considerada em conexão com a descrição do caminho para Emaús em Lucas 24, 13-35, onde ao não mencionar o nome do companheiro de Cleófas representa e convida cada um de nós a se unir a Jesus no caminho que Ele abre as Escrituras, conduzindo os discípulos através da interpretação das Escrituras até o conhecimento eucarístico d’Ele enquanto Messias do povo de Deus). A hinografia da Igreja com especial cuidado e amor também apoia fortemente a experiência da Santíssima Mãe de Deus como a Nova Eva e a Mãe dos fiéis. Deve-se notar que no início deste texto, o mencionado ícone da Festa da Dormição do Salvador representado em Sua Glória, quer dizer, assim como nas representações da Transfiguração e libertação de nosso ancestral do Hades (a Ressurreição), portanto, como o Deus glorificado que revivifica Sua Mãe e Sua Igreja com a graça da vida eterna.

Tal tentativa de compreensão teológica da Santíssima Mãe de Deus, isto é, Ela enquanto testemunha da cristificação, também disponível à nós como discípulos amados de Cristo, pode nos servir em nossos dias de ponte no diálogo ecumênico dos cristãos. (Tal tentativa foi escrita com a consciência de que, com base nas palavras do Hino Acatiste à Anunciação Mãe de Deus, toda canção que se esforça em se espalhar na multidão da Tua misericórdia (Cristo) é derrotada, que ninguém deve perder de vista, e que, também não nega o mandamento sobre amar a Deus com todo o seu entendimento, já nos lembra evitarmos o fanatismo e sua companheira – a exclusividade). Para ilustrar mais claramente o que quero dizer sobre o potencial ecumênico que vem do que acredito ser uma compreensão correta do lugar de Maria (Toda-Santa) na Igreja, usarei um exemplo de minha experiência pessoal. Numa correspondência na internet há uns dez anos atrás com um conhecido – cristão de tradição protestante pentecostal – aprendi sobre sua experiência em reunir-se com teólogos católico-romanos em Split (na Croácia) onde eles, católicos, foram anfitriões. Ao final da primeira sessão seguiu-se o almoço, onde no início os teólogos católicos começaram a cantar à Mãe de Deus. Ele, repetindo sua expressão, permaneceu consternado porque não podia de forma alguma (como a maioria dos cristãos da ala da Reforma) aceitar que alguém possa, em todo devido respeito a Maria, se Lhe dirigir por intercessão orante, pelo fato da Escritura dizer que há um só Deus e o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus (1 Tim. 2: 5). Contendo-me, no entanto, respeitando a tradição da qual tal irmão provém, bem como seu compromisso declarado com Cristo, no qual tive a oportunidade de me convencer, de que essa atitude é insuficiente precisamente pelo fato de não tem suficientemente em mente o mistério da cristificação, o Grande Mistério (cf. Ef. 5,32) no qual, nas palavras da tradição litúrgica ortodoxa, Cristo é Aquele que oferece e é oferecido. Em outras palavras, a tradição orante de se dirigir à Mãe de Deus e aos Santos afirma antes de negar a Cristo Jesus como o único mediador de maneira que Ele é um e muitos na experiência de graça da Igreja, e portanto o antagonismo nesta questão pode ser superado ou pelo menos mitigado apontando para estes aspectos de nossa experiência eclesiástica. Tenho certeza que a Mãe de Deus ficaria feliz com/por isso!

A Dormição da Toda-Santa Deípara, bem como a percepção geral de sua pessoa na Igreja, nos dá uma oportunidade excitante e alegre de verdadeiramente experimentarmos a Escritura como o Livro da Vida e manifestar a vida de Cristo em nosso corpo mortal (2 Cor. 4:11). A Dormição nos ensina que a vida de Cristo, segundo as palavras do Bispo Atanásio (Jevtitch), é repetidamente não repetível em cada cristão, nascido, tal com o Jesus, do Espírito Santo e da Virgem Maria – Igreja. É por isso que Sua Mãe Virgem é a verdadeira imagem de Sua Igreja. O texto bíblico é, portanto, expandido de forma única em evento bíblico e moldado teologicamente na verdade da Festa da Dormição da Santíssima Virgem. Neste acontecimento, as pessoas devem reconhecer sua esperança no futuro absoluto do Novo Mundo de Deus, o Dia sem ocaso da qual Ela, a Toda-Santa Mãe de Deus, é a Aurora Misteriosa.

Este texto é uma modesta contribuição para a grande celebração do Monastério da Santa Dormição de Tvrdosh, em sinal de respeito e homenagem ao Santuário em que estou e em que vi a Aurora do Dia Misterioso.


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